Empresários e técnicos cobram taxonomia nacional a exemplo de UE, China e México; hoje classificação depende de entidades privadas.
A falta de padronização para definir o que é um empreendimento “verde” (ambientalmente sustentável) tem preocupado investidores cujos objetivos são destinar recursos a esse tipo de operação.
Hoje, investimentos que se anunciam como verdes e sustentáveis são certificados por consultorias privadas que têm seus próprios critérios, não uniformes. A necessidade de ter critérios mais firmes para enquadrar quais carteiras e fundos de investimento seguem, de fato, aspectos ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) tem sido uma das principais pautas de reuniões de empresários e investidores comprometidos com a questão ambiental, inclusive com o governo federal.
Um exemplo é o fundo de investimento sustentável mais recentemente lançado no país, segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Da gestora SulAmérica, em parceria com o Itaú, ele foi criado em março e, para conseguir o rótulo “sustentável”, precisou enviar para a Anbima documentos que embasassem a classificação.
A partir daí, a associação analisa os papéis e atesta os argumentos.
Essas informações da SulAmérica, no entanto, se baseiam em um relatório encomendado à KPMG, consultoria privada que classifica empresas conforme práticas ESG. Segundo a KPMG, o levantamento é feito por análise de informações públicas provenientes de relatórios de sustentabilidade, formulários de referência, documentos de governança e de relações com investidores de empresas de 11 setores da economia.
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De acordo com a consultoria, os critérios utilizados são próprios, mas se baseiam em iniciativas internacionais, como a Global Reporting Initiative – privada, mas sem fins lucrativos.
O único órgão público que participa do processo, segundo especialistas, é a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) – ainda assim, de forma indireta. Resolução prevista para entrar em vigor em outubro determina que gestores de fundos de investimentos ambientais, verdes ou sociais devem sinalizar os benefícios de seus investimentos e qual a metodologia adotada.
A norma, porém, não vale para todos os tipos de fundos no mercado. Além disso, segundo a CVM, a fiscalização só é feita a partir de uma denúncia ou, de forma mais ampla, em um relatório bienal sobre os riscos do mercado financeiro.
A lacuna não deslegitima os atuais fundos verdes, como o da SulAmérica, mas dificulta o investidor a entender se aquele produto financeiro realmente é verde como apontado.
Há hoje na Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui a taxonomia ambiental e social. Na prática, se o PL fosse aprovado com o texto original, caberia ao Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) estabelecer quais setores, empreendimentos e tecnologias impactam positivamente e negativamente o meio ambiente.
Entre as grandes potências, União Europeia e China já aprovaram legislação semelhante. Assim como os emergentes África do Sul, Colômbia, México e Rússia.
“O ideal é pegar cada indicador-chave de desempenho da atividade econômica, definir ao menos três parâmetros e aí, sim, classificar aquele empreendimento como mais ou menos verde ou mais ou menos vermelho”, afirma Luciane Moessa, diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) e redatora do projeto, apresentado pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).
Indicadores-chave de desempenho podem ser, por exemplo, o uso de água e energia por setor, emissões de gases de efeito estufa e volume de resíduos produzidos —todos proporcionais à produção da empresa.
O PL está parado na Comissão de Desenvolvimento Econômico. Segundo Zé Silva, há conversas para que ele avance na Câmara em novembro, semanas antes da COP 28, nos Emirados Árabes Unidos.
A criação de uma taxonomia nacional padronizaria os atuais 50 tons de verde, expressão utilizada por especialistas no setor.
“A grande crítica que há hoje no mercado é que não há métrica global que seja aceita por todos e, na medida que a gente consegue ter uma taxonomia que dê conceitos parecidos para indústrias parecidas, todo o mercado ganha. É necessário criar parâmetros semelhantes para falar de coisas semelhantes”, diz Marina Procknor, sócia das áreas de ESG e fundos de investimento do escritório de advocacia Mattos Filho.
No último dia 11, o governo federal lançou o Plano de Transição Ecológica, que busca impulsionar o desenvolvimento baseado em preservação ambiental e combate às mudanças climáticas. Uma das diretrizes do programa é a criação de uma taxonomia nacional.
O governo criou um grupo de trabalho interno, ainda em fase inicial, para debater taxonomia e sua implementação. A iniciativa é coordenada pelo Ministério da Fazenda e têm colaboração do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. É incerto se o governo vai aproveitar o projeto de lei já existente sobre o tema
No final de julho, executivos do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) se encontraram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pediram ao político esforço na aprovação da matéria. “Uma taxonomia nacional vinda de um projeto de lei traria mais segurança jurídica para investimentos. E isso protege a competitividade”, afirma Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do conselho.
Segundo ela, a classificação criada pelo governo atuaria como um guarda-chuva para as consultorias privadas que hoje atestam os impactos de cada empreendimento. Ou seja, essas consultorias utilizariam os critérios estabelecidos pelo Conama —e não por outras entidades privadas— para atestar quão verde é um fundo de investimento.
Processo semelhante foi feito pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) em 2015. Nesse caso, porém, a entidade criou suas diretrizes para medir o grau de sustentabilidade dos créditos concedidos pelos bancos no Brasil. “Com esse diagnóstico, poderíamos pensar nossas ações para direcionar cada vez mais recursos para a economia verde”, diz Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade da Febraban. Os critérios da federação são estabelecidos conforme a Classificação Nacional das Atividades Econômicas, do IBGE.
VOX ESTUDA QUAL CONSULTORIA CONTRATAR
A Vox Capital anunciou nas últimas semanas seu primeiro Fiagro (como são chamados os fundos de investimento em cadeias agroindustriais). A gestora quer captar R$ 500 milhões para comprar entre 15 mil e 20 mil hectares de terras degradadas pela pecuária no Mato Grosso do Sul. A ideia é recuperar a qualidade do solo dessas fazendas a partir da integração entre a criação de gado e a plantação de soja, milho e milheto. Ou seja, utilizar a mesma área para criar gado, depois plantar soja, milho e criar gado novamente —de forma circular.
A taxa de performance do fundo é de 20% sobre o retorno excedente a IPCA + 6% —tal distribuição, porém, estará atrelada à meta de ter pelo menos 70% das áreas produtivas com os sistemas integrados instalados. “A ambição do fundo é 100% ambiental e está preocupada com a saúde do solo”, diz Daniel Brandão, diretor de Impacto na VOX Capital.
Caberá à gestora comprar as fazendas, mas à consultoria Regai filtrar quais áreas atendem os critérios do fundo. Por fim, o trabalho em campo será operado pela Cocamar, cooperativa de Maringá (PR).
Neste momento, a Vox analisa proposta de três instituições —uma universidade, uma organização da sociedade civil e uma empresa— para checar quem será o responsável por analisar se os procedimentos propostos estarão, de fato, sendo seguidos. Esse quarto ator, segundo Brandão, aumentará a transparência do fundo.
Sem uma taxonomia nacional, porém, independentemente da escolhida, os critérios utilizados seguirão desiguais daqueles estabelecidos por outras entidades (Folha, 31/8/23)