Editorial Folha de São Paulo
Retórica pró-ambiente do governo contrasta com ausência de programa para a transição, em meio à expansão do petróleo.
Para um país dado a perfilar-se como potência ambiental, suscita estranheza a ambivalência do Brasil quanto à transição energética. Sonha com a venda futura de biocombustíveis e hidrogênio verde para o mundo, mas no presente investe de fato em combustíveis fósseis.
Neste momento, nem mesmo contamos com um programa atualizado de enfrentamento da crise climática. O Plano Nacional sobre Mudança do Clima data de 2008 e só fixava objetivos até 2017.
Estamos, assim, em completa defasagem até com as metas nacionais para o Acordo de Paris (2015), que outros países estão a revisar para torná-las mais ambiciosas. A nova versão do plano brasileiro só deve sair em 2025, ano da COP30 marcada em Belém do Pará.
Falar é fácil, como fez em 2021 o então ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, no governo de Jair Bolsonaro (PL). O sucessor de Ricardo Salles anunciou na COP26 que o Brasil iria zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050.
Falta pouco mais de um quarto de século para esse horizonte, mas qual era a trajetória programada para alcançar tal meta? Não havia, como não há.
Existe, sim, um projeto, em tudo contraditório com ela, de expandir a produção petrolífera, se possível para além de 2050. No recente Fórum Econômico Mundial, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), apostou que o petróleo ainda será fonte energética importante por 20 ou 30 anos.
Poderia ser só deslize de ministro sequioso de agradar a ala desenvolvimentista (para não dizer fóssil) no Planalto, mas parece política de governo. Na falta de um plano para o clima, cabe atentar para o Novo PAC lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Como assinalou Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, o eixo transição energética do PAC prevê recursos de R$ 565,4 bilhões, dos quais 64% para petróleo e gás e meros 12% para energia limpa. Os dois combustíveis fósseis receberão investimento principalmente do Estado, enquanto fontes alternativas dependerão de aportes privados.
Difícil imaginar expressão mais clara das reais prioridades do governo. Nem mesmo o argumento de que a renda dos fósseis financiaria a transição para de pé; se assim fosse, o direcionamento de recursos já estaria ocorrendo.
Foi-se o tempo em que o governo brasileiro podia posar de bom moço verde prometendo meramente reduzir o desmatamento, ainda nossa maior fonte individual de gases do efeito estufa.
Para projetar-se como liderança crível à frente da COP30, cabe-lhe apresentar até lá um plano minucioso de como pretende conciliar o ufanismo petrolífero com a inadiável transição energética (Folha, 28/2/24)