Por Paulo Hartung
Há para o País uma janela de oportunidade se houver foco e lançarmos mão de nossas vantagens comparativas.
A mudança é imperativa: ou alteramos as bases de nosso modo de vida, para diminuir as emissões de carbono na atmosfera, ou condenamos as próximas gerações. Não se trata de previsões catastróficas, mas de ciência.
A necessidade de descarbonização da nossa economia é certamente um dos maiores desafios do nosso tempo, mas também uma das maiores oportunidades de inovação e criação de empregos em todos os níveis de atividades. A evolução do conhecimento humano joga a nosso favor, permitindo alternativas sem prejuízo ao potencial produtivo.
Certo é que mudanças de tamanha magnitude e relevância exigem recursos abundantes. Saem na frente aqueles que os detêm. Vimos a China tornar-se em apenas dez anos polo de soluções ambientais, enquanto os EUA e a União Europeia implementam pesados incentivos e elaboradas legislações para seguir na mesma trilha – caso do Inflation Reduction Act e do Green Deal, respectivamente.
Evidentemente, o Brasil não dispõe dos mesmos recursos. Acumulamos dívidas e problemas fiscais, enquanto lidamos com uma infraestrutura deficitária e com vácuo de lideranças. Mas há para o País uma janela de oportunidade se houver foco e lançarmos mão de nossas vantagens comparativas.
Possuímos ativos ambientais notáveis. Abrigamos a maior floresta tropical do mundo. Concentramos 20% da biodiversidade global e 12% de todas as reservas de água doce. Temos um parque de hidreletricidade pujante, vento constante em diversas regiões, boa experiência com biomassa e sol. É preciso aproveitá-los para a produção de energia e produtos limpos.
No entanto, há um dever de casa para nos qualificarmos no tabuleiro da nova economia. Podemos nos tornar um ponto de atração de investimentos para o mercado verde, mas para isso é necessário organizar a casa. Quando falo de foco, preocupam-me alguns pontos de potencial dispersão, em particular em termos de regulamentação – frente que precisamos conduzir com rigor e qualidade superior à dos países na dianteira desse processo.
O primeiro ponto diz respeito a definir as rotas de descarbonização que queremos seguir. O projeto de lei (PL) que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, com suas idas e vindas e penduricalhos descabidos, está na contramão do cuidado e da atenção que precisamos ter para evitar o fracasso desta missão.
É urgente o reconhecimento de que o Brasil tem ganhos com o desenvolvimento simultâneo das duas lógicas de mercado de carbono. Uma é a lógica do mercado regulado, que traz ações custo-efetivas de redução de emissões, habilitando nossa indústria dentro do novo mercado climático global. A outra é a lógica do mercado voluntário, que atrai capital estrangeiro para projetos que protegem e restauram ambientes naturais atrelados a ganhos socioeconômicos. Destaque deve ser dado a este novo canal de financiamento que o mercado voluntário atrai ao País, principalmente para as atividades de restauro ecológico de ecossistemas degradados.
Neste contexto, vemos outros dois projetos que poderiam ser importantes ferramentas regulatórias virarem impasse: o PL Combustível do Futuro, que estimula a produção de combustíveis mais ecológicos, e o chamado Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), cujo texto final foi aprovado em março na Câmara, após a polêmica inclusão do gás natural, de origem fóssil.
Diante do momento crítico em que nos encontramos, incluindo o processo de discussão e a definição de legislações cruciais para o desenvolvimento sustentável, errar a mão tem gravíssimas consequências para o posicionamento do País no cenário global.
De outra sorte, também devemos e podemos aprender com nossos acertos e replicar as boas experiências. Exemplos já temos para iluminar o caminho, com exímios trabalhos do setor privado, como o feito pela Natura no bioma amazônico, ao investir em bioprodutos que respeitam o ecossistema e atendem à demanda do consumidor. Temos, também, uma agroindústria que é referência global por proteger natureza e cuidar das pessoas, enquanto abastece a sociedade com elementos tão essenciais à rotina como embalagens, livros, cadernos, papel higiênico, roupas e remédio – a indústria de árvores cultivadas.
Trata-se de segmento que deu saltos de produtividade e dobrou suas exportações nos últimos dez anos, gerando divisas ao País. O setor planta, colhe e replanta árvores para fins industriais em 9,94 milhões de hectares. Em média, são 1,8 milhão de árvores plantadas por dia. Ponto fora da curva no uso da terra, conserva outros 6,73 milhões de hectares de mata nativa, uma área maior que o Estado do Rio de Janeiro.
Muitas dessas empresas do setor estão substituindo o gás natural, o carvão mineral ou outros combustíveis fósseis por energia originada pela biomassa florestal. Nesse processo, mais de 80% da energia usada pelas plantas industriais têm origem sustentável.
Há muitos outros caminhos que o setor vem seguindo com metas bem estabelecidas para tornar as fábricas totalmente livres de combustíveis fósseis e de aterros para resíduos.
Com foco, com boa regulamentação e com orientação pela bússola dos bons exemplos, o Brasil pode figurar entre os protagonistas globais da impositiva reinvenção do paradigma de desenvolvimento. E ainda pode transformar o que é hoje apenas potencial em efetivo futuro de prosperidade para as atuais e as próximas gerações (Paulo Hartung é economista, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), foi governador do Estado do Espírito Santo; Estadão 2,4,24)