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Lançada para europeu ver, gestão ambiental de Lula promete hesitação

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Uso da pauta climática para protagonismo internacional implicará a petista uma compra de brigas políticas em casa.

A hesitação de Lula sobre a nomeação para o comando do Ministério do Meio Ambiente fala mais alto sobre os desafios ambientais do país no próximo ano do que o discurso feito na COP27 do clima da ONU, no Egito, quando o presidente eleito anunciou ao mundo que priorizaria a pauta climática em seu governo.

Enquanto garantiu o controle de pastas fundamentais para sua gestão, como foi o caso do Desenvolvimento Social, Lula cogitou acomodar no Meio Ambiente uma aliada sem trajetória na área —Simone Tebet, agora indicada para o Planejamento. Comum na política, porém recente em órgãos ambientais, a oferta está na origem da precarização da agenda e da abertura das boiadas.

Foi esse tipo de jogada política que criou o antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O advogado então filiado ao PP estreou na área ambiental como secretário estadual de meio ambiente de São Paulo, em 2016. Ele foi nomeado pelo governador Geraldo Alckmin uma semana após o Progressistas ter aderido ao candidato do PSDB, João Doria, na campanha pela prefeitura da capital.

“Para conter as taxas de desmatamento, uma pessoa com uma forte agenda ambiental e com determinação deve liderar o Ministério do Meio Ambiente”, afirmou à Folha a eurodeputada Anna Cavazzini.

Vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu, ela defende a renegociação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul para fortalecer as garantias ambientais.

Cavazzini aguarda sinais de implementação da política ambiental no Brasil. Para além de recuperar o que foi desmontado sob Bolsonaro, ela cita a preocupação com a liberação de pesticidas agrícolas —algo que o bloco europeu busca banir.

O uso da pauta climática como trampolim para o protagonismo internacional implicará a Lula comprar brigas políticas dentro de casa —e evitar rifar órgãos ambientais.

“Vou fazer tudo. O Meio Ambiente depende da Agricultura e a Agricultura depende do Meio Ambiente, então pode ficar tranquila”, Lula se limitou a dizer à Folha, ainda nos corredores da COP27, quando questionado sobre como equacionaria o comando das duas pastas.

Se Lula quer que o mundo acredite no discurso levado à COP27 —quando afirmou que a produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado— seu governo precisará assumir a aposta diante de aliados políticos. Porém, boa parte deles tem prioridades antiambientais.

De acordo com o índice do Instituto Democracia e Sustentabilidade, a bancada antiambiental pode ter 61% dos votos da Câmara dos Deputados, considerando aqui os partidos que votaram contra a proteção ambiental em pelo menos três quartos das matérias na última legislatura.

Ao mirar 2023, a gestão Lula ainda terá o desafio de aproximar o discurso diplomático —feito “para europeu ver”— das prioridades dos brasileiros.

Isso significa ir além da reversão do patamar de desmatamento da Amazônia, cujas taxas são acompanhadas pelo mundo todo, afinal indicam qual será a capacidade planetária de conter o aquecimento global.

Brasil adentro, o desafio é outro: a adaptação às mudanças climáticas. Aqui já se sente na pele os efeitos do eventos climáticos extremos nas cidades, nas florestas e no campo. Segundo pesquisa do ITS/Ipec publicada em março, 75% dos brasileiros afirmam que o aquecimento global pode prejudicar suas famílias.

Nas cidades de todo o país, as chuvas intensas e as inundações ameaçam diretamente a vida das pessoas, enquanto o agronegócio perde safras por extremos climáticos como chuvas excessivas ou secas prolongadas. De 2020 para 2021, as indenizações pagas no seguro rural aos produtores brasileiros aumentaram 94%, segundo dados da CNSeg, a Confederação Nacional de Seguros.

A água é termômetro das crises ambiental e climática. Impactada por diversos vetores, como desmatamento, pesticidas, garimpo e uso industrial, a desregulação dos regimes hidrológicos implica em desabastecimento hídrico e de energia elétrica, com efeitos em cadeia para a economia e toda a vida do país.

Berço das águas, o cerrado, que abriga nascentes de 8 das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras, sofre desmatamento acelerado. Só neste ano foram mais de 10 mil km2, segundo o Prodes/Inpe.

Apesar do potencial de garantir resiliência climática ao país —uma condicionante inexorável do desenvolvimento em tempos de crise do clima—, o destino do bioma está ameaçado pelo avanço descontrolado de monoculturas voltadas à exportação, como soja e milho, principalmente na região do Matopiba, entre as fronteiras dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

No oeste baiano, um estudo do Imaterra mostrou que o governo estadual tem concedido licenças irregulares ao agronegócio para desmatamento até mesmo em áreas protegidas por lei, em uma configuração de política de Estado. Há oito anos, a Bahia é governada por Rui Costa (PT), futuro ministro da Casa Civil de Lula.

Para tocar uma nova governança ambiental em 2023, o governo eleito precisará reposicionar politicamente os limites ambientais. Em vez de figurarem em um polo da dicotomia que opõe a proteção ambiental ao desenvolvimento, as condicionantes ambientais precisam entrar como denominador comum na equação das pressões econômicas, políticas e internacionais.

O próximo ano é crucial para definir a capacidade de o país fazer uma guinada rumo a um desenvolvimento resiliente ao clima, que só será possível se o país cumprir a meta do Acordo de Paris de zerar o desmatamento até o fim da década. Com prazos ambientais cada vez mais curtos, sobra ao Brasil pouco tempo entre a hesitação e o êxito (Folha de S.Paulo, 29/12/22)

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