Estudo aponta que modernização do sistema auxilia produtor e dá mais sustentabilidade à agricultura.
A falta de previsibilidade do clima e o aumento de frequência de eventos extremos resultam em perdas econômicas expressivas para os produtores. O setor agropecuário está exposto cada vez mais a efeitos naturais, e as mudanças climáticas exacerbam os riscos na produção.
Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em 2021 a produção de milho do país ficou 20 milhões de toneladas abaixo do potencial inicial, devido a efeitos climáticos, principalmente geadas. No ano seguinte, foi a vez da soja, que teve uma quebra semelhante na produção, também provocada por efeitos climáticos.
Essa nova realidade climática e a transição para uma produção de baixo carbono exigem uma adequação e aperfeiçoamento de políticas para o setor. São necessários instrumentos de financiamentos adequados para a viabilização de investimentos frente aos riscos envolvidos.
Diante desse quadro, pesquisadores do CPI (Climate Policy Initiative), filiado à PUC do Rio, avaliaram a importância do seguro rural no Brasil e a necessidade de aperfeiçoamento desse instrumento para o setor.
Na safra 2021/22, as indenizações foram o dobro da arrecadação, conforme dados da Susep (Superintendência de Seguros Privados). As indenizações somaram R$ 11,4 bilhões, e o valor do prêmio, R$ 5,1 bilhões. Em 2022, as seguradoras e resseguradoras gastaram mais com indenização do que obtiveram com os prêmios arrecadados.
Com isso, o custo do seguro aumenta e a oferta diminui, reduzindo ainda mais o acesso dos produtores que não podem arcar com custos elevados.
Os pesquisadores do CPI tomaram como base de estudo a soja, principal lavoura do Brasil e produto que vem avançando por todas as regiões do país.
Para este ano, as estimativas da Conab indicam produção de 151 milhões de toneladas da oleaginosa e exportações de 92 milhões. O Brasil lidera a produção e a exportação mundiais.
Produtores e seguradoras devem estar preparados para uma adaptação aos efeitos do aquecimento global, alertam os pesquisadores. O efeito é gradual, mas as variações já são sentidas. Em 2022, o valor total das indenizações do seguro rural foi de R$ 8,8 bilhões, mais do que o arrecadado em prêmios.
Para identificar o cenário atual, os pesquisadores investigaram as variáveis climáticas mais relevantes, identificaram as regiões com maior exposição ao risco e avaliaram a distribuição do seguro pelo país.
O seguro é restrito e com forte concentração nas regiões Sul e Centro-Oeste. A soja avança, contudo, pela região denominada Matopiba (Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia), mas o seguro não acompanha.
Em 2010, a região do Matopiba era responsável por 10% da produção de soja. Uma década depois, essa participação subiu para 14%. Nesse mesmo período, o número de municípios que produziam soja no país subiu de 1.800 para 2.388. Mas, em 2018, cerca de mil municípios não tinham seguro para a soja.
A produção brasileira de grãos é pouco segurada, e há uma concentração em algumas culturas. A soja se destaca com 30% das apólices e com mais da metade do valor dos prêmios pagos em 2018, segundo a Susep.
Conforme o estudo, a região o Sul concentra 60% das apólices voltadas para a soja e 43% do valor do prêmio, além de 37% do valor da produção entre 2006 e 2018.
Para entender os efeitos do clima nos anos recentes, os pesquisadores levantaram os fatos mais relevantes para explicar as perdas na produção agrícola com base em dados de 2006 a 2018 da Susep.
O modelo seleciona as variáveis nos meses mais importantes para explicar as perdas, indica o número de apólices com sinistro e o valor das indenizações.
Na região Sul, por exemplo, o modelo selecionou variáveis climáticas no segundo semestre, que coincide com o plantio da soja. No Centro-Oeste, o pico das variáveis ocorre no primeiro semestre, devido à colheita.
O estudo aponta que, diante da nova realidade climática, é fundamental que as seguradoras adotem modelos mais elaborados na expansão da cobertura de seguros para as quais o histórico de sinistros é restrito.
Entre as recomendações dos pesquisadores para um aperfeiçoamento das políticas públicas está a de uma atuação em múltiplas frentes. A articulação deve ser entre o poder público e o setor privado.
Para Priscila Souza, gerente sênior de pesquisa do CPI e coordenadora do estudo, o governo deve estimular a expansão do seguro rural, investindo no PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), reduzindo o custo de aquisição das apólices, aprimorando o Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático) e fortalecendo o mercado de resseguros no Brasil.
Em um cenário de maior risco, as resseguradoras se tornam cada vez mais importantes, acrescenta ela. Além de Priscila, participaram do estudo Mariana Stussi e Wagner Oliveira.
A implementação de políticas públicas para a expansão do seguro rural é importante não apenas para a proteção dos produtores e para o desenvolvimento do setor, mas também para a evolução de uma agricultura sustentável e para a redução de gases de efeito estufa, segundo os pesquisadores (Folha de S.Paulo, 7/3/23)