Por João Pedro Soares
Na vanguarda da economia do hidrogênio verde, Alemanha vê no Brasil um supridor estratégico do combustível, grande aposta para substituir petróleo, gás e carvão e cumprir metas climáticas.
Enquanto o Brasil busca resgatar seu protagonismo ambiental, a Alemanha corre contra o tempo para superar a atual crise energética e cumprir suas ambições climáticas. Diante disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, líderes das maiores economias do Mercosul e da União Europeia (UE), reuniram-se nesta semana para discutir a agenda de transformação de suas economias, com foco na proteção da Amazônia, energias renováveis e no acordo comercial UE-Mercosul.
Durante o encontro, Scholz destacou o potencial brasileiro para o hidrogênio verde (H2V), combustível produzido a partir de energias renováveis e que desponta como a principal aposta das economias desenvolvidas para descarbonizar setores intensivos em CO2, como agricultura, transportes, indústrias e geração de energia.
“Vocês [o Brasil] têm muita experiência com energias renováveis e enormes potenciais também através da produção e da exportação de hidrogênio verde e seus respectivos produtos”, afirmou o chefe de governo alemão.
Alemanha na vanguarda
Diante das restrições de acesso à energia russa devido à guerra na Ucrânia e de críticas à ampliação da queima de carvão mineral, a Alemanha está prestes a dar o pontapé inicial na economia do hidrogênio verde. Está marcado para 7 de fevereiro o primeiro leilão da política H2Global, que prevê incentivos a importações do combustível, identificado como substituto estratégico do petróleo, gás e carvão para obtenção de energia limpa. A primeira licitação será para contratos de amônia verde, produto derivado do H2V.
No dia 21, uma nova rodada deverá ser realizada para contratação de combustível sustentável de aviação e metanol, também oriundos do H2V. Com a iniciativa, o país europeu age para retomar a vanguarda do processo de transição energética e, sobretudo, driblar a sua dependência do petróleo e gás russos.
Na outra ponta, encontra-se o Brasil, que pode se posicionar como um dos grandes exportadores do H2V para a Europa e recuperar o seu prestígio como “potência verde” no cenário internacional.
“Por estar exposta à questão crucial da segurança energética e ter lançado o primeiro edital de compra de insumos verdes do H2V em contratos de dez anos, a Alemanha tem uma posição de liderança”, afirma Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
Por que o Brasil?
Um estudo publicado em janeiro pela consultoria estratégica alemã Roland Berger projeta que o hidrogênio verde será a principal fonte de energia do planeta, se o mundo cumprir os compromissos estabelecidos no Acordo de Paris. Nesse cenário, o mercado mundial de H2V deverá movimentar mais de 1 trilhão de dólares em venda direta do combustível ou derivados.
De acordo com a consultoria alemã, o Brasil irá liderar essa corrida, transformando-se em um grande exportador global. A Roland Berger estima que o mercado brasileiro de H2V irá alcançar um valor anual de R$ 150 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões serão provenientes das exportações.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o custo de produção por quilo do H2V a partir da eletrólise da água no mercado internacional, com utilização de fontes renováveis, é de entre 3 e 8 dólares. Já no Brasil, se considerado o emprego da energia gerada em usinas eólicas ou solares no processo de eletrólise, o custo estaria entre 2,2 e 5,2 dólares.
O baixo custo de produção do H2V no Brasil se justifica, sobretudo, pela abundância de fontes renováveis. Nivalde de Castro lembra que o país tem capacidade de produzir 1,3 milhão de megawatts (MW) a partir de geração eólica e solar. Em expansão, as fontes renováveis geram menos de 200 mil MW atualmente.
“O Brasil tem tudo para ser a Arábia Saudita do hidrogênio a partir de 2030”, afirma o economista, em alusão ao peso do país árabe na produção petrolífera. “O desafio é transformar o potencial em realidade”, ressalva.
De olho no Nordeste
Como o Nordeste está entre as regiões do planeta com maior incidência de sol e vento, além de estar mais próximo da Europa do que o restante do país, diversas empresas já demostraram interesse em instalar fábricas de H2V nos portos de Suape (PE) e Pecém (CE) – este último, aliás, tem como sócio o porto de Roterdã, o maior da Europa, que pode ser a porta de entrada do H2V no continente. Já no porto do Açu (RJ), no Sudeste, a Shell planeja inaugurar uma unidade para produzir o combustível em 2025.
No final de 2022, o grupo português EDP produziu a primeira molécula de H2V no Brasil, no Porto de Pecém. O projeto-piloto Pecém H2V, originado de uma iniciativa de pesquisa tecnológica, recebeu investimentos de R$ 42 milhões. Já a Unigel, uma das maiores empresas químicas da América Latina e maior fabricante de fertilizantes nitrogenados do país, investiu US$ 120 milhões para construir uma fábrica no Polo Camaçari (BA), que deve entrar em operação até o final de 2023.
A planta industrial da Unigel, que terá capacidade inicial para produzir 10 mil toneladas/ano de H2V e 60 mil toneladas/ano de amônia verde, irá quadruplicar a produção até 2025. Para a primeira fase, a empresa alemã thyssenkrupp nucera instalou três eletrolisadores, com potência total de 60 MW, que serão abastecidos por fontes de geração eólica.
Brasil deve ter destaque em mercado diversificado
Ainda que o Brasil reúna condições muito favoráveis para se tornar um grande produtor global de hidrogênio verde, terá que partilhar esse mercado. No entanto, a diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2), Monica Saraiva Panik, explica que a concorrência com outros países, como Austrália e Marrocos, ajuda a reduzir os custos de produção do H2V globalmente, o que beneficiaria todos os países produtores – inclusive o Brasil.
“O mercado de óleo e gás sempre foi caracterizado por uma produção muito concentrada em poucos países, o que é negativo, como se observa agora na dependência alemã do gás russo. O cenário para o H2V é de uma diversificação muito maior. Os projetos em desenvolvimento no Brasil projetam o país em uma posição de grande destaque”, analisa Panik.
Parceria Brasil-Alemanha e estratégia nacional
Em julho de 2021, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), cujas diretrizes têm como um dos eixos temáticos a cooperação internacional. Ao longo daquele ano, o MME e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão responsável pela produção de estudos que visam dar suporte ao planejamento energético nacional, participaram de diversas iniciativas de cooperação técnica com a Alemanha para desenvolver o mercado de H2V.
As duas principais iniciativas consistiram no programa H2 Brasil (German / Brazilian Power-to-X Partnership Program)e a força-tarefa de produção, logística e aplicação do H2V. Enquanto o primeiro destinou 34 milhões de euros para fomentar o desenvolvimento de uma economia verde de hidrogênio no Brasil, o segundo reuniu empresas e instituições com experiência em projetos relacionados a H2V para promover estudos e diálogo político entre Brasil e Alemanha.
A partir dos esforços de cooperação entre os dois países, o Ministério de Minas e Energia produziu o relatório Mapeamento do Setor de Hidrogênio Brasileiro – Panorama Atual e Potenciais para o Hidrogênio Verde. A conclusão do estudo é que o Brasil deve consolidar uma estratégia nacional para o hidrogênio, contendo um plano de ação concreto para não perder a oportunidade de desenvolvimento econômico sustentável.
“O aprofundamento do arcabouço técnico, regulatório e tecnológico é imprescindível para a criação de um ambiente de negócios favorável”, aponta o texto, que, após realizar um mapeamento da indústria junto aos principais atores acadêmicos e institucionais, identificou uma percepção de atraso do país em relação ao H2V.
A visão do governo Lula
Embora ainda não tenha apresentado um plano específico para o desenvolvimento do hidrogênio verde no país, o novo governo tem sinalizado que dará atenção especial ao combustível. Em reunião com diretores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o fornecimento de energia limpa pode ser o caminho para a reindustrialização do país.
“O Brasil é o país que está mais bem posicionado para produzir hidrogênio verde, energia eólica, solar e biomassa. Em tudo o que está disponível tecnologicamente, nós estamos com vantagem competitiva, e isso pode ser um forte componente de atração de investimentos estrangeiros para o Brasil e de reindustrialização do capital nacional, se tomarmos algumas medidas centrais para pensar o reposicionamento da indústria na nossa economia”, disse Haddad.
Após se reunir nesta semana com a ministra alemã da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, Svenja Schulze, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou que a parceria com a Alemanha nessa área pode estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro.
“O Brasil está fazendo um esforço muito grande para ampliar a cooperação de base tecnológica também. Acordo de cooperação técnico e científico para que possamos acelerar ainda mais a possibilidade de o Brasil ser um grande fornecedor de energia para a Europa, em função do potencial que temos de produção de hidrogênio verde. Mas, também, a busca de parceria com empresas alemãs, empresas europeias, para que possamos ter investimentos no Brasil nessa agenda”, declarou a ministra (DW, 3/2/23)