Fabricantes desenvolvem projetos e parcerias para melhorar sinal de internet no campo.
Oferecer máquinas agrícolas com tecnologia cada vez mais sofisticada não é suficiente para que fabricantes aproveitem o potencial do setor no Brasil: é preciso também ter condições para transmitir de forma instantânea os dados até a central de controle, o que não é possível na maioria das propriedades rurais brasileiras.
A conexão de internet no campo avançou nos últimos anos —os próprios fabricantes se uniram e criaram uma associação para levar o sinal à zona rural e áreas remotas—, mas 73% das propriedades ainda não estão conectadas, segundo o Ministério da Agricultura e a associação ConectarAgro.
Onde não há conexão disponível, gestores perdem eficiência, tempo e dinheiro, por não conseguirem tomar decisões mais qualificadas e de forma imediata —a tecnologia atual permite ter em tempo real todas as informações sobre a operação do equipamento e das condições do solo e do clima.
Investir na conectividade tem como objetivo vender mais, de planos telefônicos a máquinas, mas também permitir ao comprador usufruir do que ele efetivamente adquiriu.
“[O setor] estava numa encruzilhada muito forte, com máquinas cada vez mais digitais, mas inseridas em ambientes agrícolas onde a conectividade não existia. De 22% a 23% da área agrícola era coberta [em 2019] com conectividade não adequada para o que precisamos fazer”, disse Gregory Riordan, presidente da associação ConectarAgro e diretor de tecnologias digitais da CNH Industrial para a América Latina.
“São máquinas com condições de diagnosticar tudo, e suas funcionalidades exigem no mínimo o 4G que a gente tem nas grandes cidades.”
A ConectarAgro nasceu em 2019 em parceria entre empresas que, mesmo concorrendo em alguns segmentos, têm o objetivo de levar a conexão aberta a áreas rurais. Qualquer usuário que passe pelas estradas rurais cobertas pelo sinal da TIM, que integra o grupo, poderá usar seu smartphone para conexão, o que beneficia comunidades no entorno das antenas.
Administrador de duas fazendas em Mato Grosso do Sul, Carlos Alberto Mendonça estava observando o estande da associação na Agrishow e disse querer levar o sistema para as lavouras de grãos em que trabalha.
“É difícil não conseguir ter os dados do campo na mesma hora em que são coletados. Até tem internet em um ou outro ponto das fazendas, mas quando entra em lugar sem sinal, ficamos no escuro.”
O custo, para ele, é condizente com o benefício. “A ideia é a gente comprar em parceria com vizinhos, de repente alguns custos ficam menores. Certo seria não ter esse custo.”
Formada inicialmente por AGCO (Massey Ferguson e Valtra, por exemplo), TIM, Bayer, CNH Industrial (New Holland e Case), Jacto, Nokia, Solinftec e Trimble, agora a ConectarAgro conta também com outras 22 associadas, como Basf, Energisa, Yara, Agrotower e Farmers Edge.
O formato para tentar resolver o problema no campo foi aproveitar o desligamento do sinal da TV analógica no país. As empresas desenvolveram um sistema de conexão 4G em uma faixa de frequência de 700 MHz, que era a utilizada pela TV.
A frequência tem como vantagem não ter restrições geográficas, o que permite que o sinal atinja uma área de até 35 mil hectares com uma única antena. O custo para instalação é variável devido ao relevo do local, por exemplo, mas vai de um quarto a meia saca de soja por hectare —de R$ 45 a R$ 95, em média.
Desde o lançamento do programa, foram conectados 6,2 milhões de hectares, o que elevou o total do país para 27%. A meta inicial era atingir 13 milhões de hectares, mas a pandemia da Covid-19 dificultou a expansão.
Como a área plantada no país chega a 83,4 milhões de hectares, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ainda há um enorme caminho a ser percorrido.
As áreas rurais mais cobertas estão nos estados com mais assinantes de telefonia, mas mesmo São Paulo, o mais populoso, ainda tem locais sem conexão.
A frequência de 700 MHz não é exclusiva da TIM. Quando houve o leilão da internet 4G, em 2014, Claro, Vivo e Algar também obtiveram direito de operar a faixa.
“Nos últimos anos, nossos tratores, colheitadeiras, pulverizadores e demais equipamentos passaram a incorporar recursos de conectividade e automação, mas sabemos que ainda há um grande caminho nesse sentido”, disse Alexandre Vinicius de Assis, diretor de vendas da Valtra.
O sinal aberto da ConectarAgro, segundo a associação, beneficiou mais de 600 mil pessoas de 220 cidades em oito estados.
O projeto não é o único em andamento para fazer com que os dados obtidos no campo com as máquinas sejam analisados em tempo real pelos produtores.
A John Deere apresentou comercialmente em 2019 um programa que consiste na instalação de torres de transmissão de acordo com a necessidade de cada produtor, o que permite conexão mesmo em locais onde as operadoras móveis não alcançam.
A proposta foi seguida por uma parceria com a Trópico, empresa dedicada ao desenvolvimento, produção e distribuição de equipamentos de telecomunicações.
No fim de 2020, a operadora Claro e a fabricante anunciaram colaboração para levar a conectividade e a agricultura 5.0 ao campo brasileiro, a partir de modelo no qual o produtor não precisa fazer investimentos próprios em infraestrutura de telecomunicações.
Segundo a John Deere, cerca de 200 mil hectares estão conectados por meio da parceria, com 1,5 milhão de hectares em processo de instalação e outros 6 milhões de hectares prospectados.
“As transformações digitais e ambientais precisam ser incentivadas para aumentar a produtividade do agronegócio brasileiro e, portanto, gerar emprego e abrir um espaço enorme à inovação e ao empreendedorismo”, disse o diretor de vendas da John Deere Brasil, Marcelo Lopes.
A solução, chamada Campo Conectado, permite gerar, cruzar e tratar dados por meio de análise, autoaprendizado das máquinas (machine learning) e inteligência artificial para a tomada de decisões em tempo real (Folha de S.Paulo, 16/4/22)