Senador Veneziano Vital do Rêgo preserva adição do biometano ao gás natural e não prevê combustível sintético da estatal na fatia dedicada ao diesel verde; petroleiras e indústria criticam
Em uma vitória do agronegócio e dos fabricantes de biocombustíveis, o relator do projeto de lei do “combustível do futuro”, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), manteve a adição de até 10% do biometano ao gás natural e não previu o combustível sintético fabricado pela Petrobras, chamado de R5, na fatia dedicada ao diesel verde.
O objetivo do texto, que integra a pauta “verde” do Palácio do Planalto, é descarbonizar a matriz energética do transporte nacional por meio do uso de biocombustíveis – um negócio promissor que vem colocando as petroleiras e a bancada ruralista em rota de colisão.
A expectativa é de que o parecer seja analisado na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado na próxima terça-feira, 20, e depois siga ao plenário da Casa. Se aprovado, terá de retornar à Câmara para uma nova análise.
O projeto fixa que o diesel– o principal produto vendido pela Petrobras – terá uma mistura crescente de combustível de origem vegetal (biodiesel e diesel verde) a partir do ano que vem, reduzindo a parcela do combustível que ela produz. Procurada, a estatal afirmou que “ainda está analisando o relatório”.
Hoje, 14% do diesel vendido nas bombas é composto por biodiesel, produzido principalmente com óleo de soja. A lei determina que o porcentual deverá chegar a 20% até o fim desta década e, a partir de 2031, poderá alcançar 25%. Além disso, o texto reserva outros 3% para o HVO ou diesel verde, que é fabricado a partir de óleos vegetais, como de soja e de palma, além de gorduras animais.
Durante a tramitação do projeto na Câmara, a Petrobras primeiro tentou retirar os porcentuais obrigatórios de mistura de biocombustíveis do texto legal. Vencida, tentou então incluir no porcentual reservado ao diesel verde o combustível sintético que só ela produz, chamado de R5, alegando que ele também tem uma parcela renovável (de 5%).
A investida bateu de frente com os interesses do agronegócio e foi brecado pelos votos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e pela Frente do Biodiesel, que acabou vencendo a disputa na Câmara. Mas, por influência do então presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, a relatoria foi designada a Vital do Rêgo, que preside a Frente de Energia e é próximo do setor de óleo e gás. Isso prometia um segundo round na disputa entre os biocombustíveis e a Petrobras no Senado.
No meio do caminho, porém, Prates perdeu a presidência da companhia, e o cargo foi ocupado por Magda Chambriard, que, por sua vez, decidiu levantar a bandeira branca com o setor de biodiesel. No dia 21 de junho, ela se reuniu com representantes da bancada do biodiesel no Rio e disse que a Petrobras não seguiria na disputa.
“Ela entendeu que um hidrocarboneto (derivado do petróleo) não pode estar em um projeto dedicado aos biocombustíveis. O coprocessado (como é chamado o R5) pode ser vendido pela Petrobras como um combustível mais limpo, como o S10 por exemplo, mas não é renovável”, diz o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que preside a Frente do Biodiesel.
O parlamentar afirma que o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia (MME), teve papel crucial para convencer a Petrobras. Magda Chambriard, ao contrário do antecessor no cargo, trabalha em sintonia com o ministério. “Se tivesse a influência pesada da Petrobras seria mais complicado. O ministro Alexandre Silveira é o grande artífice dessa matéria”, afirma Moreira.
A frente do biodiesel projeta investimentos da ordem de R$ 200 bilhões com o novo marco legal, que também amplia a adição de etanol à gasolina, de 27% para 35%, e cria as bases legais para o desenvolvimento do Combustível Sustentável de Aviação (SAF).
A diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Ana Mandelli, diz que o setor ficou decepcionado com a não inclusão do coprocessado da Petrobras no texto, mas que já esperava a derrota. “A gente já sabia que o time do biodiesel tinha feito um trabalho muito grande com o governo. Parece que o pessoal jogou a toalha”, afirma.
Para ela, o País perde a oportunidade de produzir um diesel verde mais barato e de estimular a migração de refinarias para biorrefinarias. “Vejo com certa tristeza, mas vamos continuar lutando para sensibilizar os parlamentares e o próprio pessoal do biodiesel, porque (o coprocessado) não é uma ameaça a eles. Estamos apenas falando de mais uma opção”, diz.
Petroleiras e indústria criticam regra do biometano
O projeto do combustível do futuro tambémfixa como obrigatória a adição de 1% de biometano ao gás natural a partir de janeiro de 2026, em outra vitória do setor de biocombustíveis – o biometano é fabricado principalmente a partir do bagaço da cana, mas também há produtores oriundos de aterros sanitários.
O porcentual poderá ser alterado pelo Comitê Nacional de Política Energética (CNPE) até o teto de 10%. Os atores do setor de petróleo alegam que a regra vai encarecer o gás natural, argumento que é corroborado pela indústria consumidora, sobretudo a que faz uso intensivo de energia.
O Ministério de Minas e Energia estima que o impacto relativo ao primeiro estágio da meta, de 1%, será de 0,47% no preço do gás. O segmento produtivo, porém, contesta e afirma que o impacto é mais elevado. Pelos cálculos feitos pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) em março, haverá gastos extras de até R$ 1,7 bilhão ao setor, que é o maior consumidor de gás natural (usa tanto como combustível como matéria-prima).
Segundo André Passos, presidente da Abiquim, o aumento do gás natural, provocado pela entrada do biometano, vai retirar capacidade de competir da indústria instalada no Brasil frente a concorrentes externos.
“É diferente do biodiesel, que o consumidor seguirá comprando no posto de gasolina, porque a demanda não vai parar. No caso da indústria, um produto que fica mais caro porque é fabricado com gás misturado ao biometano é deslocado por um importado mais barato”, afirma Passos.
Ele afirma que o texto trata de combustíveis e não deveria abordar o uso do biometano, que também é matéria-prima industrial. Assim como ocorreu com o hidrogênio, diz ele, o tema deveria ser tratado em texto legal à parte.
Vital do Rêgo previu que a inserção do biometano será feita de acordo com estudos de impacto econômico, o que pode atender aos pleitos da indústria, mas ainda assim, na visão da Abiquim, há insegurança jurídica sobre como o tema será tratado no futuro. “O Brasil já tem o gás mais caro do mundo e vai ficar ainda mais caro com o biometano”, afirma Passos.
Para tentar amenizar as críticas, o relator no Senado acrescentou atenuantes nas exigências ligadas ao biometano, como a exclusão das térmicas conectadas ao Sistema Interligado Nacional. Pelo parecer, o consumo flexível de gás natural dessas usinas ficará fora da base de cálculo da meta de redução de gases de efeito estufa.
Nos bastidores, parlamentares ligados ao agronegócio afirmam que tentarão reverter esse ponto, sobretudo no retorno do texto à Câmara, já que o consumo de gás pelas termelétricas é alto.
“O biometano é um produto excelente para descarbonizar, mas ficou um “jabuti” (matéria estranha ao texto principal) dentro de um projeto de lei sobre mobilidade. Estão criando um programa que vai atingir a indústria e ela deveria ter sido escutada”, afirma a diretora do IBP.
“Há uma diferença grande entre os cálculos do MME e da indústria em relação ao impacto nos custos. Isso já demonstra que o tema não está maduro o suficiente para avançar”, avalia a executiva (Estadão, 16/8/24)
Posicionamento da FPBio sobre o relatório do Combustível do Futuro no Senado
“A Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) considera o relatório do Projeto de Lei do Combustível do Futuro (PL 528/2020), apresentado nesta quarta-feira (14) pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), como um grande avanço para o Brasil e o setor de biocombustíveis, representando um passo definitivo para o país na estratégia de liderar a transição energética em nível global.
É preciso ressaltar e enaltecer a grande capacidade de diálogo e articulação do senador que demonstrou verdadeiro compromisso e espírito público com a agenda de desenvolvimento sustentável do país, assim como desempenhado pelo relator do projeto na Câmara, deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).
Isso porque o projeto trará ganhos imensuráveis para a sociedade brasileira, a começar por investimentos projetados na ordem de R$ 200 bilhões, viabilizados a partir da segurança jurídica e previsibilidade resultantes da vigência do marco legal. São recursos que fortalecerão a segurança energética, alimentar, ambiental e de saúde pública do país.
Apenas no setor de biodiesel, o projeto dará as condições necessárias para que o volume de produção do biocombustível salte de 9 bilhões de litros este ano para 15 bilhões de litros em 2030, quando a mistura do combustível fóssil poderá chegar a 25%, de acordo com a proposta.
Importante salientar que, quanto maior for a produção de biodiesel, maior será a oferta de farelo de soja no país, o que se traduz em mais competitividade para a proteína animal exportada e em preços menores no mercado interno. Somente em 2023, foram R$ 3,5 bilhões de redução de custo na produção de proteínas animais.
Em relação aos efeitos benéficos para a saúde pública e para o meio ambiente, os números também são superlativos. O biodiesel reduz as emissões de gases de efeito estufa em até 94%, o que será fundamental para reduzir os impactos decorrentes do uso indiscriminado do diesel fóssil no Brasil, onde as mortes provenientes da poluição atmosférica chegam a 50 mil mortes por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.
A FPBio continuará empenhada em promover o setor de biocombustíveis como um todo, não só garantindo a rápida apreciação do texto novamente na Câmara, mas também assegurando o avanço de outras pautas de interesse, tais como a redução da sonegação no setor de combustíveis; a modernização do RenovaBio, a substituição definitiva do Diesel S500, entre outros temas prioritários.
Por fim, a FPBio vem a público para agradecer o apoio incondicional de parceiros estratégicos como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin; dos presidentes da Câmara e Senado, deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco; e dos presidentes das frentes parlamentares da Agropecuária (FPA), na figura do presidente Pedro Lupion (PP-PR); do Etanol, presidida pelo deputado Zé Vitor (PL-MG), e do Empreendedorismo (FPE), presidida pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA). Deputado Alceu Moreira (MDB-RS) – Presidente da FPBio” (Brasília, 15/8/24)