Expoentes da bancada ruralista falam em crime e afirmam que movimento não soube se reinventar.
Congressistas que representam o agronegócio dizem defender a reforma agrária, mas condenam a prática de invasões de terra que virou símbolo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que completou 40 anos de existência nesta semana.
Ruralistas em geral sempre foram o principal setor de oposição ao MST e já patrocinaram algumas CPIs no Congresso Nacional, a última delas encerrada em setembro sem votação de um relatório final.
Ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro (PL), Tereza Cristina (PP-MS) diz ver crime nas ações de invasão. Para ela, o movimento deveria se reinventar, focando a melhoria das condições de vida das centenas de milhares de famílias assentadas.
Segundo o MapBiomas, a área brasileira ocupada pela agropecuária é de 95 milhões de hectares (dados de 2022), o equivalente a pouco mais do estado do Mato Grosso —e similar à área destinada à reforma agrária nas últimas décadas, cerca de 90 milhões de hectares.
“Eu acho que o MST tinha que mudar o seu foco, tem que se modernizar, se reinventar fazendo com que esses assentamentos sejam produtivos. Invasão de terra é crime, nossa Constituição diz que a propriedade privada é sagrada, é uma das cláusulas pétreas”, afirma.
Durante a gestão Bolsonaro, a reforma agrária ficou vinculada à Agricultura, que promoveu uma paralisia de novas desapropriações e assentamentos, priorizando uma entrega recorde de títulos de propriedade a assentados —política criticada pelo MST por, segundo eles e entre outros pontos, facilitar a volta desses terrenos para latifundiários.
“O que o MST agora tem que fazer é exigir que sejam tituladas as terras para aqueles assentados, ou eles querem continuar com essas pessoas tuteladas pelo movimento? Nós queríamos pessoas que estivessem na terra, mas que fossem donas do seu negócio, que pudessem ter dignidade e é isso que o título traz para a grande maioria”, diz a hoje senadora.
Presidente da poderosa FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), o deputado Pedro Lupion (PP-PR) é mais ácido em suas críticas.
“Não tem nada que comemorar [pelos 40 anos], é um movimento criminoso, baderneiro, que tem um interesse único e exclusivamente político, que nunca pensou em reforma agrária, só em crescimento político e dominação de uma população que precisa de terra. Infelizmente, uma vergonha para o Brasil”, afirma o parlamentar.
MST, 40 ANOS
Série de reportagens da Folha aborda a trajetória, os conflitos e as mudanças em quatro décadas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Ex-presidente da FPA, o deputado Sergio Souza (MDB-PR) também critica as invasões promovidas pelo MST.
“Nós não somos contra a reforma agrária, muito pelo contrário, a reforma agrária é benéfica ao país, é justa, deve ser feita. O que nós não concordamos é com a invasão de propriedade.”
Responsável pela comissão de Direito de Propriedade da FPA, o também deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO) adota o mesmo discurso: é favorável à reforma agrária, mas contra os métodos do MST.
“O maior pecado do MST é justamente o objeto social da entidade, que é invasão de terras particulares, produtivas, propriedades privadas. Se eles fossem um movimento de reivindicação de terras, da reforma agrária, de uma área de terra para eles trabalharem, eu não teria essa visão.”
A questão das invasões foi objeto da entrevista coletiva em que a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) apresentou um balanço de 2023 e perspectivas para 2024.
O diretor técnico da confederação, Bruno Lucchi, listou as invasões de terra como um dos motivos que afetam a margem de lucro dos produtores.
“Eu ressalto o caso da insegurança jurídica voltada às invasões de propriedades rurais, que esse ano, dados que nós temos até novembro, somam 71 tipos de invasões. Esse número é muito maior que as 62 invasões que nós tivemos ao longo dos últimos 4 anos, é um problema que basicamente estava amenizado e voltou com muito mais força”, afirmou Lucchi. “Isso tirou o sossego de muitos produtores que, até mesmo na questão do investimento, colocaram o pé no freio.”
O ápice das invasões de terra no Brasil ocorreu em 1998 e 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), conforme os dados compilados anualmente pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Foram quase 600 em cada um daqueles dois anos. Em 2000, o governo editou medida provisória que impediu a desapropriação de áreas invadidas, o que resultou em redução das ações do MST.
Com Lula no poder, a medida foi descartada e as ocupações voltaram a crescer (cerca de 350 ao ano, em seus dois primeiros mandatos). Esses números foram caindo até chegar a uma média de menos de 50 invasões no governo Bolsonaro.
Sob Lula 3, a CPT diz que só no primeiro semestre de 2023 ocorreram 71 ocupações de terras. Os dados do restante do ano ainda não foram divulgados.
O professor e sociólogo Zander Navarro também diz não ver mais razão de o MST se portar como nas suas primeiras décadas de existência.
“A pergunta que tinha que ser feita a partir de 2010, mais ou menos, era: o que vamos fazer com essa multidão de pequenos produtores rurais que estão nos assentamentos? Como poderemos desenvolver um conjunto de políticos que possam assegurar a eles mais permanência na atividade, mais renda, mais emprego, mais tecnologia, mais inclusão, nos diferentes mercados?”
Zander diz que essa pergunta nunca foi feita e que todos os governos lavaram as mãos nesse sentido. “É como se tivessem dito: ‘Vocês que ganharam um naco de terra, virem-se’.”
O estudioso avalia que, grosso modo, boa parte dos assentamentos rurais de São Paulo para o sul do país conseguiu algum tipo de consolidação produtiva e vai se mantendo, enquanto de Minas Gerais para o Nordeste e para o Norte “não há como negar, aí esse processo de distribuição fundiária foi um fracasso”.
O sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Sérgio Sauer tem a opinião de que o MST soube se reinventar em certa medida.
“O MST tomou uma decisão política nacional já em 2006, 2007, e a agroecologia tem sido a principal bandeira de mudanças do ponto de vista político-estratégico. A decisão do MST de ter a agroecologia como sua bandeira de luta, mas também como práticas agroprodutivas, é um marco histórico importante nessa busca de um desenvolvimento rural mais sustentável no Brasil.” (Folha, 25/1/24)