Empresário encaminhou carta ao ministro de Minas e Energia para informar decisão.
O ministério de Minas e Energia confirmou na noite nesta segunda-feira (4) que o empresário Adriano Pires desistiu de assumir a presidência da Petrobras.
O ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) recebeu uma carta de Pires em que ele informa a desistência. A informação foi antecipada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.
“Ficou claro para mim que não poderia conciliar meu trabalho de consultor com o exercício da presidência da Petrobras. Iniciei imediatamente os procedimentos para me desligar do Centro Brasileiro de Infraestrutura, consultoria que fundei há mais de 20 anos e que hoje dirijo em sociedade com meu filho. Ao longo do processo, porém, percebi que infelizmente não tenho condições de fazê-lo em tão pouco tempo”, afirmou Pires em carta divulgada pelo ministério no início da noite.
Mais cedo, interlocutores da pasta afirmavam que o ministro ainda buscava um plano B para a possível negativa de Pires.
A decisão do economista cria um impasse para o governo, que tem menos de dez dias para conseguir um substituto para presidir a Petrobras.
Na prática, apesar de a troca ter sido anunciada, ela só ocorreria no próximo dia 13, na assembleia geral de acionistas da empresa, quando o governo apresenta sua lista de representantes ao conselho.
Em nota, a estatal confirmou que recebeu dois ofícios do Ministério de Minas e Energia sobre as desistências de Pires e Rodolfo Landim —que havia sido indicado pelo governo para presidir o conselho da companhia—, e que não recebeu informações sobre os nomes substitutos.
A turbulência fez as ações preferenciais da Petrobras, as mais negociadas na Bolsa, recuarem 0,88% nesta segunda, puxando o mercado para baixo.
Esta será a terceira troca no comando da empresa durante a gestão Bolsonaro, e ocorre em um momento especialmente sensível.
Com a desistência de Adriano Pires, o ministro Paulo Guedes (Economia) tenta emplacar o nome de um auxiliar para o comando da Petrobras: o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Mario Paes de Andrade.
A equipe econômica havia ficado descontente pelo fato de o empresário, primeira indicação de Bolsonaro para chefiar a companhia, defender propostas às quais Guedes se opõe, como um fundo de estabilização de preços de combustíveis, bancado com recursos federais.
O secretário é tido como um nome de confiança do ministro e é bem avaliado pelas entregas na área de digitalização dos serviços do governo.
Segundo uma fonte do governo, Paes de Andrade está sendo sondado para o posto. Nos bastidores da Economia, há a avaliação de que, embora ele não tenha experiência no setor de óleo e gás, o atual secretário não deve ter impedimentos para cumprir a nova função.
Integrantes do Palácio do Planalto, contudo, veem com reserva a indicação de Paes de Andrade para a vaga.
Em outro momento, Guedes já havia tentado emplacar o nome de seu auxiliar, sem sucesso. No entanto, palacianos admitem que pode pesar a seu favor a ausência de outros nomes em tempo hábil para a aprovação na assembleia a ser realizada no próximo dia 13 de abril.
Após o mega-aumento no preço dos combustíveis, o general Joaquim Silva e Luna entrou na mira do presidente Jair Bolsonaro (PL), preocupado com a alta de preços e seu efeito inflacionário.
O tema dos combustíveis é considerado um dos mais importantes para Bolsonaro desde o ano passado, e se agravou com a guerra na Ucrânia. Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, ele busca sua reeleição em outubro.
A palacianos, o economista alegou potencial conflito de interesses para justificar sua desistência.
Um dos principais entraves para a nomeação é o fato de Pires ser dono do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), fundado pelo economista, que hoje preside a companhia, tendo o seu filho como sócio e diretor da empresa.
O problema é que, pela Lei das Estatais, Pires não poderia simplesmente deixar a empresa e vender as cotas para o filho porque o parente continuaria sendo acionista.
Ou seja, para assumir a presidência da Petrobras, não só Pires, mas também seu filho deveria abrir mão da empresa —o que ele não quer.
Por outro lado, segundo aliados do Planalto, Pires também estaria preocupado com eventuais intervenções na estatal, a depender do momento político.
Como a Folha mostrou, o indicado para substituir o general Joaquim Silva e Luna tem forte ligação com Carlos Suarez, dono da Termogás, que controla distribuidoras de gás encanado em regiões ainda não atendidas por gasodutos, como o Distrito Federal. Também ficou mais conhecido com o S da OAS, que ajudou a fundar e da qual depois se desligou.
Na última sexta-feira, o Ministério Público do TCU (Tribunal de Contas da União) entrou com uma representação solicitando apuração da CGU (Controladoria-Geral da União) e da Comissão de Ética sobre possível conflito de interesse, devido à sua atuação no setor. A peça sugere ainda que ele só seja indicado após a conclusão do caso.
O procurador Lucas Furtado também diz ao tribunal para apurar eventual ingerência do governo na Petrobras com a troca no comando da estatal.
O Comitê de Pessoas da Petrobras, responsável por analisar as nomeações para a alta administração da estatal, também viu possível conflito de interesses na indicação de Pires para presidir a companhia.
Diante das suspeitas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), saiu em defesa de Pires nesta segunda. “A pauta da imprensa e talvez do Ministério Público é condenar o possível presidente da Petrobras, porque prestava assessoria a um grupo empresarial. Se eu sou da atividade privada, eu não posso trabalhar para nenhum grupo empresarial? Eu não posso prestar serviço?”, questionou.
“Quer dizer, você tem que pegar um funcionário público para ser diretor da Petrobras? Ou pegar um arcebispo para ser diretor da Petrobras?”, continuou Lira. “Não, você tem que colocar alguém que entenda de petróleo, alguém que entenda de gás, alguém que entenda do setor, que vá ser julgado dali para frente das ações.”
Segundo presidente da Câmara, a situação evidencia um “falso moralismo, um julgamento precipitado” nas ações que só atrapalham o país.
A sinalização de Pires de que não quer comandar a companhia ocorre pouco mais de 24 horas depois de o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, desistir de presidir o conselho de administração da companhia, alegando que precisa se dedicar ao comando do clube.
Quem acompanha o setor de óleo e gás, porém, avalia que há outras razões.
Em 2021, Landim foi denunciado pelo Ministério Público Federal por suposta gestão fraudulenta de investimentos que teria provocado perdas a fundos de pensão dos empregados da própria Petrobras, da Caixa e do Banco do Brasil.
É certo que seria questionado por isso na assembleia que avaliaria a sua indicação, e ele teria desistido temendo a reprovação de seu nome.
Nesta segunda-feira (4), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse “estar sem luz” sobre a crise gerada com a troca de comando da Petrobras.
Responsável pelas nomeações da área econômica no início do governo, ele já havia afirmado não ter participado da escolha de Adriano Pires para presidir a companhia.
A declaração de Guedes foi dada após almoço promovido pelo grupo Voto em um hotel na zona sul do Rio de Janeiro. Ao entrar no carro, a imprensa pediu que ele “desse uma luz” sobre o que está acontecendo na estatal (Folha de S.Paulo, 5/4/22)