Ministra afirmou, no Senado, que estudo mais amplo de impacto ambiental foi recomendação, não exigência, do Ibama.
O parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) emitido na última terça-feira (22), na prática, não tem reflexos diretos sobre o licenciamento do poço de petróleo da Petrobras na Foz do Amazonas, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
A advocacia, no documento, conclui que não é obrigatória a realização de uma AAAS (avaliação ambiental de área sedimentar) para a emissão de licença de perfuração no bloco 59 da bacia.
A posição do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais e Renováveis), no entanto, nunca foi de exigência do estudo —que abrange o impacto geral na região, não apenas no bloco em questão—, mas de recomendação, afirmou Marina nesta quarta (23).
A autorização para a perfuração foi negada em maio, quando o órgão ambiental disse haver inconsistências no projeto apresentado. Desde então, a Petrobras submeteu ao Ibama um novo pedido.
Em audiência no Senado, Marina afirmou que a AAAS não é uma condicionante para a liberação da licença e que a avaliação do pedido da Petrobras seguirá critérios técnicos.
“O Ibama nunca disse que era [condicionante]. Disse que é uma ferramenta de planejamento que com certeza ajuda nos processos de licenciamento. Posso fazer com uma lente ampliada, olhando para os empreendimentos da bacia [da Foz do Amazonas]”, disse a ministra.
O parecer da AGU, solicitado pelo MME (Ministério de Minas e Energia), além de declarar que não pode ser exigida uma AAAS para a emissão de licença, sugere ainda a conciliação entre os ministérios para resolver o impasse.
Marina questionou a proposta. “Não existe conciliação para questões técnicas”, criticou.
“Não posso botar numa rodada de conciliação a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para decidir, por decisão política, administrativa, se aquele remédio é tóxico ou não é tóxico. A mesma coisa são os processos técnicos de licenciamento do Ibama.”
Marina destacou que “o Ibama já deu cerca de 2.000 licenças para a Petrobras”. “Se as licenças dadas foram técnicas, as licenças negadas também são técnicas”, completou.
Integrantes do Ibama disseram à Folha, sob reserva, que não houve contato para iniciar qualquer processo de conciliação.
A negativa do órgão citava a realização da AAAS como um fator importante e que poderia solucionar o impasse, mas dizia que o motivo da não liberação eram problemas no estudo de impacto ambiental feito pela Petrobras, especificamente nos pontos que tocam a consulta aos povos indígenas e os efeitos na fauna da região.
Segundo o parecer técnico da área ambiental, o socorro em caso de vazamento de petróleo levaria 43 horas para chegar ao local da perfuração.
No recurso já apresentado ao Ibama, a Petrobras incluiu novas medidas de proteção à fauna e, com isso, entende que cumpriu as condicionantes. Não há ainda, porém, um novo posicionamento do órgão de licenciamento sobre o tema.
A portaria que regulamenta a AAAS, feita há mais de dez anos, não torna o instrumento uma obrigação para os empreendimentos. A avaliação deveria ser realizada pelos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia.
Após o impasse sob a questão da Foz do Amazonas, houve um acordo, feito em reunião com o presidente Lula (PT), para que esse tipo de avaliação se tornasse praxe em empreendimentos de grande impacto, como os relacionados a petróleo, mas até agora não foi posto em prática.
O parecer da AGU foi comemorado na área energética do governo e no setor de petróleo como um reforço na busca por reverter a negativa do Ibama.
“A descoberta de novas reservas é necessária não só para a segurança energética”, afirmou, em nota, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás), que representa as petroleiras com atividades no país.
“Mas também para contribuir com a atração de novos investimentos, geração de empregos, desenvolvimento econômico da região e o recolhimento expressivo de tributos resultado do sucesso das atividades de pesquisa exploratória”, completou.
Guilherme Doval, sócio do escritório Almeida Advogados, especialista em direito ambiental, minerário e comércio internacional, lembra que o parecer reforça entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) e é importante para dar mais segurança jurídica e previsibilidade para o setor.
Ele destaca, porém, que o indeferimento da licença à Petrobras “apontou outras questões além da falta da AAAS, como as deficiências significativas no plano de proteção à fauna, integrante do plano de emergência individual do empreendimento, e de aspectos relevantes relacionados aos impactos sobre comunidades indígenas”.
A WWF, ONG que atua na área ambiental, disse que “vê com preocupação a nova tentativa do Ministério de Minas e Energia de politizar uma decisão técnica sobre a licença solicitada pela Petrobras para a perfuração marítima”.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, o parecer da AGU é preocupante por tentar transformar “uma decisão técnica numa decisão política.
“Já se sabia que a AAAS não é uma obrigação legal. O STF já havia dito isso. Mas o Ibama não recomendou a AAAS porque é obrigatória; ele o fez, porque é importante tecnicamente. O pior é achar que o licenciamento ambiental é um espaço de conciliação de interesses ou de acordos políticos. O licenciamento tem de ser pautado por análises técnicas”, disse (Folha, 24/8/23)