Por Plínio Ribeiro
Precisamos entender os entraves atuais à implementação de um mercado regulado para que, assim que uma lei seja aprovada, possamos tirá-la do papel.
O projeto de lei (PL) para instaurar um mercado regulado de carbono no Brasil avançou no Congresso Nacional. Caso seja aprovado pelo Senado Federal, será o 30.º mercado regulado de carbono do mundo. A decisão é histórica, já que há 15 anos se discute uma política econômica de incentivo à descarbonização no País. O modelo é considerado ferramenta essencial para que o Brasil possa alcançar sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), compromisso internacional instituído pelo Acordo de Paris, com o objetivo de frear as mudanças climáticas.
A lei, caso aprovada como passou na Câmara dos Deputados em dezembro passado, institui um órgão regulador responsável, entre outras estruturações, por definir limites de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) por setores, possibilitando também a eventual comercialização de déficits e superávits de emissões para as empresas reguladas (tal mecanismo é conhecido como cap and trade).
De acordo com as normas propostas, as empresas que ultrapassam a marca de 25 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) anualmente terão a obrigação, além do monitoramento e de relatórios, de conciliar suas emissões por meio de licenças que podem ser concedidas gratuita ou onerosamente pelo Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). O objetivo, aqui, é internalizar o custo da emissão para dentro do sistema produtivo.
Um dos pontos mais interessantes do PL é a sinalização de que as grandes poluidoras não são as únicas com a necessidade de se preparar para este mercado. Caso a lei seja aprovada no Senado e sancionada pelo presidente da República, será obrigatório o envio de relatórios de monitoramento de gases de efeito estufa para empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de CO2e ao ano. Isso significa que haverá grande incentivo para que médias e grandes empresas façam seus inventários de emissões de GEEs. Essa ferramenta, de fácil implementação, pode gerar grande economia às companhias, já que será possível localizar pontos de ineficiência no processo produtivo que geram emissões e corrigi-los.
No entanto, o primeiro passo para alcançar um mercado regulado de carbono ainda encontra entraves no Brasil. Uma das maiores dificuldades é entender, em nível micro, a quantidade de emissões de diferentes empresas na planta. Desde 2008, o Programa Brasileiro GHG Protocol oferece ferramentas de cálculo para estimativas de emissões. Atualmente, a plataforma de Registro Público de Emissões do programa é a maior base de inventários organizacionais públicos da América Latina.
Esse reporte de emissões é importante para avaliar cenários, mas é feito de forma totalmente voluntária. Com isso, existe ainda um gap significativo, já que os inventários no Programa Brasileiro cobrem cerca de 64% das 50 maiores empresas no Brasil. Olhando para as emissões de todos os escopos reportadas em 2022, chegamos a um pouco mais de 1 bilhão de toneladas de CO2e. Ou seja, temos somente 43% das emissões brasileiras mapeadas no nível de empresas.
Outro ponto importante será a alocação dos limites de emissões (cap) considerando as curvas distintas de cada setor regulado. Os desafios de descarbonização de uma cimenteira são totalmente diferentes dos de uma siderúrgica, por exemplo. É nesse momento que o lobby dos grandes poluidores será mais ativo em Brasília. Apesar desses desafios, a proposição seguiu as boas práticas de outros mercados regulados mundiais ao definir um período transitório para a implementação do SBCE, no qual as empresas terão de seis a sete anos para desenvolverem seus relatórios de emissões e se adaptarem à nova legislação. Transparência (um dos pilares da Convenção do Clima) será essencial para o sucesso do mercado.
A maior inovação do mercado brasileiro de carbono será possibilitar que as empresas compensem parte de suas emissões por meio da aquisição de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Esse modelo de compensação de parte das emissões com créditos de carbono é seguido por 20 dos 29 mercados regulados em operação atualmente no mundo. No Brasil, esses certificados são provenientes em grande parte das chamadas Soluções Baseadas na Natureza, incentivando projetos e programas de carbono que visam à conservação ou restauração das nossas florestas nativas. Assim, direta ou indiretamente, todo o perfil de emissões de GEEs no País será endereçado por esse mecanismo de mercado.
Temos no nosso país uma infeliz tradição de boas leis ambientais que ainda estão distantes de uma ampla implementação na prática. Tanto a Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) como o Novo Código Florestal (2012) podem ser citados como exemplos. Portanto, fica claro que precisamos entender os entraves atuais para a implementação de um mercado regulado para que, assim que uma lei seja aprovada, possamos tirá-la do papel, incentivando as empresas brasileiras a se adaptarem mais rapidamente à economia de baixo carbono aproveitando todas as nossas vantagens comparativas e competitivas (Plínio Ribeiro é CEO da Biofílica Ambipar, unidade de negócio da vertente Ambipar Environment da Ambipar Group, multinacional brasileira líder em gestão ambiental; Estadão, 3/2/24)