Nunca chegaremos a um resultado histórico na COP da Amazônia se não nos empenharmos em desatar o nó da questão energética.
Enquanto se preparam para uma nova onda de calor anormal e perigosa este mês, os brasileiros têm um motivo especial para acompanhar atentamente a segunda semana da COP28, a principal conferência da Organização das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que seguirá até 12 de dezembro, em Dubai.
Nas paisagens desérticas dos Emirados Árabes Unidos tem início a jornada do Brasil para fazer da COP30, daqui a dois anos, em Belém, um divisor de águas nos esforços globais para solucionar a crise climática.
O sucesso dessa empreitada depende de fatores múltiplos, com destaque para o empenho do presidente Lula e sua equipe em enfrentar contradições insustentáveis na área ambiental.
Entre elas, a principal encontra-se na recusa do governo em comprometer-se com a eliminação gradual de petróleo, gás e carvão e no desânimo com que promove a expansão socioambientalmente justa de energias renováveis, como a solar e a eólica. Essa transição energética em marcha lenta contrasta com os resultados positivos alcançados no combate ao desmatamento da amazônia, após os desastrosos anos do período Bolsonaro.
Ávido por retomar seu papel de influencer do clima, o Brasil se safou, até agora, das críticas mais pesadas por sua ginástica retórica, mas nem o mais experiente contorcionista se sustenta em posição tão instável por muito tempo. Nunca chegaremos à liderança ambiental efetiva ou a um resultado histórico na COP da Amazônia se não nos empenharmos em desatar o nó da questão energética, interna e externamente.
O anúncio feito em 2 de dezembro pelo próprio presidente Lula, em plena COP28, de que o Brasil pode se unir à Opep+ já foi um banho de água fria nas pretensões brasileiras de mostrar-se em sua melhor forma.
Entrar para esse grupo, que reúne os países membros do cartel de petróleo Opep e outras nações produtoras de petróleo que querem estreitar contato com esse cartel, sinaliza que o Brasil tem pretensões significativas de expandir sua produção petrolífera e de se identificar como uma nação petroleira, o oposto do que devíamos estar fazendo.
Mas ainda há tempo para uma mudança de curso que nos impulsione no cenário climático global. No plano doméstico, devemos começar abandonando os planos sem sentido de nos associarmos à Opep+ e revertendo a tendência de expansão dos combustíveis fósseis.
O Relatório sobre a Lacuna de Produção 2023, publicado pela ONU em novembro, projeta aumento de 63% na produção de petróleo no Brasil, e de 124% na de gás, de 2022 a 2032. O próprio governo estima que o país se tornará o quarto maior produtor de petróleo do mundo nos próximos anos e segue dando sinais ambíguos sobre a péssima ideia de explorar petróleo na Foz do Amazonas.
É fundamental garantir que nenhum novo projeto fóssil avançará, sob pena de falharmos terrivelmente no compromisso que assumimos no contexto do Acordo de Paris (e que o governo corretamente reconfirmou este ano), o de cortar 43% das nossas emissões até 2030, em relação ao nível de 2005.
O Brasil também precisa eliminar gradualmente os inacreditáveis subsídios que concede aos combustíveis fósseis e direcionar esses recursos para medidas de estímulo às energias renováveis e à eficiência energética.
Um relatório publicado este ano pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) indica o potencial dessa medida: em 2022, o Brasil destinou US$ 69 bilhões em subsídios implícitos ou explícitos aos setores de petróleo, gás e carvão.
Tais avanços nas políticas internas fortaleceriam a credibilidade do Brasil e elevariam sua capacidade de cobrança sobre os países ricos, que têm a obrigação moral de financiar soluções para a crise climática que historicamente criaram. Mas, para além de medidas internas de longo prazo, a delegação brasileira e o próprio presidente Lula podem agir desde já para elevar o protagonismo climático do país na política externa.
A primeira medida seria manifestar-se mais claramente em favor de uma menção, no texto final da COP28, sobre o abandono gradual de todos os combustíveis fósseis, não só o carvão, mas também o petróleo e o gás.
Isso pressionaria os países a elevar substancialmente suas metas de redução das emissões nacionais (NDCs) na COP de Belém, quando todos os governos deverão apresentar uma revisão melhorada de seus objetivos.
Também é necessário defender mais incisivamente a adoção de uma meta global ambiciosa pela expansão das energias renováveis. O silêncio do Brasil sobre esse tema é surpreendente e enfraquece sua capacidade de liderança.
Por fim, poderíamos avançar nas conversas com nossos vizinhos amazônicos para que, no futuro próximo, se possa declarar o bioma livre da extração de petróleo e gás. Receber o mundo em plena amazônia protegida, em 2025, seria um sinal da seriedade dos nossos compromissos.
Na primeira semana de COP28, a Colômbia já mostrou que mesmo produtores de petróleo podem se empenhar em deixar a armadilha dos combustíveis fósseis no passado. Nossos vizinhos aderiram ao Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis e se tornaram o país de maior economia, até agora, a se comprometer com um abandono gradual e justo do petróleo, gás e carvão.
Por que não poderíamos fazer o mesmo, em um país com tanto potencial para energias renováveis como o Brasil?
Das ONGs ambientais ao próprio governo brasileiro, todos concordam que a COP de Belém já começou em Dubai, se não antes disso. Porém, a COP de Belém histórica e divisora de águas, que Lula anunciou amplamente em Dubai, precisa efetivamente começar.
Até agora, essa conferência bem-sucedida no Brasil está só no discurso. Cabe ao Brasil assumir seu papel de campeão climático desde já, se quiser colher os benefícios em 2025 (Folha, 10/12/23)