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Plano: Transição energética divide mercado e fala pouco em fontes limpas

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Pacote anunciado por Lula prioriza combustíveis fósseis, como o gás, e eleva intervenção no setor, dizem especialistas.
A PNTE promoverá a articulação e coordenação da transição energética no Brasil, criando sinergia entre as políticas governamentais, como a Política Nacional de Mudança do Clima e o Plano de Transformação Ecológica – Foto  Ricardo Stuckert-PR

A chamada Política Nacional de Transição Energética, lançada pelo governo federal nesta segunda-feira (26), foi encarada pelo mercado como um pacote voltado ao gás natural de petróleo e dividiu o setor.

A indústria de petróleo e gás afirma que o governo eleva a intervenção e contraria a Lei do Gás com as medidas anunciadas. Consumidores veem um caminho para reduzir o custo do combustível, pleito antigo da indústria.

O uso de gás natural na transição energética é controverso. Alguns pedem a adoção indiscriminada dessa fonte, enquanto ambientalistas defendem o uso restrito à substituição de processos produtivos mais poluentes, que ainda adotam lenha, carvão ou óleo diesel, por exemplo.

Elaborados após meses de debates, os textos finais foram aprovados nesta segunda sem qualquer consulta ao mercado, que teve acesso apenas a fragmentos. Foram inúmeras resoluções, dois decretos, uma MP (medida provisória) e um PL (projeto de lei) que tratam de diferentes segmentos do mercado.

Apenas duas medidas podem ser qualificadas como efetivamente dedicadas ao caráter mais verde da transição: a criação de um grupo de trabalho para integrar ações públicas na área e a resolução com diretrizes para a descarbonização da exploração de óleo e gás.

O pacote é genérico e amplo. Para o setor de petróleo, gera insegurança e pode levar a questionamentos judiciais, já que dá à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) poder para arbitrar preços em instalações privadas de escoamento e processamento de gás natural.

A legislação atual prevê que essas instalações sejam autorizadas a pedido de qualquer investidor interessado. Agora, o governo quer definir onde construí-las e depois licitar concessões, como é feito no setor de eletricidade.

Para isso, o decreto cria o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, que ficará a cargo da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Essa centralização já foi tentada sem sucesso no passado, lembra o professor da PUC-Rio Edmar Almeida.

“Os agentes econômicos, por diferentes circunstâncias e oportunidades de negócios, é que propõem os projetos”, afirma. “Esse modelo centralizador não tem viabilidade nem faz sentido. E vai em direção contrária à Lei do Gás, que era para liberalizar a indústria.”

Aprovada em 2021, a Lei do Gás tinha o objetivo de ampliar a competição no setor, dando maior autonomia a investidores privados para desenvolverem seus projetos e reduzindo o papel da Petrobras, que deveria dar acesso a terceiros à sua infraestrutura de gás.

Ajudou a ampliar o número de fornecedores de gás no Brasil, mas a falta de regulamentação ainda garante à estatal poder excessivo para definir quem pode usar as instalações fundamentais para trazer o gás natural das plataformas em alto-mar para o continente.

“A Petrobras cobra o que quiser, pedindo valores exorbitantes para outros acessarem”, diz Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia).

“Verificou-se que isso não estava funcionando, é que é preciso um monitoramento maior do regulador para determinar preços justos em relação ao acesso. O decreto ainda não está claro como isso vai ser feito, mas se espera que ocorra num processo transparente.”

De modo geral, a Abrace vê um movimento favorável para criar concorrência.

“A Lei do Gás não colou, muito em função dos inúmeros feudos do setor, e o decreto tenta dar um empurrão na direção que foi pactuada: alcançar um mercado mais competitivo”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.

O consultor Adriano Pires, do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), concorda que a Lei do Gás precisa ser aprimorada, mas destaca que “um decreto não muda uma lei”. “A impressão que dá é que o decreto cheira a uma nova lei para o setor, mas com defeitos”, afirma.

Alexandre Calmon, sócio da área de Energia e Recursos Naturais do Campos Mello Advogados em cooperação com o DLA Piper, reforça que “por se tratar de um decreto complementar pode suscitar questionamentos – não poderá se sobrepujar à lei.”

O setor de petróleo questiona ainda a possibilidade de intervenção da ANP na operação dos campos petrolíferos, definindo quanto volume de gás pode ser reinjetado nos poços. As minutas divulgadas permitem que a agência mude contratos já assinados, mas não se sabe como ficará o texto final.

Apesar das divergências e dúvidas, um ponto do pacote que é considerado positivo por todos, pelo potencial de reduzir o preço do gás, é escalar a estatal PPSA para fazer leilão da parcela de gás do pré-sal que pertence à União, como já faz hoje com petróleo.

Essa medida, porém, tem efeito apenas no médio prazo, já que a União ainda tem direito a volumes pequenos de gás, que são vendidos diretamente à Petrobras. Atualmente, são cerca de 150 mil metros cúbicos por dia, o equivalente a 0,25% da demanda em 2023.

A reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) para tratar do tema nesta segunda, bem como a solenidade que se seguiu ao encontro, foram prestigiadas por integrantes do governo e do setor de energia.

Contou com a presença do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) e de ministros, como Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), além de Alexandre Silveira (Minas e Energia).

O QUE TEM NO PACOTAÇO
Apesar de ter anunciado que o CNPE aprovaria a Política Nacional de Transição Energética, o governo ratificou um pacote mais focado em reorganizar o mercado de gás fóssil. No conjunto, as medidas incluem:

  • Decreto que consolida medidas do programa Gás para Empregar
  • Decreto para extinguir o plano de venda de ativos da Petrobras
  • PL para distribuição de botijões de gás a famílias que ainda dependem de lenha para cozinhar
  • MP que incentiva a indústria naval no setor de óleo e gás
  • Resolução com diretrizes para a estatal PPSA comercializar gás natural que cabe à União, inclusive com o uso de swap com petróleo
  • Resolução para reduzir queima de gás natural e aumentar a oferta
  • Resoluções para regulamentar exploração no blocos blocos de óleo e gás de Jaspe, Rubi e Granada
  • Resolução com diretrizes para a descarbonização da exploração de óleo e gás
  • Criação do GT (Grupo de Trabalho) para integrar as iniciativas dos diferentes ministérios e órgãos do governo (Folha, 27/8/24)
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