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Brasil vai conseguir ser protagonista global em economia verde?

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Por Luciana Dyniewicz e Beatriz Bulla

A partir de hoje, série de reportagens especiais conta histórias de iniciativas que prometem colocar o Brasil na dianteira da nova economia mundial; ‘Estadão’ viajou ao Sul e ao Norte do País para mostrar em qual estágio estão os grandes projetos brasileiros de transição energética.

O Brasil está diante de uma oportunidade única. A necessidade urgente de o mundo reduzir as emissões de carbono para segurar o aumento da temperatura global – que desencadeou uma transição das tecnologias energéticas baseadas em combustíveis fósseis para as renováveis – dá ao País a chance de criar 6,4 milhões de empregos (o equivalente a 14,6% das vagas com carteira assinada) e aumentar o PIB em US$ 100 bilhões, ou 4,7% do valor atual.

Privilegiado por ter fontes de energia renovável, como água, vento e incidência solar, o Brasil é um dos países que teriam menos dificuldade para zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050 (conforme se comprometeu no Acordo de Paris). Para zerar as emissões, um país tem de remover da atmosfera o mesmo volume de gás carbono que emite. Isso pode ser feito plantando árvores e restaurando pastagens, que absorvem gases, ou adotando tecnologias que capturam os gases e os armazenam no subsolo, por exemplo.

Para o Brasil, é relativamente fácil atingir esse equilíbrio entre a quantidade de gases lançada no ar e a retirada, porque, no País, o grande vilão das emissões é o desmatamento – em grande parte, feito para dar espaço para a pecuária. Se o Brasil zerar a derrubada de florestas, poderá avançar rapidamente e, ainda, se tornar protagonista desse novo mundo, fornecendo soluções a terceiros. O tempo para isso, porém, é curto.

O Estadão viajou ao Sul e ao Norte do País para mostrar em qual estágio estão os grandes projetos brasileiros de transição energética. A partir de hoje, uma série de reportagens especiais conta as histórias das iniciativas que prometem colocar o Brasil na dianteira da nova economia mundial. Histórias para entender o potencial do hidrogênio verde, a convivência entre o agronegócio e a preservação ambiental, a necessidade de uma mineração com o menor impacto possível, o nascimento de um mercado de crédito de carbono, o avanço dos biocombustíveis e o futuro do transporte.

O trabalho de apuração da série foi iniciado no segundo semestre de 2023 e foi financiado, em parte, por uma bolsa da empresa Meta, dentro do Facebook Journalism Project (FJP). As reportagens multimídia envolveram o trabalho de 25 profissionais, oito viagens e mais de cem entrevistas.

Vista da floresta amazônica no município de Parauapebas (PA); País precisa zerar desmatamento para se tornar ‘player’ relevante de um mundo que busca se descarbonizar. Foto Daniel Teixeira-Estadão A conta para a descarbonização brasileira é mais barata graças às suas fontes de energia. Enquanto parte do mundo precisa trocar o carvão por uma fonte limpa, o Brasil já tem 48,5% de sua matriz energética ligada a fontes renováveis, como água e vento. A média no mundo é de 15%.

“Investir em descarbonização no Brasil não é apenas sobre zerar as emissões líquidas, é sobre criar um benefício econômico relevante para o País. Pelas nossas características, temos uma competitividade muito grande nas cadeias para descarbonizar a economia global”, diz Henrique Ceotto, sócio da consultoria McKinsey.

O País pode vender crédito de carbono – uma ferramenta criada para compensar a emissão de gases poluentes, pela qual quem emite muito pode comprar créditos de quem preserva ou recupera florestas. Pode exportar hidrogênio verde, a grande aposta do mundo para substituir o petróleo.

Produzido a partir da água, ele não gera gases e pode ser transformado em amônia (um gás incolor) para ser enviado a outros países em navios.

Pode aproveitar a expertise adquirida com o etanol e explorar matérias-primas como macaúba e soja para vender biocombustíveis no mercado internacional.

Para aproveitar essas oportunidades, no entanto, não basta zerar as emissões, mas ter emissões negativas, isto é, retirar mais gases da atmosfera do que a quantidade emitida. É preciso, por exemplo, preservar florestas, regenerar pastos (que também absorvem carbono), além, claro, de reduzir as emissões.

É no cenário de emissões negativas que os investimentos em energia limpa podem gerar até 6,4 milhões de vagas de emprego e o PIB ganhar US$ 100 bilhões. Na hipótese de o Brasil apenas zerar o quanto emite de carbono, esses números caem para 3,8 milhões e US$ 34 bilhões.

“O caminho para zerar as emissões é sem graça. Aquele que de fato cria uma oportunidade, um motor verde para a economia, é o que o País se torna carbono negativo em 2050”, acrescenta Ceotto.

O Brasil, no entanto, não pode perder tempo. Os países têm uma janela apertada para o tamanho da transformação que precisam fazer. Apesar de a meta global mirar em 2050, parte dos objetivos tem de ser cumprida até 2030 para que a trajetória seja percorrida com sucesso. “Precisamos de marcos no caminho. É fácil colocar um objetivo para 2050. O difícil é chegar lá. Se olharmos os prazos mais curtos, era de se esperar que já houvesse resultados para mostrar”, diz Arthur Ramos, sócio da consultoria BCG.

“O caminho para zerar as emissões é sem graça. Aquele que de fato cria uma oportunidade, um motor verde para a economia, é o que o Brasil se torna carbono negativo em 2050. Nesse cenário, a criação de empregos é muito maior”, afirma o consultor Henrique Ceotto.

Por ora, a conclusão é que, ao menos no Brasil, investimentos e políticas públicas estão atrasados. “O País ainda não tem como alcançar as metas. Não tem um estudo que indique o que cada setor precisa fazer”, acrescenta Ramos. Os especialistas, no entanto, reconhecem que, após um longo período de agenda travada em Brasília, os projetos que alavancam a transição energética ganharam velocidade nos últimos seis meses – embora ainda insuficiente.

Os investimentos na transição energética – que incluem, por exemplo, usinas de hidrogênio verde e de biocombustível – precisam chegar a US$ 165 bilhões por ano no País. Ceotto contabilizava, até setembro de 2023 (último dado disponível), US$ 65 bilhões em projetos, que deverão ser executados durante vários anos. “A ordem de grandeza já diz que estamos atrasados”, acrescenta o consultor.

Sócia da consultoria Bain, Daniela Carbinato pondera que a maior parte das grandes economias deu tração à transição nos últimos anos, mas que todos têm consciência de que é preciso acelerar as mudanças. “Nenhum país está onde gostaria. Executivos de empresas de energia mostram desconforto com a velocidade.”

Floresta amazônica no Pará; 95% das iniciativas que Brasil pode adotar para reduzir uma tonelada da emissão de gases custam menos de US$ 20. Foto Daniel Teixeira Estadão

Carbinato destaca que companhias privadas de setores que passarão por uma transformação disruptiva, como as de energia e as de cadeias que geram muito carbono, caso das siderúrgicas, estão trabalhando ininterruptamente em soluções que permitam a sobrevivência de seus negócios. “Elas enfrentarão mudanças muito complexas e o retorno dos investimentos, além de ser de longo prazo, tem um grau de risco elevado.”

No geral, porém, as companhias ainda dependem de um arcabouço regulatório claro para definir suas estratégias. É o caso das empresas de hidrogênio verde. Elas defendem a concessão de subsídios para tirar suas usinas do papel, sob argumento de que a alta demanda de energia para produção de hidrogênio pode tornar os investimentos financeiramente inviáveis se não houver algum desconto na tarifa.

Por ora, há dois projetos de lei sobre o tema que tramitam no Congresso.

Cada um prevê diferentes incentivos, o que traz indefinições ao setor.

Senadores e deputados articulam a fusão dos dois textos, que foram elencados entre as prioridades do governo federal na mensagem enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura do ano legislativo, em fevereiro.

Segundo a subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, a agenda de transição energética é prioridade para o governo e o fato de alguns projetos terem sido aprovados pelo Congresso no primeiro ano do governo é motivo para comemorar. No fim de 2023, por exemplo, a Câmara dos Deputados aprovou o PL que regulamenta o mercado de carbono. Como o texto sofreu alterações, porém, precisou voltar para o Senado – por onde já havia passado.

“No governo passado, houve um retrocesso no entendimento da emergência climática. Quando o governo Lula começou, havia o desafio de reconstruir isso. Acredito que a parte mais importante dos PLs já está no Congresso e a expectativa é que tudo seja pautado ainda no primeiro semestre deste ano, inclusive o texto do mercado de carbono. Temos urgência”, diz Reis.

“Esse PL foi protocolado em agosto e já voltou ao Senado. É rápido, se você considerar como costuma funcionar o Congresso”, acrescenta.

A Europa saiu na frente na regulamentação. Lá, regras já foram definidas e têm norteado os agentes privados. Entre as políticas adotadas estão a obrigação para que, após 2035, carros novos tenham emissão líquida zero e um pacote de € 86 bilhões (cerca de R$ 455 bilhões) para ajudar cidadãos e pequenas empresas a reduzirem suas emissões. Os EUA vieram logo depois, dando financiamentos às companhias envolvidas na transformação, e a China, posteriormente.

“A China começa a dar alguns passos, mas de forma menos abrangente quando comparada com a União Europeia, que consegue conectar todas as políticas. Já o Brasil está começando isso só agora”, diz Carbinato. Foi no ano passado que o governo elaborou o Plano de Transição Ecológica.

Segundo levantamento do Fórum Econômico Mundial, o Brasil hoje está no 14º lugar no ranking dos países que lideram a transição energética, uma lista encabeçada por Suécia, Dinamarca e Noruega. Em parte, a boa colocação do País é mera consequência do fato de as fontes de energia já serem renováveis – há décadas o território brasileiro é abastecido principalmente pela geração proveniente das usinas hidrelétricas.

Primeiro entre os emergentes na lista, o Brasil tem perdido para alguns quando a evolução dos últimos anos é analisada. Entre 2014 e 2023, o País avançou 4,61 pontos no “Índice de Transição Energética” do fórum, atingindo uma “nota” de 69,9, enquanto países como China e Índia ganharam, respectivamente, 12,78 pontos e 7,97 pontos. Hoje, o índice chinês é de 64,9 e o indiano, de 54,3.

“Embora o Brasil tenha feito progressos na criação de um ambiente robusto propício à transição energética (…), é necessário mais esforço para oferecer um ambiente político estável apoiado por metas ambiciosas para acelerar a transição. O principal desafio do governo é estruturar as políticas públicas necessárias para colocar o país como líder mundial em energia limpa ao mesmo tempo em que aproveita seus significativos recursos de óleo e gás”, diz o relatório do Fórum Econômico Mundial.

‘Net zero’, captura de carbono, SAF, descarbonização da economia:

Entenda os conceitos e as tecnologias da transição energética A transformação energética traz uma série de novas tecnologias para o nosso dia a dia. Muitas delas pouco conhecidas e com diferenças que podem parecer sutis na comparação com produtos mais populares (como o etanol de segunda geração e o etanol), mas que não o são. Para te ajudar a navegar nesse novo mundo, o Estadão preparou um glossário.

• BIOCOMBUSTÍVEL: Os biocombustíveis são fabricados a partir de matéria orgânica, tanto de origem vegetal (como a cana-de-açúcar, a soja, o milho e o girassol), como animal (sebo bovino, por exemplo). Eles são considerados menos poluentes que os fósseis, em grande parte, porque sua produção envolve o cultivo de plantas. Um exemplo é o etanol, fabricado a partir da cana-de-açúcar. Quando os cientistas calculam as emissões de um carro movido a etanol, todo o ciclo de vida da fonte de energia é contabilizado, o que inclui a cana que, quando estava plantada, retirou gás carbônico da atmosfera.

● CAPTURA E ARMAZENAMENTO DE CARBONO: É uma tecnologia que permite a remoção de partículas de gás carbônico que estão no ar. Tem como objetivo diminuir o impacto das emissões de carbono na atmosfera, principalmente nos processos industriais. Para isso, a tecnologia captura e separa o carbono de outros gases, além de transportá-lo até um local adequado. Para armazenar de forma correta, o CO2 precisa ser depositado em locais como aquíferos profundos ou cavernas.

● CÉLULA DE COMBUSTÍVEL: É um dispositivo eletroquímico que converte a energia do hidrogênio em energia elétrica. É uma espécie de bateria, onde o fornecimento contínuo de energia proveniente dos gases a faz funcionar. Assim, não ocorre combustão e, consequentemente, não há emissão de gases de efeito estufa.

● COMBUSTÍVEL FÓSSIL: São os combustíveis não renováveis, ou seja, recursos finitos na natureza, que foram formados há milhares de anos a partir de restos de animais e vegetais. Estão incluídos nessas fontes o carvão mineral, o gás natural, o petróleo e seus derivados, como o óleo diesel e a gasolina. A queima de combustíveis fósseis gera gases poluentes, como o dióxido de carbono (CO2), substância que contribui para o efeito estufa e para o aumento da temperatura da Terra.

● DESCARBONIZAÇÃO: É a substituição de atividades econômicas que emitem carbono por atividades “limpas”. A descarbonização passou a ser um objetivo em todo o mundo porque o carbono tem elevado a temperatura do planeta. Para conseguir atingi-la, países precisam trocar fontes de energia fósseis (que emitem carbono) por renováveis, como solar e eólica. No caso do Brasil, é preciso, principalmente, acabar com a destruição das florestas. Isso porque as queimadas liberam gases de efeito estufa. Além disso, são as plantas das florestas que retiram do ar o carbono emitido por indústrias e carros.

● EMISSÃO LÍQUIDA DE CARBONO ZERO (‘NET ZERO’): Zerar as emissões líquidas de carbono ou ser carbono zero é quando um país ou uma empresa consegue neutralizar todas as suas emissões com a remoção de carbono da atmosfera. Para isso ser atingido, é necessário reduzir ao máximo as emissões (deixando de usar carros movidos a gasolina, por exemplo) e retirar da atmosfera o restante de carbono. A captura desse carbono que sobrou pode ser feita plantando árvores, por exemplo. Entre as práticas que ajudam a zerar a emissão líquida de carbono estão o uso de energias renováveis, como a solar e a eólica, e a diminuição do desmatamento.

● ETANOL: Produzido através da fermentação de amido e de outros açúcares, em especial da cana-de-açúcar, o etanol é um biocombustível amplamente usado em automóveis no Brasil. Ele é considerado um combustível mais limpo do que a gasolina, pois compensa as emissões de gás carbônico – liberado através da queima no motor – durante o próprio ciclo de produção. Isso acontece porque a cana-de-açúcar do qual é extraído retira o CO2 da atmosfera e o converte em oxigênio.

● ETANOL DE SEGUNDA GERAÇÃO: O etanol de segunda geração (também chamado de etanol 2G) é um biocombustível produzido a partir dos resíduos do processo produtivo do etanol de primeira geração, como a palha e o bagaço da cana-de-açúcar. Esse tipo de combustível tem um papel relevante na sustentabilidade, pois permite aumentar os ciclos produtivos de culturas agrícolas ao utilizar como matéria-prima resíduos do próprio plantio.

● HIDROGÊNIO VERDE: O hidrogênio verde é uma das grandes apostas dos especialistas como combustível do futuro. Para conseguir o hidrogênio, seus átomos precisam ser desacoplados de outros elementos nos quais estão presentes – como na água ou nos combustíveis fósseis. A forma como essa separação é feita determina a sustentabilidade da substância, pois é um processo que exige um alto consumo de energia elétrica. No caso do hidrogênio verde, a energia utilizada precisa ser oriunda de fontes renováveis, como eólica ou solar. O Brasil tem potencial para produzir e exportar o hidrogênio. Quando for enviar para outros países, o mais provável é que seja transformado em amônia antes de ser transportado. Isso porque, em forma de gás, o hidrogênio é altamente inflamável. Após ele ser transportado e chegar ao destino de consumo, deverá ser transformado, novamente, em hidrogênio.

● SAF: É a sigla para Sustainable Aviation Fuel (combustível de aviação sustentável, em português). É produzido a partir de matéria orgânica, tanto de origem vegetal (como cana-de-açúcar, milho e palma, entre outras), como animal (sebo bovino). Pode reduzir as emissões de um voo em até 80% (Estadão, 8/4/24)

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