Por Alexander Busch
Às vezes, transformação industrial ocorre no Brasil em locais onde menos se espera. Em apenas uma geração, a indústria açucareira do país passou de setor colonial a potência global de infraestrutura agroenergética
Até o início do milênio, a indústria açucareira brasileira era sobretudo uma coisa: bastante atrasada. Eram colossos agroindustriais controlados por famílias, muitas delas brigadas, que quase não investiam e, frequentemente, estavam endividadas. Em outras palavras, pouco mudou no setor desde os tempos coloniais.
Isso tudo mudou subitamente quando, em 2005, os Estados Unidos decidiram substituir 20% de sua gasolina e diesel por combustíveis oriundos de matérias-primas renováveis. Os EUA não conseguiam atender, sozinhos, à demanda que explodia.
No Brasil, começou um boom maciço de investimentos no setor açucareiro, já que fábricas de açúcar bem equipadas podem produzir etanol além da sacarose — dependendo do produto com o preço mais alto. Até hoje, o etanol conseguido a partir do açúcar é um dos combustíveis mais sustentáveis do mundo usado de forma massiva. Em sua produção, emite-se bem menos dióxido de carbono do que, por exemplo, com o milho.
A empresa mais exemplar do setor é a Cosan, o maior exportador de açúcar e etanol do mundo. Em 2008, a companhia comprou a rede de postos de gasolina da Esso no Brasil. Na época, poucos entenderam a lógica por trás do acordo com o qual a Cosan garantiu uma vantagem competitiva: em pouco tempo, a companhia pôde fornecer seu próprio etanol à própria rede de postos de combustível, conseguindo, assim, manejar a oferta, a produção e o armazenamento melhor que a concorrência.
Desde então, a Cosan foi alvo de uma fusão com a filial brasileira da Shell, criando o maior conglomerado de combustível sustentável do mundo. Mas a Cosan não está sozinha: a Copersucar, número 2 no Brasil, atualmente vende mais etanol pela filial americana Eco Energy do que no Brasil. A empresa está construindo o 11º terminal de etanol na Califórnia para garantir o fornecimento de combustível.
Porém, a indústria está se desenvolvendo velozmente: já que o transporte do etanol para o litoral para exportação é caro via trem ou caminhão, a Cosan começou a investir em linhas de trem. A subsidiária Rumo é, atualmente, a maior operadora de linhas de trem do Brasil, com terminais portuários próprios e estações de carregamento nas regiões agrárias. Além disso, a Cosan comercializa gás no estado de São Paulo por meio de gasodutos próprios. Há muito tempo, portanto, a Cosan se tornou também uma empresa de logística.
Em poucos anos, a indústria açucareira se transformou num dos maiores produtores de energia do Brasil. Nas refinarias, tradicionalmente, incinera-se o bagaço da cana para conseguir energia para o processamento. Atualmente, as fábricas modernas de açúcar fornecem eletricidade para a rede. Um terço da energia brasileira é produzida na agricultura.
Agora, o setor açucareiro está investindo em biogás. Para isso, utiliza fermento e resquícios de material nos filtros usados na produção de álcool. As canas esmagadas também são transformadas em biogás através de enzimas, e o gás é transformado em eletricidade em usinas.
Ainda, já que não vai demorar muito para que as empresas açucareiras alimentem seus tratores e caminhões nas fábricas e plantações com biogás próprio. No ano passado, a fabricante de caminhões Scania entregou os primeiros caminhões movidos a biogás e metano.
Com as regras para a redução de gases de efeito estufa, a filial Raízen da Cosan já enxergou a próxima oportunidade de negócios: 40% de sua cana-de-açúcar é certificada para que possa ser rastreada pelos clientes que querem ter certeza de que o produto não foi plantado em áreas de queimadas da floresta tropical.
Para esse etanol certificado, as empresas podem exigir um alto prêmio, uma vez que, de olho na clientela, as empresas de cosméticos, fabricantes de bioplásticos ou empresas de bebidas exigem etanol com certificação de origem.
Há vinte anos, quem teria esperado que justamente as empresas açucareiras do Brasil se tornariam pioneiras da transformação industrial do país? (Alexander Busch é jornalista e correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt e do jornal NeueZürcher Zeitung. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador e é autor de vários livros sobre o Brasil; DW, 27/1/22)