Por Maurício Antônio Lopes
A Lei da Conservação de Massa, enunciada no final do século XVIII pelo cientista francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), ficou famosa por ensinar que “na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Significando que elementos que compõem tudo à nossa volta são muito estáveis – não são criados nem destruídos espontaneamente, mas circulam no ambiente. Um átomo de carbono pode passar milhões de anos enterrado como carvão, antes de ser queimado em uma usina e lançado na atmosfera, onde fica décadas, para ser então dissolvido no oceano e absorvido por uma célula de alga, que morta o libera na atmosfera, para novas trajetórias.
A vida envolve obter, utilizar e descartar tais elementos essenciais. Enquanto um organismo está vivo, sua composição química é alterada continuamente, à medida que elementos necessários são incorporados e os resíduos são liberados. Quando um organismo morre, os átomos ligados a biomoléculas retornam a moléculas mais simples, na atmosfera, na água e no solo, alimentando novos ciclos. Baseados na Lei da Conservação de Massa, tais ciclos sustentam equilíbrios refinados por milhões de anos de tentativa e erro, que garantiram resiliência e durabilidade à natureza, e à própria vida na Terra.
A lógica da Lei da Conservação de Massa se aplica a todos os lugares, com sérias implicações para sistemas abertos e altamente alterados, como as cidades, que importam alimentos, combustíveis, água, etc. e exportam produtos manufaturados. Cidades são fontes de grandes quantidades de resíduos sólidos, CO2 e outros poluentes liberados na atmosfera, além de resíduos lançados nos rios e ecossistemas aquáticos. Usualmente operam na lógica de “extrair, usar e descartar”, que se tornou comum em quase todas as economias industriais, que, para atender prioritariamente às demandas humanas, acabam impactando a integridade e o funcionamento dos ecossistemas.
Como as cidades, a agricultura está no cerne deste problema, por ser um sistema aberto, dependente de recursos naturais. Sistemas agrícolas altamente produtivos são essenciais para alimentar a crescente população humana, mas padecem do defeito de terem muitas entradas (energia, fertilizantes, água, defensivos, etc.) e saídas (produtos e resíduos) que usualmente excedem a quantidade de material naturalmente circulando no “ecossistema” ocupado pela agricultura, o que pode levar a sérios desequilíbrios. Além do mais, água, energia e nutrientes são cada vez mais limitantes, o que está também forçando a reinvenção desses sistemas.
A Economia Circular tornou-se um caminho promissor para superar tais desequilíbrios. Restauradora e regenerativa por design, esta nova economia envolve modelos de produção e consumo que priorizam compartilhar, reutilizar, reparar, reformar e reciclar materiais pelo maior tempo possível, estendendo seu ciclo de vida e reduzindo a um mínimo perdas e resíduos.
Modelos circulares de agricultura buscam um alinhamento inteligente à Lei da Conservação de Massa, reduzindo a um mínimo a dependência de insumos externos, permitindo o fechamento dos ciclos de nutrientes e reduzindo descargas de resíduos e emissões para o meio ambiente, recuperando balanços críticos perdidos com a economia convencional.
A agricultura tende a ganhar grande destaque na Economia Circular por ser naturalmente amigável a práticas regenerativas – como rotação de cultivos, plantio direto sem revolvimento do solo, controle natural de pragas e doenças e sistemas mistos ou integrados – com lavouras, pecuária e floresta geridas em sinergia, num mesmo espaço, ao longo de todo o ano. Biomassa oriunda da agricultura já pode ser transformada para reduzir dependência por recursos externos e poluentes. Dela são produzidos insumos e matérias-primas de base biológica, como bioenergia, biofertilizantes, biodefensivos, bioaditivos, compostos bioativos, etc.
Quando se avalia a monumental produção de biomassa em áreas agrícolas tropicais, não é incoerente antecipar as fazendas do futuro incorporando refinarias, lado a lado com lavouras e criações, para transformação desse recurso. O surgimento de biorefinarias acopladas às propriedades agrícolas permitiria o aproveitamento econômico de grandes volumes de biomassa hoje descartados, reduzindo dependência de recursos externos e, mais, contribuindo para a descarbonização das indústrias de energia, química e materiais, que podem gradualmente se libertar de sua dependência do petróleo com matérias primas derivadas da agricultura.
O fato é que a circularidade desponta como caminho viável para a superação dos muitos perigos associados ao uso imprudente de recursos críticos para a vida na terra, que, depois de usados, muitas vezes não podem ser transformados de volta aos seus componentes iniciais.
Embora seja possível reciclar um bloco de concreto, é muito difícil transformá-lo novamente em água, areia, cascalho e cimento. Exemplo simples, que ajuda a refletir sobre muitos processos consagrados pelo paradigma econômico dominante, que exige resultados rápidos e gratificação instantânea, muitas vezes subvertendo leis naturais, produzindo rejeitos e poluição que colocam em risco a saúde do planeta e, no limite, a própria viabilidade da sociedade (Maurício Antônio Lopes, Pesquisador da Embrapa Agroenergia)