Por Rodrigo Fagundes Cezar
Questão não é se a UE fará exigências ambientais mais duras, mas como.
“O instrumento adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável.” O comentário do presidente Lula diz respeito a um documento proposto pela União Europeia (UE) complementando e clarificando os compromissos de sustentabilidade do acordo com o Mercosul. Lula teme que a UE possa impor sanções ao Brasil em caso de descumprimento das cláusulas ambientais do acordo.
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) foi o primeiro a incluir cláusulas de trabalho e meio ambiente sujeitas a sanções (retirada temporária de preferências tarifárias). A partir da implementação do Nafta (1994) abriu-se espaço para um longo debate sobre o tópico, que rapidamente chegou à UE. No entanto, até muito recentemente a Comissão Europeia rejeitava a possibilidade de impor sanções para promover sustentabilidade via acordos comerciais.
A partir de 2006, a UE expandiu de maneira agressiva seus objetivos comerciais e de investimento externo. Como resposta, a sociedade civil europeia se mobilizou para promover compromissos de sustentabilidade mais rigorosos como forma de contrabalancear interesses privados. Por sua vez, grupos de produtores domésticos se mobilizaram para limitar perdas econômicas em virtude da diferença entre padrões regulatórios da UE e de outros países. Essa mobilização ajudou a expandir o rigor legal dos compromissos de sustentabilidade dos acordos do bloco.
Um dos resultados da estratégia de expansão comercial iniciada em 2006 foi o acordo entre UE e Coreia do Sul. Durante sua implementação, a UE acusou a Coreia de desrespeitar compromissos de sustentabilidade. Em 2021, apesar de se concluir ter havido quebra de cláusulas do tratado, a UE teve dificuldade de fazer represália. Esse episódio contribuiu para a narrativa de que os compromissos de comércio e sustentabilidade até então existentes eram ineficazes e que seria necessário deixá-los mais rigorosos.
Após um longo processo, a Comissão Europeia publicou um comunicado em 22 de junho de 2022 em que se comprometeu a aumentar o rigor dos capítulos de sustentabilidade de seus acordos de comércio, até mesmo usando sanções como último recurso. A UE mudou, com isso, a visão clássica de se opor ao uso de instrumentos punitivos em comércio e sustentabilidade. Essa mudança foi resultado de uma pressão interna e não tem a ver apenas com o Mercosul.
O instrumento adicional criticado por Lula não fala em sanções de maneira explícita. Entretanto o governo interpreta que as metas do Acordo de Paris passariam a ser tratadas como legalmente vinculantes no documento. O governo também teme que sustentabilidade e redução de desigualdades socioeconômicas não caminhem lado a lado no acordo. Pesquisa que coordeno junto a colegas da Fundação Getulio Vargas e da Universidade de Bath (Inglaterra) de fato mostra que as regulações europeias de importação de biocombustíveis têm efeitos pouco animadores sobre a redução de desigualdades socioeconômicas em nível local no Brasil.
Apesar de o governo brasileiro apresentar demandas legítimas, é preciso atenção. Dado que a imposição da UE por cláusulas cada vez mais exigentes em comércio e desenvolvimento sustentável é um desdobramento histórico, a questão não é se o bloco fará exigências ambientais mais fortes, mas sim como as fará. Considerando que a UE já aprovou leis que que se aplicarão às exportações brasileiras, com ou sem acordo, ela pode usar a esfera unilateral para obter ou consolidar concessões na esfera bilateral. As possibilidades estratégicas da UE fazem com que o trabalho dos negociadores brasileiros seja ainda mais complexo e sensível.
Diante desse cenário, como o Brasil pode obter concessões? Uma das respostas está em Genebra. A Indonésia lançou uma disputa na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra as medidas unilaterais de sustentabilidade da UE. Se obtiverem uma decisão favorável, ainda que parcialmente, teremos uma ótima janela de oportunidade para barganhar. No entanto, com a OMC enfraquecida, o resultado pode demorar (Rodrigo Fagundes Cezar é professor da FGV, é coordenador do grupo de pesquisa “Comércio Internacional e Sustentabilidade”; doutor pelo Instituto de Altos Estudos de Genebra, onde estudou a trajetória das exigências de sustentabilidade nos acordos comerciais dos EUA e da UE
Folha, 18/8/23)