Por Vinicius Torres Freire
Notícias de verão tórrido do Norte falam de crise climática, mas falta consciência do desastre.
A primeira semana de julho teve os dias mais quentes de que se tem registro na história, uma medida lá não muito precisa, mas que diz algo sobre a que fim chegou o nosso tempo. Chegam mais números do calor. O Hemisfério Norte torra outra vez no verão, com um El Niño. Fala-se de aquecimento global, de crise climática, embora a maioria de nós reaja como passantes diante de um acidente de trânsito horrível, mas que será esquecido no dia depois de amanhã.
No Canadá, desde a primavera o fogo já levou uma área que equivale a duas vezes e meia a do estado do Rio de Janeiro. Alguns de nós soubemos disso por causa da notícia da nuvem de fumaça em Nova York. Em Phoenix, Arizona (EUA) fez mais de 43,3º por 19 dias seguidos. Conta-se que governos da metade norte do planeta abrem prédios com ar condicionado a fim de aliviar o calor, que os chineses dizem que suas cidades se tornaram saunas, que escolas fecham, que a Europa do frio da nossa imaginação tropical torra de novo.
Mesmo estatísticas enormes parecem causos, dada a dimensão da crise climática. No ano passado, morreram mais de 66 mil pessoas no verão europeu, diz estudo publicado na revista “Nature Medicine” neste mês. No verão de 2003, foram mais de 70 mil, quase 15 mil na França, a maioria idosos, de resto meio largados —vamos parando de cuidar de nossos velhos, a civilização decai. Houve quebra de safras.
Não é preciso que seja verão, Nova York ou Europa. Nossos vizinhos vivem a pior seca em 60 ou 70 anos (como ocorreu em partes do Brasil na última década). A seca torrou as plantações da Argentina e piorou ainda mais a crise econômica. No Uruguai, aqui causou sensação a distribuição água salobra pelas torneiras, por falta de alternativa; lá, causou protesto de rua.
Quando vai ser que uma combinação de crise climática e azares regionais provoque uma quebra de safra global, de soja, de milho, de trigo; morticínio de rebanhos? Fome? Nos países esquecidos do mundo, os pobres, já acontece. Em parte, essa desgraça é um fator das “crises de refugiados”.
A desproporção entre o tamanho do problema e a nossa vidinha curta e, no varejo, em geral impotente talvez dificulte a apreensão do que se passa e do que é preciso fazer. A indiferença científica, reforçada pelas redes sociais de ignorância, pelo menos desde 2010, não ajuda. Mesmo a maioria de nós que não é negacionista olha para o que se passa como “evidências anedóticas”, “fait divers” ou causos diante de um pano de fundo sombrio e gigante, mas distante.
Os governos do mundo rico não prestaram atenção aos alertas que seus próprios departamentos de pesquisa e inteligência produziram sobre o risco enorme e próximo de uma epidemia causada por um vírus respiratório. Veio a Covid.
Em outubro de 2019, o Departamento de Saúde dos EUA relatava uma simulação de como as autoridades americanas reagiriam a uma epidemia de gripe vinda da China. Pois é: reagiriam com a confusão que se viu, faltariam equipamentos e morreriam centenas de milhares. Havia alertas sobre o problema que seria a falta de coordenação internacional. Como se viu, países ricos disputaram no tapa luvas e máscaras escassas, um vexame tétrico.
“As emissões antrópicas de gases de efeito-estufa causaram um aumento notável das temperaturas globais, que está associado ao aumento da frequência e da intensidade das ondas de calor e verões quentes. Globalmente, os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados, e 2022 foi o quinto ano mais quente”, escreveram Joan Ballester e colegas no estudo “Heat-related mortality in Europe during the summer of 2022”, da “Nature Medicine”.
Talvez estudos desse tipo se tornem tão frequentes quanto as previsões do tempo para o final de semana (Folha, 19/7/23)