Para Ilan Goldfajn, países da Amazônia precisam contar com empréstimos, não apenas doações, para conservação da floresta.
Enquanto chefes de Estado de países amazônicos reunidos pelo presidente Lula (PT) pedem mais recursos para a proteção das florestas, o presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn, aponta uma limitação das doações por parte dos países desenvolvidos e a necessidade de outra estratégia, a cargo dos bancos: multiplicar os recursos.
“Sair dos bilhões para os trilhões” é imperativo, diz Goldfajn em entrevista à Folha, concedida em meio a uma série de anúncios de novas parcerias do BID com governos e bancos durante a Cúpula da Amazônia, que aconteceu na última semana em Belém.
Goldfajn admite a dificuldade de se acompanhar os desdobramentos das iniciativas anunciadas em grandes conferências. Para ele, falta coordenação —algo que o BID se propõe a fazer ao unir atores regionais na implementação dos projetos, por meio do programa guarda-chuva Amazônia Sempre.
Nesta entrevista, ele cita inovações financeiras, como a conversão de dívidas por investimentos na natureza e a possibilidade de serem criados títulos amazônicos, e também conta o que falta para uma reforma dos bancos de desenvolvimento. Uma das tensões que precisa ser resolvida no curto prazo, avalia, é a concorrência de orçamento entre questões sociais e climáticas.
“Se você investe em clima, menos pessoas vão ser deslocadas [por catástrofes], então isso combate a pobreza. Mas, no curto prazo, se você vir o orçamento do Banco Mundial, pela primeira vez teve mais dinheiro para o clima do que para o social, então tem essa tensão”, afirma.
Governos contam com doações, como é o caso do Fundo Amazônia, para financiar a conservação das florestas. Como o banco, através de empréstimos, pode ajudar a combater o desmatamento?
O combate ao desmatamento está ligado a ações para desenvolver toda a região. Então, por exemplo, quando você financia a agricultura familiar, ele [o agricultor] não desmata e trabalha com isso.
A gente tem o programa de desenvolvimento sustentável do Acre, onde você financia desenvolvimento da bioeconomia e manejo florestal de 140 mil hectares, por grandes produtores locais, da comunidade. No Pará, a gente tem o [programa] Descarboniza Pará, com o apoio ao pequeno agricultor, com a estruturação do estado para monitorar e combater o desmatamento.
A maneira da qual a gente vê o combate ao desmatamento é um fortalecimento institucional. No caso da Amazônia, é o fortalecimento dos estados.
E esses programas funcionam como empréstimos, garantidos pela União?
Sim, nesses dois casos, sim. Também há assistência técnica e orçamento não reembolsável, que é relevante para lugares onde você que precisa dar os recursos, porque não há condição de o recurso voltar.
Como o sr. vê o papel dessa modalidade de financiamento para clima?
A gente está calculando as necessidades [globais] para as questões de clima e social. Primeiro falaram em US$ 1 trilhão, agora já subiu para US$ 2,5 trilhões, porque acho que colocaram o social também.
Os empréstimos que a gente tem juntos, se a gente somar tudo, dá [na casa dos] bilhões. De US$ 200 bilhões para US$ 2,5 [trilhões], olha a diferença.
E se você falar “grants” [doações], direto, não reembolsável, é [da casa dos] milhões. Outra magnitude, completamente diferente. Agora, se você quer chegar dos bilhões para os trilhões, você precisa usar o dinheiro não reembolsável de forma inteligente.
O dinheiro do BID é dinheiro dos governos. A gente pode pegar o capital direto e dar o dinheiro. Mas aí você não multiplica os recursos. Você não vai dos bilhões para os trilhões. E o mundo está nessa: precisamos de trilhões.
Então o sr. discorda da avaliação de que a proteção florestal demanda recursos não reembolsáveis?
Eu discordo da tese de que seja só isso. Eu acho que precisa dos dois. A gente precisa sair dessa avaliação sobre o que a gente gostaria. Todos nós gostaríamos de dinheiro não reembolsável.
Para mim, seria mais fácil, só repassaria, faria ainda mais o bem do que eu faço hoje. Até brinco que ao mudar do Banco Central, do FMI [Fundo Monetário Internacional], eu mudei para o lado do bem.
Agora, o BID se coloca no mundo da implementação, para tornar discursos e resoluções [em projetos] com pé no chão. E aí não adianta dizer “vou te dar bilhões não reembolsáveis” porque os governos não têm esse dinheiro. Acabei de ter [reuniões] bilaterais e ouvi: “Olha, tenho guerra na Ucrânia, desculpa, mas não tenho [dinheiro]”.
Agora, você pode fazer um uso inteligente dos recursos, dando incentivos. Tem indicadores? Tem metas? Então vamos fazer o seguinte: se atingir a meta, vamos reduzir o custo do empréstimo, o chamado “step down”. É um uso inteligente dos recursos, você consegue transformar bilhões em trilhões.
Durante a Cúpula da Amazônia, o BID anunciou uma série de iniciativas, como o programa Amazônia Sempre e a Green Coalition, mas conferências internacionais sempre geram anúncios que depois se perdem e ficam sem acompanhamento. O que foi anunciado aqui é uma ideia ou um projeto já com orçamento e prazos?
Tenho a mesma sensação: está faltando foco, está faltando organizar. Por isso a gente criou um programa guarda-chuva, que é o Amazônia Sempre, para organizar a falta de coordenação. Porque tem Fundo Amazônia, tem iniciativa na Colômbia, tem fulano que fez isso. As pessoas fazem. Sai um pouquinho aqui e ali, mas não tem foco.
No Amazônia Sempre, vamos focar em alguns pontos: 1) combate a desmatamento e promoção da agricultura; 2) cuidar das cidades; 3) infraestrutura; e 4) pessoas, comunidades indígenas, sociedade civil. E vamos olhar os exemplos: internet para todos funcionou em tal lugar, vamos fazer. A gente quer sentar com todo mundo e organizar.
O prefeito de Belém [Edmilson Rodrigues, do PSOL], por exemplo, falou que precisa de um escritório [de projetos] para ajudar com a burocracia, porque vai sediar a COP30 [Conferência do Clima da ONU]. Eu falei: é a coisa típica que o BID pode ajudar. Estamos conversando, pensando em ajudar.
Na Cúpula do Novo Pacto do Financiamento, no último junho, na França, ficou claro que países de diferentes blocos concordam com a necessidade de reforma dos bancos de desenvolvimento para atender aos desafios sociais e climáticos. Que reforma precisa acontecer?
O que acho que podemos dizer em que estamos todos alinhados é: vamos todos pensar —bancos multilaterais, governos e agências de classificação de risco— como aumentar os recursos para o clima e o social.
Tem que ser os dois, social e clima, mas às vezes o dinheiro concorre no curto prazo. Concordo que está junto: se você investe em clima, menos pessoas vão ser deslocadas [por catástrofes], combate pobreza.
Mas, no curto prazo, se você vir o orçamento do Banco Mundial, pela primeira vez teve mais dinheiro para o clima do que para o social, então tem essa tensão. Todo mundo tem que pensar em uma forma conjunta de resolver isso…
Significa que ninguém sabe a resposta?
Acho que as pessoas não sabem ainda como arrumar os recursos. Tem várias ideias.
Nós estamos pensando em instrumentos financeiros, como títulos amazônicos. Uma novidade: um título regional —quando, em geral, os títulos são de cada país— ligado a indicadores de sustentabilidade. São os governos emitindo títulos especificamente para os recursos daqui. É uma coisa que queremos trazer para a conversa para atrair recursos. É uma das dimensões do Amazônia Sempre.
Funcionaria como um “green bond” (título verde)?
Vai na linha do “green bond”, que você capta recurso para um objetivo. Aqui o objetivo é [conservar] a Amazônia, só que aqui o objetivo é de um conjunto de países. A gente tem que trazer evidências, para ter credibilidade, atrair investidores e ir de bilhões para trilhões.
Que outras inovações estão sendo gestadas?
Existe toda uma ideia de trocar dívidas arriscadas dos países por dívida boa. E a diferença entre um título arriscado e um novo libera dinheiro.
Quem faz a mágica de trocar esses títulos somos nós. Nós damos a garantia daquele negócio, o setor público dá o seguro do risco político, do risco de garantias. E a diferença entre o título arriscado e o título bom foi, no Equador, por exemplo, de US$ 1 bilhão, para usar em Galápagos [para conservação do arquipélago].
Todo mundo adorou a ideia, a gente está recebendo muitos pedidos de conversão de dívida. É um uso de dois problemas para uma solução. Nós temos muita dívida no mundo e temos o problema do clima. Junta os dois para dar uma solução.
Hoje já existe uma percepção de que o risco climático se converte em risco financeiro?
Acho que sim, já entrou na pauta dos bancos centrais. Os bancos entendem que virou risco financeiro.
Se você emprestou para uma região que inundou, ninguém vai conseguir te pagar. E com a vontade das pessoas de investir em ESG [investimentos com critérios socioambientais e de governança], existe um papel do regulador de não permitir o “greenwashing”, de dizer o que é verde e o que não é verde.
Uma das propostas da OTCA [Organização do Tratado da Cooperação Amazônica] é criar um mecanismo financeiro próprio para implementar projetos na região. Como o BID vê essa possibilidade?
Entendemos que a OTCA é o braço político dos governos, e o BID é o braço econômico e implementador. A gente acha que é a gente que está fazendo isso.
A gente é da região, é o banco mais relevante da América Latina e tem a prioridade de fazer projetos regionais. Quem pode pensar na região é quem tem mandato para isso, somos nós.
RAIO-X
Ilan Goldfajn, 57
Ex-diretor do Banco Central (2016-2019) e do departamento do hemisfério ocidental do FMI (Fundo Monetário Internacional), o economista foi eleito presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em 2022. Nasceu em Israel e se mudou aos 13 anos para o Brasil com a família. É formado em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutor pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) (Folha, 16/8/23)