Propagandeada como ferramenta essencial para que muitas indústrias compensem seus danos ao clima, a captura e o armazenamento de CO2 até agora tem sido usada mais como “álibi” para a extração de ainda mais petróleo.
Por décadas, uma ferramenta destinada a frear as mudanças climáticas não tem funcionado tão bem quanto prometido pelas empresas de combustíveis fósseis. Estamos falando da “captura e armazenamento de carbono”, uma técnica custosa que consiste em retirar gás carbônico (CO2) da atmosfera e estocá-lo em formações geológicas.
Para o especialista em transformação da indústria Georg Kobiela, da organização ambiental sem fins lucrativos Germanwatch, há casos em que, sim, a captura de carbono faz muito sentido. Ele destaca, porém, que precisamos antes esgotar todas as alternativas a fim de evitar a emissão de gás carbônico em primeiro lugar. “Algumas práticas acabam servindo apenas como álibi para manter vivos os modelos de negócios de combustíveis fósseis.”
O que é captura e armazenamento de carbono?
A captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) é uma técnica que envolve a captura do dióxido de carbono e a retenção dele no subsolo. Ela difere da chamada “remoção de dióxido de carbono” (CDR), onde o CO2 é sugado para fora da atmosfera.
Embora as duas tecnologias tenham algumas semelhanças, a principal diferença entre elas é que a CDR reduz o nível de dióxido de carbono na atmosfera, resfriando o planeta, enquanto a CCS em usinas e fábricas de combustíveis fósseis evita a própria saída do gás.
Ambas as opções, contudo, deverão ser necessárias para aquelas emissões mais difíceis de eliminar, concluiu o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em sua mais recente revisão de pesquisas científicas
Para processos químicos que liberam dióxido de carbono, existem poucas alternativas capazes de capturar o CO2 imediatamente ou sugá-lo do ar a posteriori. Segundo os cientistas, o grande potencial da CCS está em fábricas que produzem cimento e fertilizantes, bem como em fábricas que incineram resíduos. A dúvida é quanto ao impacto na produção de aço e hidrogênio, que contam com algumas alternativas mais ecológicas.
Na produção de eletricidade, a aplicação da captura de carbono gera certo ceticismo, pois já existem alternativas mais baratas que funcionam melhor, como turbinas eólicas e painéis solares. Em teoria, a técnica poderia desempenhar um papel nas usinas de gás como um “estepe” em dias sem sol ou vento — particularmente em países que ainda hoje estão construindo usinas de combustível fóssil. Mesmo assim, seria necessário tornar o processo todo mais barato e eficiente.
Modelos climáticos sugerem um papel importante no setor de gás e petróleo em países menos desenvolvidos, disse Margriet Kuijper, ex-engenheira da gigante petrolífera Shell que atualmente trabalha como consultora para grupos ambientais. Ainda assim, ela concorda “com aqueles que dizem que as energias renováveis provavelmente já dão conta do recado.”
Qual é a eficácia da CCS?
Durante décadas, engenheiros vem capturando carbono de fluxos concentrados de gás. Ele é então injetado em tanques, purificado e usado na indústria ou armazenado no subsolo. Algumas usinas de bioetanol, onde o fluxo de gás é puro, já registram a captura de mais de 95% das emissões de carbono.
Mas quando se trata de capturar carbono de fluxos de gás mais sujos, como os de fábricas e usinas de energia, os projetos de CCS continuam prometendo demais e entregando de menos.
“A fim de separar o CO2 de todo o resto, é necessário usar algum tipo de produto químico”, explica Julia Attwood, chefe de materiais sustentáveis da empresa de pesquisa de energias limpas BloombergNEF. “Embora creia que essa tecnologia tenha sido demonstrada com sucesso, ela ainda não foi totalmente comercializada em larga escala”.
Enquanto uma pequena parcela das instalações de teste conseguiu capturar mais de 90% das emissões de alguns fluxos de gás sujo, projetos comerciais têm apresentado uma série de problemas. Alguns quebram, por exemplo, ou simplesmente não são feitos para funcionar o tempo todo, ao tempo que outros são projetados para capturar apenas uma fração das emissões totais.
Ainda assim, especialistas veem as falhas da CCS mais como um problema econômico do que técnico. Eles dizem que as empresas recebem pouco incentivo para capturar seus poluentes. “A engenharia está disponível – mas temos que começar a gastar dinheiro, construir coisas e quebrá-las até que elas funcionem”, diz Chris Bataille, principal autor do último relatório do IPCC. “Isso pode ser feito, mas não é barato.”
Por que a CCS é controversa?
Ativistas têm criticado as empresas de energia por fracassarem na captura de carbono enquanto, ao mesmo tempo, continuam extraindo petróleo e fazendo lobby contra leis que reduzem a produção de combustíveis fósseis. Eles apelam aos formuladores de políticas públicas para que concentrem seus esforços na mudança social — como reduzir a demanda por energia —, em vez de confiar em tecnologias instáveis.
O problema não é apenas o fato de a tecnologia aparentemente não funcionar conforme o prometido, disse Genevieve Gunther, fundadora do End Climate Silence, organização voluntária que luta por uma cobertura jornalística mais contundente quando o assunto são as mudanças climáticas.
A CCS também acaba dando às empresas que insistem na queima de combustíveis fósseis acesso aos formuladores de políticas e uma “licença social para operar”, argumenta Gunther, referindo-se à aceitação pública de seu modelo de negócios. “Elas não estão usando a captura de carbono como uma solução climática. Elas a usam, na verdade, para aumentar a extração”.
Grande parte disso é o que as empresas de combustíveis fósseis chamam de recuperação aprimorada de petróleo – bombear dióxido de carbono para o subsolo para extrair mais petróleo dos poços de secagem. Historicamente, a maior parte do carbono capturado tem sido usada para esse fim.
Empresas petrolíferas têm sido criticadas por projetos de CCS que capturam apenas uma fração do total de emissões
Cientistas também questionam a seriedade da indústria em relação a tais compromissos. Após décadas impulsionando a tecnologia, existem apenas 30 instalações de CCS em funcionamento, segundo dados da indústria referentes ao ano passado, com outras 11 em construção e 150 em planejamento. Um estudo em 2020 descobriu ainda que mais de 100 dos 149 projetos de CCS planejados para entrar em operação até 2020 foram descartados ou suspensos por prazo indefinido.
“Houve muita atuação de má-fé”, disse Bataille. “Um esforço muito honesto e com poucos fundos foi inundado por uma golfada de greenwashing.”
Como a CCS pode ser aprimorada?
Especialistas acreditam que a técnica de capturar carbono vem ganhando cada vez mais fôlego.
Na Noruega, por exemplo, a gigante industrial alemã Heidelberg Materials está construindo a primeira instalação para captura e armazenamento de carbono de cimento. A taxa de captura, segundo a empresa, deverá ser próxima a 100%. Ainda assim, a companhia planeja capturar apenas metade das emissões do local.
Segundo Karin Comstedt Webb, chefe de governança ambiental, social e corporativa da Heidelberg Materials, isso foi feito para construir a instalação o mais rápido possível e poder colocar a tecnologia em evidência. “Concebemos o projeto com base no calor residual disponível que temos no local, para que não tivéssemos o problema adicional de ter que adicionar energia extra da rede elétrica.”
“Estamos planejando quase dez novos projetos em todo o mundo, onde nossas ambições para taxas de captura são mais altas”, acrescentou.
As empresas de gás e petróleo também estão começando a largar de mão a indústria de CCS. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), organização com sede em Paris liderada pelos ministros de energia dos países mais ricos do mundo, as novas empresas têm se concentrado em partes específicas do problema, como transporte e armazenamento.
Hoje o foco é mais em armazenar CO2 do que em usá-lo para extrair mais petróleo, disse Carl Greenfield, especialista em captura de carbono da AIE. “A maioria dos projetos que vemos atualmente estão agora se voltando para um armazenamento dedicado.”
A fim de tornar a tecnologia mais barata e mais eficiente, analistas apostam numa maior tributação sobre o carbono, além de apelarem aos governos para que facilitem a aprovação de projetos de CCS e ajudem a criar a infraestrutura necessária para a implementação da tecnologia. A criação de subsídios, por outro lado, suscita dúvidas.
“O que precisamos agora é um incentivo para quem a utiliza”, disse Attwood, da BloombergNEF. “É preciso haver um subsídio para aço e cimento verdes, pois é isso que realmente vai impulsionar aqueles capazes de acelerar o desenvolvimento da CCS.” (DW, 7/7/23)