Por Rodrigo Campos
Bloco já falhou em alcançar objetivos de integração mais simples que a união monetária.
Não é provável que a América do Sul tenha um bloco com moeda única para rivalizar com o euro tão cedo, disseram analistas nesta segunda-feira (23), apesar das animadas especulações depois que autoridades do Brasil e da Argentina levantaram a perspectiva de uma “moeda comercial” compartilhada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, disseram nesta segunda que estavam em negociações iniciais para estabelecer uma unidade de valor compartilhada para o comércio bilateral —o que não substitui o real ou o peso.
O tema criou turbulência nos últimos dias depois que um artigo assinado por Lula e Fernández falou em discussões sobre uma moeda comum para transações comerciais e financeiras, o que foi mal interpretado como ideia para criar uma moeda corrente única que substituiria as nacionais.
Os analistas foram rápidos em derrubar a expectativa, após décadas de conversas semelhantes sem avanços, incluindo planos arquivados para um chamado “gaúcho” para o comércio Argentina-Brasil em 1987 e uma defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro por uma união monetária em 2019.
“Estou muito cético de que essa iniciativa verá a luz do dia”, disse Alejo Czerwonko, diretor de investimentos para mercados emergentes das Américas do UBS Global Wealth Management, citando o histórico da região em integração econômica. “Falhou em alcançar objetivos de integração mais simples do que uma moeda única.”
Uma moeda única, como o euro, precisaria de estruturas e instituições políticas compartilhadas que, segundo analistas, levariam décadas para serem estabelecidas. Os países da América do Sul têm situações econômicas muito diferentes —a Argentina, por exemplo, luta contra a inflação há muito tempo e atualmente está com uma taxa anual de 95%.
A Venezuela —cujo presidente Nicolás Maduro disse na segunda-feira que seu país estava preparado para apoiar uma iniciativa como uma moeda comum— sofre com uma hiperinflação ainda maior e com o colapso econômico. Outras economias sul-americanas, incluindo Uruguai e Chile, estão mais estáveis há muito tempo.
“É uma conversa há muitos anos. Vejo o benefício para a Argentina, mas o que há para o Brasil? Muito menos para o Uruguai e o Paraguai”, disse Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas e da Americas Society.
Farnsworth chama a ideia de uma união monetária de “fantasia”.
Kimberley Sperrfechter, economista de mercados emergentes da Capital Economics, disse que Lula tem outras coisas em que se concentrar, incluindo seus planos econômico e fiscal. A conversa sobre a união monetária era apenas uma distração, disse.
“É provável que os mercados não fiquem impressionados com as notícias de uma moeda combinada, até porque levará anos para ser implementada, se é que será implementada”, disse.
Enquanto isso, na Argentina, as eleições gerais de outubro podem levar Fernández, de esquerda, a ser derrotado por uma oposição conservadora ressurgente, provavelmente prejudicando qualquer plano cambial de longo prazo com o governo Lula.
Todd Martinez, diretor do grupo para assuntos da América Latina da Fitch Ratings, disse que os dois países parecem ser parceiros improváveis para formar uma união monetária bem-sucedida, dadas suas economias divergentes.
Hasnain Malik, chefe de pesquisa de ações da Tellimer, concordou, enfatizando que fazia ainda menos sentido para o Brasil —a maior economia da região, com uma moeda que superou o desempenho do dólar no ano passado. O peso da Argentina, por outro lado, caiu apesar dos rígidos controles cambiais.
“Para o Brasil em particular, apesar de seus próprios desafios de credibilidade em políticas econômicas, ninguém sabe por que deseja se vincular a um vizinho menor com um histórico tão duvidoso de credibilidade política”, disse ele em nota.
Mas alguns estavam mais otimistas sobre o potencial de longo prazo.
“O processo de integração da América Latina precisa de uma Estrela do Norte —e esta é a melhor possível, porque criaria um mercado único maior e melhores condições de negociação com outros grandes blocos”, escreveu Pierpaolo Barbieri, chefe da empresa argentina de pagamentos digitais Uala, no Twitter.
“É claro que uma união monetária entre Brasil e Argentina é irreal hoje.” (Reuters, 23/1/23)