Por Sylvia Colombo
Exigências ambientais para acordo com o Mercosul inclui metas quase incumpríveis e cascas de banana.
Em passagem pelo Brasil há duas semanas, o presidente eleito do Paraguai, Santiago Peña, afirmou que compartilhava a irritação demonstrada por Luiz Inácio Lula da Silva em sua visita mais recente à Roma. O assunto esteve na pauta do encontro de ambos em Brasília.
Na ocasião, o brasileiro disse serem “inaceitáveis” alguns pontos da chamada “side letter”, ou “anexo ambiental”, enviado pela União Europeia como requisito para seguir adiante com o que seria a etapa final do acordo com o Mercosul —ainda que já houvesse um texto pré-aprovado em 2019.
“Também fiquei irritado com isso, tenho simpatia pela posição de Lula, e porque muitas vezes no exterior se fala de nossos problemas sem conhecerem bem a situação”, afirmou Peña. E acrescentou: “Acontece o mesmo quando sempre se associa o Paraguai com o contrabando e o narcotráfico na Tríplice Fronteira. Só que a região não é só do Paraguai, são três países. E há muito o que dizer sobre os intercâmbios comerciais legais e positivos que passam por ali.”
A coluna teve acesso, em colaboração com o jornal paraguaio ABC Color, à “side letter” que até agora não havia sido divulgada e circulava apenas entre os negociadores.
O texto, de tom duro, exige que o Acordo de Paris seja cumprido, sob risco de punição em caso contrário — algo que não constava do texto original e meta que nem sequer foi alcançada por vários países europeus.
Outro requisito é “interromper e reverter a perda florestal e a degradação da terra até 2030, ao mesmo tempo que se promova o desenvolvimento sustentável e se impulsione uma transformação rural inclusiva”. Para isso, diz o texto, haverá uma “meta intermediária de redução do desmatamento de pelo menos 50% em relação aos níveis atuais até 2025″. Ou seja, um prazo curtíssimo para solucionar questões históricas dos países.
Também em um tom de exigência, a União Europeia diz que o acordo implicará que os países não possam “reduzir seus padrões ambientais ou trabalhistas com a intenção de atrair comércio ou investimento estrangeiro”. O documento também fala de compartilhamento de informações sobre metas nacionais e monitoramento sobre o cumprimento delas.
Uma fonte do governo paraguaio afirmou que se trata de um documento de cumprimento quase impossível, com muitas cascas de banana; que é preciso ainda trabalhar muito, porque contempla convenções ou disposições que não competem ou não contemplam o Mercosul, nem mesmo a muitos Estados-membros da União Europeia.
Outra fonte, do lado brasileiro, afirmou que a avaliação é de que o novo documento não dá espaço para que o Mercosul discuta o que a União Europeia quer e coloca o bloco sul-americano como mero acompanhante dessas exigências. O Brasil pedirá que o acordo se dê mais na base da colaboração mútua do que na de exigências.
As negociações para tentar fechar o acordo UE-Mercosul se arrastam há mais de 20 anos. Mesmo com um texto aprovado em 2019, não entrou ainda em vigor porque precisa ser ratificado pelos Parlamentos de todos os 31 países. Há uma resistência crescente com relação a produtores agrícolas em alguns países, como a França.
O adendo contém finalidades nobres e temas de fato urgentes ante a mudança climática e com relação à preservação do meio ambiente. Por outro lado, tem um tom quase hostil que sugere que, na verdade, o que a União Europeia deseja mesmo é adiar uma decisão.
Seria o protecionismo de sempre, só que agora disfarçado de preocupação verde (Sylvia Colombo é historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Buenos Aires. É autora de ‘O Ano da Cólera’; Folha, 6/8/23)