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Transição para carro elétrico será longa no Brasil, diz CEO da Renault

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Ricardo Gondo afirma que diferentes tecnologias irão conviver; montadora desenvolve motorização híbrida flex.

A frase escolhida pela Renault para lançar o SUV compacto Kardian é “A mudança que muda tudo”.

Nas entrelinhas, a montadora de origem francesa diz que carros rústicos e pouco rentáveis —como Sandero e Logan— agora são parte do passado. Para o futuro, a chegada de modelos híbridos flex já está confirmada.

Em entrevista à Folha, Ricardo Gondo, presidente da fabricante no Brasil, fala sobre o novo momento da empresa, o programa do governo para a indústria automotiva, a concorrência com marcas chinesas e o desenvolvimento de veículos eletrificados.

A Renault está lançando novos produtos em meio a mudanças na legislação ambiental, que exigem aportes mais altos. Qual a expectativa da montadora para reaver o que está sendo investido?
O mais importante é ter as regras do jogo claras. Já fizemos as adequações dos nossos carros à sétima fase do Proconve [Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores], que começou em 2022.

Teremos a fase 8, e sabemos de tudo o que precisamos fazer ano a ano. Portanto, acho que a primeira coisa é ter previsibilidade, com antecedência, e isso permite fazer investimentos para atender temas regulatórios.

O segundo ponto é o investimento que estamos fazendo em novos produtos. Para o ciclo entre 2021 e 2025, a Renault já anunciou R$ 5,1 bilhões.

Um dos lançamentos é o Kardian, com investimento em uma nova plataforma, um novo motor e um novo carro que é fabricado aqui no Brasil [em São José dos Pinhais, Paraná].

Essa plataforma vai dar origem a modelos híbridos e elétricos?
Sim, é exatamente isso quando falamos de flexibilidade. É uma plataforma que permite ter distâncias entre os eixos diferentes, de 2,6 a 3 metros, e, portanto, possibilita carros de tamanhos diferentes, entre 4 e 5 metros. É possível também ter motores distintos, desde térmicos até eletrificados.

Essa flexibilidade nos permite oferecer automóveis que atendem não só à demanda de mercado, mas também a todos os temas regulatórios que mudarão nos próximos anos aqui no Brasil.

A Renault pretende produzir modelos 100% elétricos no Brasil ou vai oferecê-los apenas como importados?
Nossa visão é que o mercado está indo na direção dos veículos elétricos. Mas acho que a grande dúvida ou discussão que se tem hoje é: quanto tempo levará esse futuro?

Quando analisamos o que está acontecendo na Europa, por exemplo, vemos que a comercialização de veículos elétricos começou em 2012, e a transição vai até 2035.

Se pegarmos dados de 2023 na Europa, metade das vendas ainda é de veículos 100% a combustão interna. A outra metade se divide entre 33% híbridos e 17% elétricos. Acreditamos que, aqui no Brasil, essa transição também vai ser longa e ocorrerá por meio dos veículos híbridos flex.

Muitas vezes se diz que é um ou outro, mas não. Vemos todas as tecnologias convivendo ao mesmo tempo, isso vai acontecer também no Brasil.

Não tenho dúvida de que a primeira tecnologia que já está chegando e que vai acelerar é a hibridização. Em seguida, virão os elétricos, em função da demanda e do volume de escala, e tudo isso vai junto com o desenvolvimento de fornecedores.

É preciso trabalhar com esses fornecedores para ter componentes e desenvolver uma plataforma, um veículo 100% elétrico produzido aqui no Brasil.

Um dos problemas do setor automotivo no Brasil foi justamente a redução do número de fornecedores por causa das crises econômicas recentes e da pandemia de Covid-19. Hoje, com a necessidade de novos componentes, o parque industrial precisa de retomada?
O Brasil tem um parque potente de fornecedores. Nós, na Renault, estamos sempre trabalhando com os fornecedores para aumentar o nosso índice de integração local, ou seja, fornecedores que produzem aqui. É um trabalho contínuo.

Agora, quando falamos de eletrificação, falamos com grandes fornecedores globais da indústria, que, sem dúvida nenhuma, têm capacidade para desenvolver e fornecer aqui no Brasil.

Como o sr. avalia o programa Mover?
Quando comparamos com o último programa, o Rota 2030, vemos que o Mover é bastante positivo. Está incentivando a indústria no desenvolvimento de tecnologias para veículos mais sustentáveis.

As regras ainda não estão totalmente definidas, estão em discussão, mas a Renault vê de forma bastante positiva.

No governo, a maioria dos temas ligados à transição energética está sob responsabilidade do Ministério da Economia, não do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Na sua opinião, como o setor automotivo vê essa configuração?
O Mover saiu no fim do ano passado, há toda uma agenda de neoindustrialização, com programas de crédito para a indústria via BNDES. São pontos positivos e que demonstram que a indústria, via Anfavea [associação das montadoras], está trabalhando bem com o governo brasileiro.

O que falta agora é definir as regras que devem ser publicadas nos próximos meses, mas estamos vendo que toda a indústria automobilística, não só a Renault, está anunciando grandes investimentos no Brasil, e esse é um ponto positivo.

É um segmento que lidera a inovação, que paga salários maiores do que a média e emprega muita gente.

A chegada das marcas chinesas de forma competitiva no mercado nacional preocupa a Renault?
A competição é sempre saudável para toda a indústria, porque todos têm de avançar rapidamente para ser mais eficientes. São mais competidores que estão chegando, e temos de nos adaptar a esse novo mercado, a essa transformação que estamos vivendo na indústria.

Um dos grandes problemas no setor automotivo é a disponibilidade de crédito. Isso tem atrapalhado os planos da montadora?
O mercado de automóveis, historicamente, sempre dependeu do crédito para o cliente. Alguns dados históricos: antes, 30% dos clientes compravam à vista, enquanto 70% sempre buscavam financiamento no mercado.

Nos últimos cinco anos, essa proporção se inverteu. Isso se deve a vários fatores, não só ao poder de compra dos consumidores. Houve também o aumento da taxa Selic, que chegou a 13,75%, mas agora está baixando. Essa redução da taxa básica de juros vai ajudar no financiamento para o cliente final.

No caso da Renault, já nos últimos meses, as compras financiadas representaram 60% das vendas. Sentimos que há disponibilidade de crédito, e acho que sempre teve. O que está ocorrendo agora é uma taxa menor, com inadimplência sob controle.

Os bancos estão aprovando mais financiamentos para os clientes, a proporção está quase no nível pré-pandemia. O Kwid é o carro que, proporcionalmente, depende mais de financiamento do que carros de maior valor.

Sobre carros de maior valor, a Renault já anunciou que vai lançar um SUV de porte médio. Será em 2025?
Ainda não comunicamos o plano, mas é um projeto que já está em curso, os investimentos foram anunciados no final do ano passado. Vai ser um carro produzido no Brasil, na mesma plataforma do Kardian.

Esse modelo já será lançado com versões híbridas?
Estamos trabalhando, já há algum tempo, no motor híbrido para o Brasil.

Em relação aos compactos elétricos lançados pela Renault na Europa, há previsão de algum desses modelos chegar ao Brasil?
Não, hoje não há nada previsto. Continuamos vendendo o Kwid E-Tech e o Megane E-Tech, ambos 100% elétricos, que lançamos no ano passado. Temos também o [furgão] Kangoo, e estamos trabalhando para trazer a [van] Trafic elétrica.

RAIO-X

Ricardo Gondo, 54
Presidente da Renault do Brasil, está na montadora desde 1996. Ocupou o cargo de presidente da empresa para Espanha e Portugal entre 2013 e 2016. Engenheiro mecânico formado pelo Instituto Mauá de Tecnologia, tem pós-graduação em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (Folha, 10/4/24)

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