Por Paulo Hartung
Em fóruns como a COP é que temos esperança de que surjam os mapas com as estradas para o futuro. Ou passamos à fase de materialização das ideias ou aceitamos um destino catastrófico.
Produzindo 3,6 milhões de barris de petróleo por dia, os Emirados Árabes Unidos são os anfitriões da COP-28, conferência global que se propõe, entre outros objetivos, a descarbonizar a economia e evitar uma catástrofe climática. Pode parecer contraditório, mas, se partirmos da premissa de que desafios em escala global requerem concertações planetárias, não há como excluir do esforço os grandes responsáveis pelo problema. Sem o comprometimento de todos, diminuem nossas chances em face da emergência climática. Enfrentar agenda desta envergadura demanda um sistema multilateral forte, sem demonizar quaisquer das partes, porém sem aliviar o ônus dos principais responsáveis.
O que acontecer em Dubai transmitirá avanços, retrocessos ou inércias até a COP-30, em Belém (PA) – essa oportunidade singular de trazer as lideranças mundiais para uma imersão na Amazônia, tão decantada à distância, mas pouco conhecida. Para cumprir seu papel histórico, a COP Amazônica precisa coroar processo de preparação épico, nas negociações e na infraestrutura, pois servirá para evidenciar as contradições de uma floresta que abriga riquezas ambientais incomparáveis, mas que é também o lar de população de quase 30 milhões de amazônidas que convivem, em grande parte, com a falta de estrutura básica de saúde, saneamento e serviços públicos.
Na contramão do construtivismo multilateral, a realidade vem dando à luz decisões unilaterais, que falham em oferecer soluções efetivas à humanidade. Disfarçada sob o nobre manto da sustentabilidade, alguns desses arroubos se materializam, por exemplo, no novo Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), da União Europeia.
Na mesma direção estão a China, os EUA e outros. Países que lideram as emissões de carbono desde a Revolução Industrial são os mesmos que, ano a ano, criam obstáculos à concretização de sistemas globais de precificação de carbono, financiamentos climáticos e outros avanços. Além disso, investem em tecnologias limpas em seus próprios territórios. Embora relevante, o desenvolvimento tecnológico sozinho não tem a energia para transformar metas planetárias em realidade.
Neste trôpego caminhar, sobram expectativas frustradas e raras têm sido as ações verdadeiramente consequentes. Em 2015, a COP-21 resultou no Acordo de Paris, cuja ambição permitiu que se estabelecesse o teto de 1,5ºC para o aquecimento global; foi desenhado o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, base para um mercado global de créditos de carbono; e foram definidos parâmetros para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC). Também foi prevista a criação de um fundo de financiamento climático, em que países ricos financiariam a transição energética daqueles em desenvolvimento, além de ter sido discutido o fundo de perdas e danos para os mais afetados pela mudança do clima, o que só se concretizaria na COP-27, no Egito.
Mas a lamentável realidade é que, passados oito anos, pouco dessas ambiciosas iniciativas ganhou plena concretude. As metas acordadas em Paris escorrem por nossos dedos e o mercado global de carbono ainda carece de regulamentação final.
A atual COP até teve um início positivo, com a aprovação da arquitetura do fundo de perdas e danos. A decisão foi acompanhada pelo anúncio das primeiras doações, que somaram tímidos US$ 400 milhões, muito aquém das centenas de bilhões necessários para prestar auxílio aos países mais afetados pela mudança no clima. Em exigência encabeçada pelos EUA, não haverá obrigatoriedade de contribuição pelos países desenvolvidos. Embora a decisão mereça ser saudada, só sua implementação poderá comprovar que os países ricos se engajarão efetivamente, com aportes financeiros significativos.
Aqueles que desde a Revolução Industrial aceleraram seu desenvolvimento a partir de fontes fósseis devem reconhecer sua responsabilidade com o planeta. A trajetória à frente passa pela descarbonização da matriz energética global e melhora nos sistemas de produção alimentar, assim como por onerar as futuras emissões.
O Brasil também tem importante dever de casa. Não podem mais ser tolerados o desmatamento, a grilagem e o garimpo ilegais. Não pode mais ser tolerada a dubiedade. Também devemos avançar na implementação do mercado nacional regulado de carbono e no efetivo retorno do Brasil à mesa global da agenda sustentável.
Restam, claro, outras pedras no caminho. Convivemos com um profundo vazio de lideranças. O que testemunhamos, por vezes, são populistas, negacionistas, norteados por nacionalismos simplistas e excludentes. Tais rompantes têm roteiro definido e acabam apenas frustrando expectativas de soluções fáceis e atravancando a já esburacada estrada que leva à cooperação internacional.
Em fóruns globais como a COP é que temos esperança de que surjam os mapas com as estradas para o futuro. Com sobriedade, realismo e firmeza, precisamos mobilizar a reação global para transformar metas em ações, atentos a que interesses de curto prazo de países, blocos e grupos não se sobreponham às necessidades de toda a humanidade. O caminho demanda passos largos, assertivos, velozes e articulados. Ou passamos à fase de materialização das ideias ou aceitamos um destino catastrófico – não a este, àquele ou ao outro, mas a todos que vivemos e viveremos neste planeta. Mãos à obra (Paulo Hartung é economista, presidente-executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) e foi governador do Estado do Espírito Santo; Estadão, 5/12/23)