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Reflorestar compensará mais que criar gado na Amazônia, diz Scheinkman

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Para professor de Columbia, destruição da política ambiental é grave, mas governo Lula tem chance de revertê-la.

Para o economista José Alexandre Scheinkman, o custo econômico da perda de credibilidade e desmonte da política ambiental nos anos em que Jair Bolsonaro (PL) ocupou a Presidência são graves e arranharam a imagem do Brasil junto a investidores —cada vez mais ciosos de aportar recursos em áreas ambientalmente responsáveis.

Mas o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem uma oportunidade grande de reverter a imagem negativa do Brasil no exterior, ao avançar no reflorestamento de áreas desmatadas da Amazônia e conseguir que o país seja recompensado por isso.

O professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, avalia que é preciso repensar as atividades econômicas da região, investir em pesquisa e desenvolvimento sustentável e inibir atividades de baixa produtividade e grande impacto, como a criação de gado.

Scheinkman também diz acreditar que a meta de desmatamento ilegal zero pode ser atingida antes mesmo de 2030, caso a política ambiental seja prioridade do novo governo, conforme reafirmado por Lula desde a conferência do clima, no ano passado.

É possível recuperar a imagem do Brasil rapidamente na questão ambiental? O custo do governo Bolsonaro para o meio ambiente foi alto.

Conseguiram fazer com que o Brasil fosse considerado, como eles mesmos diziam orgulhosamente, um ‘pária’.

Isso se reflete na questão dos investimentos: os grandes financiadores hoje em dia são de dinheiro delegado, por fundos enormes que foram acumulados em pensões nos Estados Unidos e na Europa. Essas pessoas são muito sensíveis ao noticiário. Faço parte da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que tem recursos para investir e ter retornos para as nossas atividades, mas os fundos têm a política de só aportar recursos onde não há impacto no clima.

A reputação do Brasil como destino para investimentos foi manchada, mas o novo governo, com a capacidade de uma pessoa como a [ministra do Meio Ambiente] Marina Silva, emite sinais de que o Brasil de hoje não é igual ao de ontem. Mudou, mas é preciso solidificar as intenções, há no Congresso a proposta de uma nova anistia para invasores de terras e confio que o governo irá negociar para que essa proposta não prospere.

Como se deu a destruição da política ambiental nos últimos anos?

Sobretudo nas iniciativas de preservação. O governo anterior não só impediu a fiscalização, como também disse que não precisava de recursos que tivessem como condicionante a preservação da floresta, como o Fundo Amazônia, formado sobretudo com recursos da Noruega e da Alemanha.

Atividades de fiscalização, que tinham sido bem conduzidas no passado, foram abandonadas. Também é preciso punir, para que a fiscalização não seja um trabalho jogado fora. O governo Bolsonaro proibiu a destruição de equipamentos encontrados durante as ações, ele agia como se acreditasse que a floresta é uma coisa ruim.

E como recuperar o que vinha sendo feito? Temos de entender que o Brasil já teve um bom sistema de monitoramento da Amazônia e que ele ainda existe, simplesmente não vinha sendo usado. A qualidade dos satélites só melhorou e o país sabe como fazer, precisa apenas de vontade política.

Temos dificuldades de atingir até as modestas metas mundiais que foram dadas para a diminuir as emissões, parar o desflorestamento e fazer o restauro de áreas desmatadas.

Para avançar na preservação, o que o novo governo pode fazer de diferente das medidas tomadas em seus mandatos anteriores? Dá para transformar essa tragédia que foi a destruição de parte do bioma em uma grande oportunidade —não é que seja bom ter acontecido, mas a gente precisa começar a recuperar essa área, que hoje tem um valor econômico maior do que na época em que foi derrubada.

Hoje, a preocupação ambiental é muito mais forte, mudou de patamar. A Amazônia, por causa da diversidade biológica, é naturalmente um grande centro para pesquisas de economia verde e biologia. A Costa Rica faz isso, tendo muito menos diversidade por hectare —a chance de acharem alguma coisa por lá é muito menor do que no Brasil. Temos uma capacidade científica que pode ser aumentada, todas as grandes universidades do mundo estão querendo entrar nesse campo e fazer pesquisas.

As atividades econômicas da região amazônica podem ser revistas sem prejuízo para a população local? Nos cálculos preliminares que fiz com o [professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro] Juliano Assunção e com o [Nobel de Economia, da Universidade de Chicago] Lars Hansen, é bem provável que se o Brasil fosse compensado em US$ 20 por tonelada de carbono, muito da atividade econômica da Amazônia deixaria de se pagar —seria melhor reflorestar do que mantê-las. Grande parte da terra desmatada é para criação de gado, de muito baixa produtividade e que não resolve os problemas da população local. Os trabalhadores nesse setor, de grande maioria informal, ganham 85% de um salário mínimo, na média, de acordo com a Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE].

A produtividade é tão baixa, que um quinto da área desmatada é abandonada. Tomar terra pública ou território indígena é também uma tentativa de especulação imobiliária. O sujeito espera o governo dar uma anistia e legalizar a situação dele e pensa que daqui a pouco vai chegar uma estrada ali ou surgir uma cidade. Como toda especulação, muitas vezes não dá certo. Dá para reflorestar essas áreas e também as legais, que ainda não foram abandonadas, compensando as pessoas que estão legalmente lá.

O papel do governo é combater o desmatamento, fazer o reflorestamento e permitir que certas atividades que não trazem danos à floresta não sejam pensadas como atividades ilegais. Não é dizer que as pessoas que estão vivendo hoje na Amazônia terão de se mudar para outro lugar, elas apenas vão ter de trabalhar em atividades diferentes.

O que pode ser feito para criar novas fontes de renda? Se você entrar em uma loja sofisticada de Nova York, vai encontrar chocolates com a marca ‘Feito na Amazônia’ —são todos peruanos. O Peru está fazendo uma indústria que produz chocolates finos com tipos mais raros de cacau e que dão um valor agregado grande ao produto.

O Brasil perdeu várias atividades que são feitas em outros lugares —já fomos os maiores exportadores de peixes ornamentais, com espécies nativas da Amazônia, e a Colômbia hoje faz isso melhor. Vejo a castanha-do-pará que compramos aqui nos Estados Unidos sendo industrializada na Bolívia. A produção de cosméticos e de remédios também passa por isso, não se pode confundir o sujeito que está colhendo um produto importante com aquele que queima para colocar gado pastando.

O Brasil também tem de negociar o preço do carbono capturado e, com esse dinheiro, fazer o que for preciso para reflorestar e financiar o começo de atividades mais produtivas, que possam trazer uma situação melhor para as pessoas. Há boas ideias que precisam ser implementadas.

A meta de desmatamento ilegal zero até 2030 é factível, ou apenas buscar essa meta já é um sinal positivo? Acho que podemos ter uma meta ainda mais ambiciosa. O desmatamento nunca vai ser zero, há sempre pessoas que vão violar a lei, não importa qual seja a punição, mas é importante criar um sistema no qual seja muito caro violar a lei.

Uma meta como essa pode ser atingida até mais cedo, é uma questão de usar os instrumentos que já existem para que a lei seja respeitada. Não é que seja permitido invadir uma área na Amazônia e queimar a floresta, o problema é que isso é frequentemente violado e as pessoas que violam podem até receber um prêmio. O caminho seria voltar a fazer demarcações, novas reservas? Primeiro, é preciso fazer cumprir a lei, o que está acontecendo com os yanomamis acontece mesmo que exista uma reserva.

É possível, de fato, ser otimista com o futuro da política ambiental nos próximos anos? Acho que dá para sermos otimistas. O Brasil tem uma boa equipe no país e pessoas no exterior, com a capacidade de obter para boas negociações no entorno da preservação da Amazônia, que é algo de valor para o mundo inteiro.

Estou confiante de que o Brasil vai conseguir que as emissões capturadas na Amazônia sejam consideradas e recompensadas. Não é que a gente será pago para não desmatar, isso é algo mais complicado, mas vamos receber pelo que podemos fazer, que é capturar emissões de maneira eficiente.

O Brasil tem um grau de emissões considerável, em relação ao seu PIB, mas se pararmos de desmatar, nós cortaremos as nossas emissões em cerca de 40%. Enquanto muitos países estão brigando para reduzir, nós ganharemos muito só deixando de desmatar.

José Alexandre Scheinkman, 75

Economista brasileiro e norte-americano. Nascido no Rio de Janeiro, passou boa parte de sua carreira na Universidade de Chicago. É professor da Cátedra Charles and Lynn Zhang de Economia da Universidade Columbia, em Nova York, e ativista pela preservação (Folha de S.Paulo, 31/1/23)

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