Uma maior clareza do governo Lula sobre as políticas públicas ao agronegócio pode ajudar a melhorar as relações com o setor, que ainda tem preocupações sobre a autonomia do Ministério da Agricultura para decisões importantes e temores de taxação de exportações agrícolas, avaliou Roberto Rodrigues, uma das vozes mais respeitadas do segmento.
Em entrevista à Reuters, ele disse ainda confiar na experiência do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (produtor rural, ex-dirigente da associação Aprosoja-MT e senador), para a pacificação da relação de parte do setor com o governo. Mas ressaltou que isso dependerá da orientação das políticas agropecuárias.
Durante a campanha, nomes e entidades importantes do agronegócio deixaram claro que preferiam a reeleição de Jair Bolsonaro –empresários do agro foram seus principais financiadores de campanha individuais. Mas o plano anunciado desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva era que o novo governo buscaria refazer pontes com as lideranças consideradas mais sensatas.
No entanto, a avaliação de alguns no setor é que a fala de Lula sobre as invasões aos prédios do Três Poderes em Brasília, apontando que o agronegócio “possivelmente também estava lá”, colabora para distanciar mais do governo parte do importante segmento da economia.
Questionado sobre o tema, Rodrigues disse que a colocação do presidente foi uma “ilação desnecessária” e “não uma acusação formal”, e que produtor rural que “odeia” invasão de terra não invade patrimônio público.
“O que vai determinar (a relação do agro com o governo) é o que vai acontecer com a economia, com a questão tributária. Vão tributar as exportações da agricultura? Isso seria um problema sério”, disse Rodrigues, ex-ministro da Agricultura no primeiro mandato de Lula (2003 a 2006).
Para ele, esses temores de tributação de grãos exportados –algo que acontece na Argentina e é visto como um fator limitante para a agricultura do país vizinho– não estão totalmente afastados.
“O temor de tributação existe, porque há um problema de caixa no governo, então é possível. Não estou dizendo que vai acontecer… As políticas públicas para o agro é que vão determinar o relacionamento do campo com o governo de maneira geral”, acrescentou Rodrigues, que também já foi líder das principais entidades do agronegócio e hoje é coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“Confio que o Fávaro tenha capacidade de fazer isso fluir bem.”
Apesar da confiança no ministro, Rodrigues também disse que há incertezas se o Ministério da Agricultura vai poder fazer política agrícola, ou se isso vai ficar no Ministério do Desenvolvimento Agrário”.
O governo Lula transferiu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) do Ministério da Agricultura para o Ministério de Desenvolvimento Agrário e anunciou para a presidência da estatal Edegar Pretto, um político petista do Rio Grande do Sul com ligações com o Movimento dos Sem-terra (MST), algo que arrepiou parte do agronegócio.
“A Conab é o órgão de inteligência do Ministério da Agricultura, tem técnicos extraordinários, não sei se ao tirar a Conab, se vai tirar a política agrícola do Ministério da Agricultura”, comentou Rodrigues, lembrando que Fávaro anunciou, por outro lado, Wilson Vaz de Araújo como secretário de Política Agrícola do ministério, “um bom sujeito, que conhece bem o setor”.
Mas ele reiterou que é preciso saber se o Ministério da Agricultura vai ter autonomia para desenhar política agrícola do país. “Isso não esta claro ainda, então vamos esperar como vai se desdobrar o processo de gestão, para ver como isso vai acontecer.”
Essas são “questões mais importantes do que problemas de relações pessoais entre lideranças”, disse Rodrigues, diante de uma declarada oposição da associação de produtores de soja e milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) ao ministro Fávaro.
“Vai depender disso, de como a economia for tratada, se houver turbulência, em turbulência a economia não funciona, tem que buscar a paz, o diálogo”, comentou Rodrigues, para quem Fávaro é uma pessoa “afável”, “de relacionamento fácil”, que com sua experiência de ex-vice-governador de Mato Grosso e no Congresso pode caminhar bem em terreno acidentado (Reuters, 11/1/23)