Por Evaristo de Miranda
“No Brasil, o único risco que você não corre é o de morrer de tédio” – José Eduardo de Andrade Vieira, agropecuarista, ex-ministro da Agricultura
Alguns desinformados prometeram revisar a modernização obtida por leis e decretos em temas como: defensivos, licenciamento ambiental, porte de armas em fazendas, legislação trabalhista etc.
Para o senador agropecuarista Carlos Fávaro, novo ministro da Agricultura, sua pasta apresentou uma excepcional continuidade de gestão nas últimas décadas. Não sofreu descontinuidades ou rupturas, como ocorreu em outros ministérios. Com razão, ele elogia a atuação dos antecessores, de Roberto Rodrigues a Marcos Montes. A agricultura brasileira é o reflexo de seu Ministério e este da mesma. Evoluíram juntos. Aperfeiçoaram-se juntos. Inseparáveis e inconfundíveis, a agropecuária e seu Ministério se apresentam bem organizados no Ano da Graça de 2023. Seguirão assim? Leia até o final.
O crescimento em qualidade, quantidade e diversidade da produção agropecuária trouxe boas notícias ao campo e às cidades em 2022. Basta um exemplo curioso. Não faltaram ingredientes aos mais de 200 milhões de panetones consumidos em festas de fim de ano. O agro forneceu a indústrias e padarias cerca de 200 milhões de ovos, 100 mil toneladas de farinha, 36 mil toneladas de frutas cristalizadas e uvas-passas, 20 mil toneladas de açúcar, uns 15 milhões de litros de leite etc. E haja papel e papelão, feitos de celulose de eucalipto, para empacotar tudo em caixinhas bonitinhas.
Em 2022, o agronegócio exportou mais de US$ 150 bilhões, cerca de 25% superior a 2021. Quase metade das vendas externas do Brasil, em 2022, veio do agro. As outras grandes rubricas exportadas são minério de ferro e petróleo. Quem garante a balança comercial do Brasil é sua agropecuária. O aumento do déficit dos demais setores da economia em 2022 foi neutralizado pelo crescimento do superávit do agronegócio.
A agropecuária nacional alimentou o Brasil e o mundo. O país exportou 4,9 milhões de toneladas de carne de frango, um novo recorde e um aumento de 5,6% em relação a 2021. O primeiro exportador mundial de frangos oferece qualidade e competitividade imbatíveis. Cerca de 40% do comércio internacional de frangos vem do Brasil. A produção segue sem ocorrência de gripe aviária. A praga obrigou os EUA a abaterem 53 milhões de aves e chegou ao Peru em 2022. O conflito militar reduziu a produção de frangos na Ucrânia e abriu portas para mais vendas no exterior.
Em 2022, as populações de mais de 150 países comeram carne suína, aves e ovos de criações de pequenos agricultores brasileiros. A produção dessas e outras proteínas, como peixes e leite, depende de rações cuja base é sobretudo soja e milho. Para 2023, grãos não faltarão. A Conab prevê um crescimento de 15% na safra de grãos, em relação à anterior, e um novo recorde: mais de 310 milhões de toneladas. A China já é o destino de 25% do milho exportado. E a colheita já começou, e vai bem, no Centro-Oeste.
O Incra entregou documentos de titulação de terra para cerca de 450.000 famílias em quatro anos. A imensa maioria de pequenos agricultores. Recorde histórico.
As pastagens brasileiras seguirão fornecendo carne para o Brasil e o mundo. As exportações de carne bovina cresceram mais de 20%, em comparação com 2021. Foram mais de 2 milhões de toneladas comercializadas, recorde histórico absoluto. A China, sozinha, absorve mais de 50% desse volume. O preço da carne diminuiu ao longo de 2022 e se estabilizou.
Em algodão, o país é o quarto maior produtor global, com quase 2,5 milhões de toneladas, e o segundo maior exportador. A China é também o maior importador de algodão brasileiro. O programa de sustentabilidade Cotton Brazil é a vitrine do algodão brasileiro no mercado internacional. O Brasil é o maior fornecedor mundial de algodão certificado Better Cotton, e 84% de toda a produção tem o selo do Programa Algodão Brasileiro Responsável.
A produção de etanol e açúcar, enfim, vai bem. Depois da safra 2021/22, fortemente impactada por questões climáticas no Centro-Sul, a de 2022/23, a ser concluída em março, trará excelente produção: cerca de 600 milhões de toneladas de cana, com bons preços. E 2023/24 poderá ser ainda melhor, salvo mudanças radicais do novo governo na política de preços da gasolina e do etanol. A União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica) vê com otimismo o mercado do açúcar e com preocupação o de etanol, dadas indefinições na tributação de combustíveis.
Para 2023, há algumas nuvens cinzas, aqui e no exterior. Uma redução no crescimento das economias de China, EUA e União Europeia trará retração no consumo, e tendência de queda no valor das commodities. Um exemplo foram os suínos: o recuo da exportação e a maior oferta de animais pressionaram o valor para baixo em 2022. Foi assim com algodão e café. O processo pode alcançar outros produtos. A safra recorde de grãos pressionará a queda de preços, pela oferta. Sentido inverso, cresce o custo de insumos (energia, fertilizantes e defensivos) e caem as margens dos produtores.
Indicativos de desequilíbrio fiscal e orçamentário podem aumentar a inflação e ampliar a taxa básica de juros, a Selic. Com isso, subirão ainda mais os custos de produção. Para completar, alguns desinformados no novo governo prometeram revisar, pelo retrovisor, a modernização obtida por leis e decretos em temas como: defensivos agrícolas, licenciamento ambiental, porte de armas em fazendas, respeito ao direito de propriedade, legislação trabalhista etc. Como dizem na Espanha: ¡La ignorancia es audaciosa!
Críticas injustas a órgãos federais, como à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ignoram suas entregas à sociedade e seus consideráveis avanços em modernização e parcerias com o setor privado nos últimos anos.
O Incra ampliou sua estrutura computacional, de comunicação eletrônica e seus procedimentos. Entregou documentos de titulação de terra para cerca de 450.000 famílias em quatro anos. A imensa maioria de pequenos agricultores. Recorde histórico. Os críticos deveriam olhar para a frente, pelo para-brisa, para a Lei Orçamentária de 2023. Há uma previsão de regularizar 15.000 famílias neste ano numa emenda no dito Orçamento secreto (PLOA 23 – 1040.211C). Os primeiros 365 dias do ano são sempre os mais difíceis.
Como manter e melhorar o desempenho das cadeias produtivas, o abastecimento urbano com alimentos baratos e saudáveis e as receitas das exportações agropecuárias? Qual sinalização foi dada com a divisão do Ministério da Agricultura em três pastas? Um tiro no pé? A estrutura era assim até 2018. Em eventos internacionais sobre agricultura e alimentação, o Brasil enviará três ministros? Será preciso diálogo, entendimento e boa vontade dentro do próprio governo e deste com a agropecuária, para corresponder à complexa dinâmica e às demandas do setor. O ministro é homem de diálogo. Conhece o agro. Com uma boa equipe, Carlos Fávaro poderá ajudar.
Alguns acreditam na resiliência da agropecuária às adversidades internas e externas atuais, aos desmandos e aos equívocos em políticas públicas, aos ataques de movimentos radicais etc. Talvez. Prudência e caldo de galinha… A situação atual da agropecuária e do Ministério da Agricultura lembra uma história. Ouvi de um cafeicultor da região de Serra Negra, em São Paulo.
Seu avô, pobre como muitos outros imigrantes italianos, veio da província de Mantova para o Brasil, bem no início do século passado. Trabalhou duro, suportou privações durante anos e poupou. Durante a crise do café nos idos de 1930, comprou uma pequena fazenda em Monte Alegre do Sul. Foram décadas para ampliar e deixar a fazenda rentável, produtiva e competitiva.
Certa manhã, pouco antes de falecer, o patriarca convocou seus herdeiros. Diante de um terreiro repleto de lotes de café secando, ele abraçou seus filhos e lhes sussurrou um último desejo: “Reúnam todo esse café num único monte, bem no centro do terreiro”. Deveriam fazê-lo imediatamente, sem ajuda de nenhum empregado. Parecia absurdo. Qual a razão? Ainda assim, consideraram a circunstância e atenderam ao insólito pedido. Por horas e horas trabalharam pesado com ancinhos, escovões, carrinhos e pás. Só os irmãos labutavam, sob o olhar intrigado de familiares, funcionários e do pai. No fim do dia conseguiram criar um grande monte de café, como uma pirâmide, bem simétrica, no centro do terreiro. Levaram o pai até lá.
Ele aproximou-se. Contemplou. Olhou para os filhos e para as instalações da fazenda. De repente, num surto, começou a gritar e atacou com violência o monte de café, com chutes, golpes de mãos e braços. Em dois minutos, ele arrasou o monte e espalhou caos e café para todos os lados. Os filhos, atônitos e assustados, imaginaram um ataque de demência senil ou algo assim.
O pai cambaleava, arfava. Olhou-os fixamente. Sua lição e sua fala ainda servem à agropecuária, ao Ministério da Agricultura e às sucessões familiares: “Figli miei, a fazenda é um monte de café. Para construir foi preciso muito tempo, trabalho e cuidado. Para destruir, bastam dois minutos” (Revista do Oeste, 6/1/23)