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Ex-ministros divergem sobre descentralização da Agricultura

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 A eventual reestruturação do Ministério da Agricultura no governo Lula não é unanimidade entre os ex-titulares da pasta. Alguns ex-ministros concordam com a divisão da área e dizem entender que faz parte da proposta de modelo de gestão do futuro governo.

Outros avaliam que uma divisão das áreas hoje sob responsabilidade da Agricultura pode enfraquecer as pautas do setor em momento de restrição orçamentária do Executivo. Ainda não há decisão final do futuro governo sobre a estrutura da pasta, mas a tendência, segundo fontes, é que seja dividida. Há sinalização também da coordenação da equipe de transição de que a agropecuária pode ser dividida entre agricultura comercial, familiar e pesca, assim como foram os grupos técnicos da transição.

Broadcast Agro ouviu seis ex-ministros da Agricultura, lideranças ainda atuantes no setor, sobre o tema. A reportagem acionou também os ex-ministros Luis Carlos Guedes Pinto (2006-2007) e Blairo Maggi (2016-2019), que não responderam ao pedido de comentário e entrevista até o momento desta publicação.

O governo eleito estuda a divisão do atual Ministério da Agricultura entre Agricultura Pecuária e Abastecimento (modelo atual) e novas duas pastas – uma para Agricultura Familiar e Alimento Saudável e outra para Pesca e Aquicultura. Atualmente, ambos temas estão sob responsabilidade da Agricultura com secretarias específicas dentro do ministério.

Lula concluiu o seu segundo mandato, em 2010, com três pastas na área: o tradicional Ministério da Agricultura, o do Desenvolvimento Agrário (extinto em 2016 no governo Temer) e o da Pesca e Aquicultura (criado em 2009 no governo Lula e extinto em 2015 no governo Dilma). Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito prometeu a criação de pastas para agricultura familiar e para a pesca.

Integrantes do grupo técnico da Agricultura da transição e ex-ministros da Agricultura do governo Dilma, o deputado federal Neri Geller (PP-MT, ministro de 2014 a 2015) e a senadora Kátia Abreu (PP-TO, ministra de 2015 a 2016) dizem haver consenso entre os grupos da agricultura e do desenvolvimento agrário sobre a criação do Ministério da Agricultura Familiar e do Alimento Saudável, mas ainda não há convergência quanto à recriação do Ministério da Pesca e Aquicultura.

Ex-ministra Kátia Abreu. Foto Leopoldo Silva Agência Senado

Recentemente, Kátia Abreu disse que a decisão final pela divisão do ministério será tomada por Lula e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.

 “Faremos nossas recomendações. Se o governo tem compromisso de reforma agrária, cabe a nós respeitar. Com relação às políticas públicas, não acho que devemos ter dois ministérios. Acho que devemos ter um ministério só para pequenos produtores terem perspectiva de crescimento. O grande foco do ministério é o agro exportador de sucesso, mas manter o olhar sobre os pequenos agricultores”, acrescentou.

Ex-ministro Neri Geller. Foto Antonio Cruz/Agência Brasil

Para Geller, a divisão não enfraquecerá o ministério. “Quando fui ministro, havia três pastas e fortalecemos muito o ministério da Agricultura. As pautas do médio e do grande estavam muito fortes, tanto que avançamos bastante na área internacional. Não é isso que fragiliza o andamento de pautas pelo setor, pelo contrário”, afirmou ao Broadcast Agro.

“Tanto Lula quanto Dilma trabalharam muito e fortaleceram a agricultura com linhas de crédito, garantia de preço mínimo e não faltou recurso para crédito como está faltando agora”, defendeu.

Primeiro ministro da Agricultura de Lula, de 2003 a 2006, o ex-ministro Roberto Rodrigues, que conviveu com estrutura da agricultura dividida, diz não ser contrário ao desmembramento, mas entende que a divisão pode reduzir a articulação necessária da agricultura com outras pastas e trazer uma “desarticulação” como prejuízo.

Ex-ministro Roberto Rodrigues. Foto Divulgação

“A agricultura é um setor que precisa de estrutura logística, o que passa pelo Ministério da Infraestrutura, de acordos comerciais, que passa pelo Itamaraty, de visão de meio ambiente, que passa pelo Ministério do Meio Ambiente, de investimento em ciência e tecnologia, que passa pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e recursos para todas iniciativas, que passa pela Fazenda, além da Educação para formação, do Banco do Brasil, da Agência Nacional de Águas (ANA). É preciso haver integração e vários esforços do governo para que as prioridades se transformem em estratégia de governo. Por isso, penso que integrar o máximo possível é o melhor para a agricultura dar certo e ter articulação estratégica”, disse à reportagem, acrescentando que temas como sanidade devem ser trabalhados de forma geral.

Reinhold Stephanes, ministro do governo Lula de 2007 a 2010, vê com bons olhos um eventual direcionamento da nova pasta a ser criada para agricultura familiar e não para desenvolvimento agrário, como foi no passado.

Ex-ministro Reinold Stephanes. Foto Divulgação

“Reforma agrária é um assunto que já foi estruturado. Se for focado em pequeno produtor, não vejo dificuldades de interlocução e prejuízos ao setor”, disse ao Broadcast Agro. Stephanes conta que em sua gestão, quando já havia os três ministérios, não enfrentou dificuldades de pleitear orçamento para a área e nem conflito com outras pastas para enfrentar a administração de assuntos pertinentes ao agro.

 “Não tive nenhum desconforto em relação aos outros ministros e ao presidente da República. Sempre que tive demandas que implicavam divergências com a Fazenda ou eram conflitantes com a questão ambiental, o presidente sempre mediava o assunto e na maioria das vezes decidia a favor da agricultura, como foi na renegociação de dívidas agrícolas e na liberação de transgênicos. Lula deu grande importância à Agricultura”, observou o ex-ministro. Ele defende, contudo, que Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Serviço de Inspeção Federal (SIF) e Embrapa permaneçam sob a gestão da Agricultura, por serem estratégicos a todo agro, e o Incra sob responsabilidade do Ministério da Agricultura Familiar.

Já o ex-ministro da Agricultura do governo Fernando Henrique Cardoso de 1998 a 1999, o presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de

Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, considera a separação das áreas “desnecessária”. 

Ex-ministro Francisco Turra. Foto Divulgação

“Há muita integração entre as áreas e, por isso, faz sentido estarem juntas. O fato de ter dois orçamentos descaracteriza, cria problemas e rivalidades. Sem dúvidas, enfraquece as pautas do setor, além de dividir áreas estratégicas, como sanidade, qualidade, inovação e tecnologia, que valem tanto para pequeno, quanto para médio e grande produtor”, afirmou Turra.

Ele avalia que as cooperativas já fazem o papel junto ao pequeno produtor de filtrar suas demandas e apresentar junto ao Executivo. Em sua gestão, havia uma secretaria de Pesca e outra de Desenvolvimento Rural vinculadas à Agricultura, quando se iniciou a implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

“Dividir cria gastos desnecessários e distingue elos da mesma cadeia produtiva. Não ouvi nada de exigência do setor de recriar um ministério. Os programas para o agro são os mesmos, sem diferenças de conceitos”, acrescentou.

Ministros do governo Bolsonaro, o atual titular da pasta, Marcos Montes, e a ex-ministra e senadora eleita Tereza Cristina (PP-MS), de 2019 a 2022, também defendem uma estrutura única que englobe políticas públicas para todos os portes de agricultura.

Ministro Marcos Montes e Tereza Cristina, eleita senadora pelo Estado do Mato Grosso do Sul. Foto Blog PSD

“Na minha opinião, não vejo sentido, mas não cabe a mim opinar. Entendo que pequeno, médio e grande produtor tem de caminhar juntos”, disse Tereza Cristina em encontro na última semana na Sociedade Rural Brasileira. Montes, em evento da bancada ruralista em Brasília, afirmou a jornalistas ter “ouvido a ideia” de divisão do ministério.

“Espero que o governo prestigie a agricultura familiar. Não é só fazer discurso teórico. Ter bandeira e não fazer nada, não adianta”, disse na ocasião.

A gestão unificada dos assuntos relacionados ao agro é também defendida pelo setor produtivo. Entidades como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) já se manifestaram contrárias à eventual divisão da pasta e dizem que a descentralização enfraquece o andamento das pautas do setor.

“Defendemos a manutenção por dois pontos principais. O primeiro é pela questão do custo e necessidade de enxugar o Estado. O segundo é que agricultura familiar faz parte da agronegócio, sem necessidade de ampliar ainda mais a estrutura do governo para isso. O Ministério da Agricultura tem condição de fazer isso e foi provado na gestão da Tereza Cristina que funcionou de maneira integrada”, afirmou uma liderança de entidade do setor.

Outra liderança do agro considera que uma reestruturação da Agricultura refletiria apenas uma divisão “puramente ideológica”. “Nos parece algo mais para acomodar interesses e não vai contribuir para a integração do setor. Isso vale tanto para agricultura familiar quanto para a pesca. Há muitas questões para serem trabalhadas em conjunto, como sanidade, relações internacionais. A divisão seria um retrocesso”, apontou a fonte.

Ambos interlocutores do setor avaliam que a divisão poderia trazer uma visão antagônica a pautas do agro dentro do mesmo governo e que enfraqueceria o ministério ante outras pastas. Essas fontes defendem programas específicos e planos safras com maiores volumes de recursos para áreas específicas, como a agricultura familiar. A posição do setor foi repassada por lideranças do setor aos atuais grupos técnicos da equipe de transição (Broadcast, 13/12/22)

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