Diante da perspectiva de aumento da demanda por biocombustíveis, o agronegócio brasileiro terá de contornar os dilemas ambientais envolvidos no processo. Para alcançar um nível de produção de insumos que atenda alimentação e combustíveis, haverá necessidade de aumentar as áreas de plantio. Para que isso seja feito minimizando os impactos, a aposta é de avançar sobre terras já degradadas.
A perspectiva de aumento da demanda se deve ao Projeto de Lei (PL) dos “combustíveis do futuro”, já aprovado na Câmara dos Deputados e agora em tramitação no Senado. O texto prevê, entre os dispositivos, que a mistura de etanol à gasolina poderá alcançar 35%, contra os atuais 27,5%. Quanto ao biodiesel, que representa 14% da mistura do diesel, a partir de 2025 será acrescentado um ponto porcentual de mistura anualmente até atingir 20% em 2030, podendo alcançar 25%. Para ambos os combustíveis, são utilizados insumos agrícolas.
De forma concomitante, a demanda por insumos agrícolas para atender a alimentação também crescerá. Segundo a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO), o País será responsável por 40% da produção mundial de alimentos em 2050 – hoje já produz o suficiente para 20% da população mundial. Para avançar, além da aposta na modernização do campo, o agro chama a atenção para as áreas que podem ser exploradas sem necessidade de supressão de vegetação nativa.
Estudo realizado pela Embrapa, publicado em fevereiro, indica a existência de aproximadamente 28 milhões de hectares de pastagens com níveis de degradação intermediário e severo que apresentam potencial para a implantação de culturas agrícolas. Segundo a Embrapa, se considerar somente o cultivo de grãos, esse montante representaria um aumento de cerca de 35% da área total plantada em relação à safra 2022/2023.
Para garantir que a produção não avance para novas áreas desmatadas, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do PL dos combustíveis do futuro na Câmara, diz que o País já conta com dispositivos oriundos do código florestal, como o cadastro ambiental rural, para mapear as propriedades.
O especialista em Conservação do WWF-Brasil, Ricardo Fujii, alerta que, embora existam, as fiscalizações aos dispositivos do código florestal precisam ser intensificadas. Além disso, cita a necessidade de endurecimento de penalidade para garantir o cumprimento de regras ambientais.
“A própria concessão de crédito, podemos falar do Plano Safra e do crédito por bancos, eles poderiam ser mais cuidadosos para garantir que todos os produtores tenham um cadastro regular. Estamos no caminho certo, mas ainda falta um bocado para dizer que o nosso biocombustível está 100% livre de desmatamento”, afirma.
Biodiesel
Para o biodiesel, a maior pressão deve se dar sobre o cultivo de soja. Apesar de poder ser produzido com outros óleos vegetais e com sebo bovino, a maior parte da produção do biodiesel brasileiro vem do óleo de soja, que representa cerca de 70% da mistura, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Para o diretor de Economia e Assuntos Regulatórios da associação, Daniel Amaral, não há perspectiva de impacto na oferta de óleo de soja. Segundo ele, da produção total, pouco mais de um terço é processada, enquanto o restante é exportado in natura. “Não falta soja, o que falta é uma forma da gente conseguir transformar essa soja in natura em farelo e óleo”, acrescenta. Para isso, ele sugere que se deve encontrar formas de processar a soja do Brasil. “Se a gente consegue fazer B14 com um terço, poderemos fazer muito mais com dois terços”.
Etanol
A produção de etanol no Brasil deve ultrapassar 34 bilhões de litros na safra 2023/24, com a maior parte vindo da cana-de-açúcar, mas com uma crescente contribuição do milho. Do total estimado para essa safra, cinco bilhões de litros devem vir do milho. A expectativa do Banco Citi é de que, nos próximos dez anos, o milho passe a ocupar ainda mais lugar, o que deve aliviar a pressão por plantação de cana.
Já o etanol de milho no Brasil alcançou 6,3 bilhões de litros na última safra, encerrada em 31 de março, e deve ter um incremento de 1,4 bilhão de litros na atual, alcançado 7,7 bilhão de litros, de acordo com informações da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). O aumento já deve ser suficiente para suprir a demanda proposta do PL, que amplia a mistura à gasolina para 30%, segundo o presidente executivo da Unem, Guilherme Nolasco.
De acordo com analistas do Banco Citi, a estimativa é de incremento de cerca de 1,3 bilhão de litros caso o aumento na mistura de etanol anidro na gasolina chegue a 30%, além de um potencial adicional de aumento de aproximadamente 2,2 bilhões de litros caso a mistura de 35% seja aprovada.
“Independente do PL, nós vamos adicionar 1,4 bilhão de litros no mercado [na safra atual]. Já estamos produzindo proporcionalmente para que haja esse volume e isso é fruto do aumento de capacidades instaladas no setor”, disse Nolasco ao Broadcast. Para ele, não haverá a necessidade de expandir a produção porque o Brasil já tem excedentes exportáveis. “A indústria de etanol de milho não vem estimular novas áreas de produção. Primeiro porque é sobre o milho de segunda safra, que é produzido na área em que é cultivada a soja e depois o milho, segundo que a estratégia do setor é agregar valor aos excedentes exportáveis”, explicou.
“A produção de milho e soja no Brasil já são altamente tecnológicas. No Centro-Oeste, por exemplo, quando não há problemas climáticos, tanto o produtor de grãos como de fibras plantam milho como opção de segunda safra (safrinha), opção que já seria aproveitada num cenário de incentivo à produção de biocombustível”, considera a advogada Marilda Rosado, sócia do Rennó, Penteado, Sampaio Advogados (Broadcast, 19/4/24)