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Em votação histórica, Câmara aprova a Reforma Tributária

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Proposta discutida há mais de três décadas agora precisa de aval do Senado.

Em uma votação histórica, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta sexta-feira (7) a Reforma Tributária que unifica cinco tributos sobre consumo, em mais uma tentativa de sepultar o sistema criado ainda na década de 1960 e que hoje alimenta conflitos judiciais e onera empresas que operam no Brasil.

O texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) foi aprovado em primeiro turno, na noite de quinta (6), por 382 deputados —mais do que os 308 votos necessários para aprovar uma alteração constitucional. Foram 118 votos contrários e 3 abstenções.

Pouco antes das 2h da madrugada, a proposta foi aprovada em segundo turno. Na última votação, foram 375 votos a favor, 113 contrários e três abstenções. Agora, a PEC segue para o Senado Federal.

A Reforma Tributária está em discussão no Congresso há mais de 30 anos. A primeira vez que se tentou unir os tributos sobre consumo em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) foi na elaboração da Constituição de 1988. Foi também o primeiro de uma sucessão de tentativas fracassadas de mudança no sistema.

Diante desse precedente, a aprovação da reforma pode dar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a desejada marca emblemática à sua gestão, num momento em que ele busca se cacifar perante o Palácio do Planalto e dar uma demonstração de força política.

Para superar uma matéria tão espinhosa, Lira se colocou como uma espécie de fiador da Reforma Tributária e, nos últimos dias, participou ativamente da construção de acordos que permitiram destravar a votação de uma proposta que patina há anos no Legislativo.

Em um gesto inusual, Lira deixou o comando da sessão para discursar na tribuna e leu um discurso escrito “para não cometer deslizes”. Ele também abriu mão de sua prerrogativa de presidente para votar favoravelmente ao texto.

“Estamos vivendo um momento histórico para o país e para as nossas vidas parlamentares. O país olha para esse plenário esperando uma resposta nossa para a aprovação de uma Reforma Tributária justa, neutra, que dê segurança jurídica e promova o desenvolvimento econômico e social. Não podemos nos furtar a essa responsabilidade”, disse.

Sem citar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente da Câmara afirmou que seu candidato foi derrotado nas urnas em 2022, e pediu que “deixemos as urnas de lado”. “Reforma Tributária não é joguete político. Reforma Tributária não é instrumento de barganha política. Reforma Tributária não é batalha político-partidária. Reforma Tributária não é pauta de governo. Reforma Tributária é pauta de Estado”, afirmou, sob aplausos do plenário.

A proposta também teve um apoio decisivo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde o início da atual gestão, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) elegeu a Reforma Tributária como uma das principais pautas da agenda econômica.

“Depois de décadas, aprovamos uma Reforma Tributária. Democraticamente. Parecia impossível. Valeu lutar!”, escreveu Haddad, principal articulador da reforma no governo, em rede social.

O ministro, inclusive, criou uma secretaria extraordinária no Ministério da Fazenda voltada ao tema, comandada por Bernard Appy —formulador técnico da versão inicial da PEC votada nesta quinta.

Appy acompanhou a votação do texto direto do plenário da Câmara. Assim que o resultado foi proclamado por Lira, ele se disse feliz, mas ponderou que ainda há votações pela frente. “[O placar] Foi surpreendente, muito positivo”, afirmou.

O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que iniciou seu trabalho na relatoria há quatro anos, fez um discurso emocionado antes do desfecho da votação. Ele disse que este é um “momento ímpar” e agradeceu a Lira pela condução firme e pelo apoio nas negociações.

O texto teve o apoio de siglas governistas como PT, PC do B, PSB, PSOL e Rede e de grande parte dos membros de legendas de centro como MDB, PSD, Republicanos, PP, PSD e PSDB.

Apesar da pressão pública de Bolsonaro, o que incluiu uma divergência pública com o governador e pupilo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), o seu partido, o PL, deu 20 votos favoráveis à aprovação da Reforma Tributária.

Maior bancada da Câmara, com 99 cadeiras, o partido ameaçou “fechar questão” contra a reforma, o que obrigaria a rejeição unânime à proposta, sob risco de punição. Após ação de Tarcísio e do presidente da Câmara, o partido decidiu apenas orientar o voto contra.

O governador de São Paulo tinha críticas contundentes a pontos da reforma, mas conseguiu fechar um acordo com o relator para aprimorar o texto. Logo após a proclamação do resultado, o secretário de Fazenda de São Paulo, Samuel Kinoshita, disse que a proposta não ficou como o estado desejava, mas “teve um avanço significativo”.

“São Paulo topou e ajudou. Nosso governador ajudou bastante nos últimos dias nessa aprovação, mesmo com um custo pessoal até significativo”, disse ele, que estava no plenário durante a votação. Segundo Kinoshita, Tarcísio preferiu acompanhar a distância. “Ele não queria vir aqui ao plenário. A liderança certamente é da Câmara dos Deputados”, afirmou.

Com décadas de atraso, a aprovação da Reforma Tributária pode colocar o Brasil no mapa dos 174 países que já cobram um IVA, reduzindo a burocracia para as empresas e abrindo portas para o ingresso de maiores investimentos internacionais.

Autor da PEC 45, base do texto votado nesta quinta, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), presidente da sigla, destacou que esta pode ser a “primeira Reforma Tributária da era democrática”.

O atual desenho em vigor começou a ser estruturado em 1965, sob o Regime Militar, quando uma emenda constitucional criou o Sistema Tributário Nacional e instituiu a base de alguns dos tributos em vigência até hoje.

“Vivemos num verdadeiro manicômio tributário. Temos alíquotas diferentes para perfume e água de cheiro, para bombom e biscoito wafer. É uma insanidade”, afirmou Baleia Rossi.

O texto aprovado prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

O sistema será dual: significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Também será criado um imposto seletivo sobre bens e serviços cujo consumo são considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao meio ambiente.

A implementação dos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.

“O objetivo dessa etapa é conhecer a base tributável, permitindo que se calculem as alíquotas da CBS e do IBS necessárias para substituir a arrecadação atual”, diz o parecer.

Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas, com exceção dos produtos que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus.

Já a migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual e só terminará em 2033.

Até 2028, a alíquota continuará em 0,1%. Em 2029, a cobrança de ICMS e ISS será reduzida em 1/10 por ano até 2032. Em 2033, os impostos atuais serão totalmente extintos.

As alíquotas definitivas de cada tributo serão detalhadas depois, em lei complementar, pois vão depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda.

A reforma prevê uma cobrança padrão sobre a maior parte do consumo e uma alíquota reduzida (equivalente a 40% do valor cheio) para alguns bens e serviços elencados no texto, como serviços de saúde, educação, transporte coletivo, produtos e insumos agropecuários, medicamentos, dispositivos médicos e produções artísticas, culturais e jornalísticas.

ENTENDA A REFORMA TRIBUTÁRIA SOBRE O CONSUMO

Tributos extintos

  • IPI (federal)
  • PIS (federal)
  • Cofins (federal)
  • ICMS (estadual)
  • ISS (municipal)

Tributos criados

  • CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), na esfera federal
  • IBS (o Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal
  • Imposto seletivo (sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente)

Alíquotas

Haverá uma alíquota única como regra geral (a ser definida) e 60% de redução para os seguintes setores:

  • serviços de educação
  • serviços de saúde
  • dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência
  • medicamentos e produtos de saúde menstrual
  • serviços de transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário
  • produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
  • insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal
  • produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais

Outras reduções que poderão ser feitas por lei complementar:

  • Isenção para transporte coletivo
  • Redução de 100% de alíquota para medicamentos e dispositivos médicos para pessoas com deficiência, além de produtos hortícolas, frutas e ovos
  • Redução em 100% da alíquota da CBS incidente sobre o Prouni
  • Limite de receita anual de R$ 3,6 milhões para que o produtor rural pessoa física ou jurídica possa não pagar IBS e CBS

Cashback

  • Possibilidade de devolução de tributos a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda

Fundos

  • Texto cria Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com recursos da União para estados, para reduzir as desigualdades regionais e sociais
  • Texto prevê Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com recursos da União e por ela gerido (a ser criado e detalhado por lei complementar)
  • Institui Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais do Imposto, destinado a compensar benefícios a empresas que fiquem comprometidos após reforma, com repasses anuais da União a estados de 2025 a 2032, começando em R$ 8 bilhões e chegando a um pico de R$ 32 bilhões por exercício

Conselho Federativo (que vai gerir IBS) composto por:

  • 27 membros, representando cada Estado e o Distrito Federal;
  • 27 membros, representando municípios e o Distrito Federal (sendo 14 representantes com base nos votos de cada município com valor igual para todos, e 13 representantes com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações) (Folha, 7/7/23)
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