Por Vera Ondei
Saiba quem é o engenheiro agrônomo que tem uma legião de seguidores e que aos 81 anos figura como um dos grandes pensadores do Brasil como potência alimentar.
Por mais de três horas, pacientemente, o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues autografou cerca de 380 livros na noite desta segunda-feira (5), no salão de eventos do 16° andar do prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), localizado na avenida Paulista, na capital. Em volta de uma mesa, um amontoado de fãs esperava por uma dedicatória e a certeza de que aquele seria um momento para guardar na lembrança.
O livro “Roberto Rodrigues, O Semeador” é sua primeira biografia e foi escrita pelo jornalista Ricardo Viveiros, autor de mais de 50 livros em seus 58 anos de profissão. “Não gosto de falar de mim”, disse Rodrigues à Forbes, em entrevista poucas horas antes de se sentar, pontualmente, às 18h, em frente à interminável pilha de livros. “Mas gosto de escrever sobre o agro brasileiro, especialmente aos sábados e domingos.” Para sua biografia, ele diz que não evitou nenhum assunto nas dezenas de horas de entrevistas coordenadas por Valéria Ribeiro, também jornalista e especialista em agro.
Curiosamente, na página em que autor e biografado escreviam as dedicatórias, a frase que abre o livro não é de alguma personalidade do agro, mas o trecho de uma composição de Gilberto Gil que Milton Nascimento gravou uma versão primorosa. Ambos têm a mesma idade de Rodrigues, 81 anos, e tidos como gênios em suas artes: “Quem poderá fazer/Aquele amor morrer/Se o amor é como um grão/Morre, nasce trigo/Vive, morre pão”. Trata-se de uma parábola sobre o amor que nunca morre, mas se transforma.
O livro de 400 páginas é dividido em 12 capítulos que, sem estabelecer uma rígida ordem cronológica, vai contando causos de amor pelo agro, decisões na vida que ajudaram o Brasil a se tornar gigante na produção, lembranças familiares e dos inúmeros cargos que ocupou e ainda ocupa – hoje ele é professor emérito na Fundação Getúlio Vargas –, sem esquecer os amigos de caminhada. “A culpa de entrar nesse mundo dos livros é do Paolinelli”, diz Rodrigues, se referindo a Alysson Paolinelli e aos livros que escreveu sozinho e a tantos outros nos quais foi o articulador, entre eles “O agro é Paz”, junto com 14 especialistas, e o mais recente “Segue a Tropa”, de 2022, um compilado de 132 artigos escritos nos últimos 11 anos.
“Eles eram irmãos no sentido de que seguiam juntos em todas as batalhas do agro”, disse Marisa de Sena Gonzaga, esposa de Paolinelli por quase 40 anos, com o livro de Rodrigues nas mãos. “Não se falavam ‘da boca pra fora’, mas conversavam até terem o mesmo olhar.” Paolinelli, também agrônomo – e que faleceu em junho do ano passado –, foi a figura que deu à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), criada nos ano 1970, a alma do que a instituição é hoje e que levou o Brasil ao posto de potência alimentar. Não por acaso, Paolinelli recebeu indicações ao prêmio Nobel da Paz em 2020 e 2021 com uma ampla participação de Rodrigues em sua defesa.
Os amigos presentes, lideranças do setor e autoridades em busca de uma palavra, uma foto e, claro, a dedicatória, dão uma ideia da dimensão de Rodrigues para o agronegócio brasileiro e também global. Hoje embaixador especial da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), lá nos anos 1990 já era presidente da Organização Internacional de Cooperativas Agrícolas e depois da Aliança Cooperativa Internacional. No país, foi presidente da OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), secretário e ministro de agricultura, além de uma intensa vida acadêmica.
Um dos primeiros convidados a chegar na Fiesp – e que falou com a Forbes ainda na fila da credencial –, foi o também agrônomo e amigo de classe no curso da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, em Piracicaba (SP), o conselheiro e acionista do grupo Zilor, José Marcos Lorenzetti. Pato foi dar um abraço no amigo Fifi, uma tradição de apelidos que perdura há um século entre os Esalqueanos, como são chamados os alunos e ex-alunos da instituição.
Lorenzetti, ou melhor, Pato, e Rodrigues, o Fifi, moraram na mesma república estudantil, a Mosteiro, e até hoje são amigos daquele tipo que frequenta com assiduidade a casa um do outro. “Somos amigos desde sempre, desde que nos conhecemos”, disse Pato, que não conseguiu responder à pergunta seguinte: “se tivesse que escolher uma característica de Fifi, que trouxe essa amizade até aqui, o que seria?”. Lorenzetti, que se tornou um dos executivos mais bem sucedidos do setor de bioenergia, emocionado, ficou de voz embargada, como se um mundo passasse na sua frente. Ambos são da turma de 1965.
Todo mundo quer ser Roberto Rodrigues
Entre os esalqueanos, Rodrigues é uma espécie de inspiração permanente para os de sua época e também para os que vieram depois. Talvez, por ter uma maneira pouco ortodoxa como escritor e profissional. “Não sou personagem. Eu boto as ideias para serem discutidas, conversadas”, diz ele. Suas obras, que se tornaram referência de épocas e movimentos do setor, partem muito das circunstâncias e, segundo ele mesmo, “não há uma regra separando o acadêmico da vivência, das experiências e das lutas”.
Big Ben, um esalqueano que fora da vida acadêmica atende por Maurício Palma Nogueira, diz que leu todos os livros de Rodrigues. “Antes da Tormenta é um livro imprescindível, pela época que retrata”, diz ele. “E Pequeno Dicionário Amoroso da Esalq, em que Rodrigues é coautor, porque fala da gente.” Antes da Tormenta, de 2008, reúne 120 artigos escritos antes de assumir o cargo de ministro da agricultura, em 2003. O dicionário amoroso foi escrito em 2001.
Nogueira é da turma de agrônomos de 1997, hoje sócio diretor da consultoria especializada em pecuária Athenagro, criou o Rally da Pecuária e neste mês foi convidado para ser gestor interministerial do Programa Nacional de Conversão de Pastagens, do Ministério da Agricultura. “Pelo Roberto Rodrigues é coisa de admiração profunda, pela coragem de enfrentar o que tiver pela frente”, diz Nogueira. Big Ben conta que Rodrigues foi patrono dos cerca de 200 agrônomos formados naquele ano, época em que o patrono pagava pelo feito. “Nossa turma queria alguém em quem pudesse se espelhar como profissionais”, afirma o Big Ben Nogueira. “Escolhemos o Roberto Rodrigues e não aceitamos nenhum pagamento.” O ocorrido se deu pela primeira vez na Esalq.
Dívidas amorosas é o que não falta na vida de Rodrigues. “Ele sempre me incentivou muito. Foi inspiração para me candidatar à diretora de uma unidade e depois à direção da Embrapa”, diz Silvia Masshurá, a primeira mulher a assumir a direção geral da Embrapa, no ano passado. “Não tem como não agradecer ao Roberto, nossa grande liderança”, afirma Elizabeth Farina, doutora e professora da FEA (Faculdade de Economia e Administração), também da USP, que entre os anos de 2012 e 2019 foi a primeira mulher presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia). “Ele é o meu doutor”, declara George Hiraiwa, esalqueano da turma de 1982, diretor de desenvolvimento de negócios na Cocriagro, um hub de agtechs sediado em Londrina (PR), e que no final do ano passado assumiu o conselho de administração do Sicoob unidade Ouro Verde, presente em 27 municípios do Paraná, São Paulo e Amapá, com cerca de 90 mil cooperados.
Mas, enquanto conversava com a Forbes, Hiraiwa deixou de contar por que estava ali e apontou para a mesa das dedicatórias. “Olha quem está com o Roberto. Conhece?”, se referindo a uma das presenças mais importantes da noite, sem dúvida no grupo dos top10 de Roberto Rodrigues, o também esalqueano Izidoro Yamanaka, mas de duas turmas anteriores à dele, a de 1963. Yamanaka foi uma das cabeças do Prodecer (Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados), de 1979, que em estudo mostrava a viabilidade do bioma, mas com uma condicionante: era preciso aplicar calcário na terra ácida. “Há 40 anos, ninguém sabia o que era isso. Ele foi um gênio no que fez”, diz Hiraiwa.
“Hoje é um compromisso que o Izidoro não perderia por nada neste mundo”, disse Michi Yamanaka, esposa do agrônomo. “Eles se conhecem e são amigos desde os tempos do pai do Roberto Rodrigues (produtor e secretário de agricultura de SP nos anos 1960), e incentivou para que o Roberto entrasse na política.” Izidoro tem 88 anos e por um problema de saúde não pode expressar uma única palavra a Rodrigues. Mas, entre Izidoro, em pé de um lado da mesa, e Rodrigues de outro, na faina das dedicatórias, não houve necessidade de palavra alguma. No último parágrafo, que fecha o capítulo 12 da biografia, está lá um resumo desse encontro: “assim é sua alma. Roberto Rodrigues é um homem do campo que cultiva o solo da própria existência.” (Forbes, 6/2/24)