Estudo aponta que dos 359 projetos já anunciados no mundo, apenas um é no Brasil, em Suape, Pernambuco.
O hidrogênio verde vai se tornar uma commodity nos próximos 10 anos e o Brasil, apesar de ter tudo para liderar a comercialização do novo combustível no mundo, ainda não tem um planejamento nacional para incentivar a produção e exportação do produto. O País está no centro das atenções globais devido à sua matriz elétrica 85% limpa, condição fundamental para a produção do novo combustível. Mas dos 359 projetos já anunciados no mundo, apenas um é no Brasil, em Suape, Pernambuco, segundo levantamento da consultoria A&M Infra.
“O Brasil está deixando uma oportunidade enorme na mesa e não vai surfar como deveria”, avalia Filipe Bonaldo, diretor da A&M Infra. “Nós temos pouquíssimo incentivo do governo e nossa regulação está uma bagunça, nosso plano de hidrogênio verde no Brasil não existe”, afirma.
Apesar das críticas, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirmou que a política nacional para o hidrogênio verde no Brasil foi lançada em 2021, como Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), que tem como objetivo desenvolver o mercado e a indústria de hidrogênio no País, considerando seu potencial enquanto vetor de transição energética.
Foram criadas cinco câmaras temáticas e realizada uma única reunião, em agosto de 2022, para oficializar as nomeações e iniciar os trabalhos. “Os próximos passos do PNH2 incluem a publicação do Plano de Trabalho Trienal após Consulta Pública e a implementação das ações previstas para 2023″, disse o ministério, sem detalhar as ações.
O MME destacou ainda, que de acordo com estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2021, além de diversos projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em escala piloto, foram anunciados três projetos em escala industrial de hidrogênio verde: o Hub de Hidrogênio Verde do Estado do Ceará, no Porto de Pecém; o projeto no Porto de Suape, em Pernambuco; e no Porto do Açu, no Estado do Rio de Janeiro. Tais projetos estão em fase de estudos de viabilidade técnica e econômica.
Filipe Bonaldo afirma, entretanto, que hoje as iniciativas para projetos no País estão sendo tomadas individualmente pelos Estados, em parceria com empresas privadas.
Isso pode deixar o Brasil de fora da corrida para abastecer países que não conseguem se descarbonizar, principalmente na Europa, em contraponto a outros países que saíram na frente, com planos bem estruturados pelos governos para desenvolver não apenas a produção, mas também a comercialização e transporte, além de linhas de financiamento e subsídios.
Investimentos
A demanda pelo combustível vai ser gigante. Segundo o estudo da A&M Infra, serão 90 milhões de toneladas por ano no mundo em 2030. Para atender esse consumo, será necessário investir US$ 500 bilhões. E mesmo que todos os projetos que foram oficialmente anunciados saiam do papel, o total da produção soma 60 milhões de toneladas, o que ainda deixa um déficit de 30 milhões de toneladas de oportunidades.
“Dos mais de 300 projetos, apenas 5% saíram do papel, e são plantas piloto, que vêm de investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e que não estão preocupados com o retorno do investimento. É mais para estudar a tese e tirar benefícios dessa tese, de como funciona todo o processo, que é o que deveria estar sendo feito aqui no Brasil”, alerta.
Estudo feito pelo banco de investimento Goldman Sachs mostra que até 2050 o mercado de hidrogênio no mundo ultrapassará US$ 11 trilhões. Tamanha euforia se deve ao potencial do produto. O hidrogênio tem três vezes mais energia do que a gasolina com a vantagem de ser uma fonte limpa. Com amplo potencial para geração eólica e solar, o Brasil teria capacidade de produzir hidrogênio verde para consumo próprio e para exportação.
O Brasil tem sido centro do interesse de países que tem dificuldade de cumprir as suas metas de descarbonização por possuir uma robusta geração de energia renovável, base fundamental para a produção de hidrogênio verde, que é obtido a partir da eletrólise (processo que tira o hidrogênio da água).
Para isso, é necessário um grande volume de energia, o que não falta no Brasil, principalmente levando em conta projetos de eólicas offshore, que podem dobrar a geração de energia elétrica no País. Exemplo disso foi o recente anúncio do Comitê Europeu de investir R$ 10 bilhões em projetos brasileiros de hidrogênio verde.
“Os países veem necessidade do Brasil fazer parte disso, mas o Brasil não se estrutura. A Europa tem o senso de urgência que ela precisa para se descarbonizar, e ela quer fazer esse plano de negociação no Brasil, mas vai fazer por meio de empresas privadas”, prevê, ressaltando que a União Europeia está colocando “os ovos em várias cestas”, se aproximando do Brasil e do Chile, mas deve começar com investimentos na África, que fica mais perto, e depois o sudeste asiático.
Para ele, o Brasil precisa correr para não ficar de fora do novo negócio, enquanto países como Chile e Austrália vêm se destacado por já terem um planejamento para desenvolver esse mercado, explica Bonaldo. “Os países tem criado seus próprios planos de hidrogênio nacional, como o Chile, que criou um bom plano nacional, a Austrália também. São países que estão se posicionando para de fato trabalhar nessa exportação. Porém o Brasil não. O Brasil está vendo esse movimento acontecer e fazendo poucos movimentos para incentivar”, avalia.
Os Estados Unidos deram um grande passo recentemente, com o anúncio de financiamento de US$ 9,5 bilhões pelo Departamento de Energia para criar hubs de hidrogênio verde no País. “Lá eles colocaram uma vertente de incentivo a hidrogênio verde e já começa a se desenvolver uma indústria. Não estão pensando apenas na commodity, mas no desenvolvimento de tudo que envolve a indústria do hidrogênio verde”, explica.
Esta semana, o governador do Piauí, Rafael Fonteles, anunciou em suas redes sociais que o Piauí terá R$ 50 bilhões em investimentos na produção de hidrogênio verde. Um dos acordos firmados foi com o grupo espanhol a Solatio Energia, que investirá R$ 30 bilhões em plantas industriais de produção de hidrogênio verde no estado, segundo Fonteles. Outros estados também têm anunciado interesse de iniciar a produção, mas sem detalhar projetos. Em Suape, as parcerias envolvem empresas como a francesa Qair, White Martins, Casa dos Ventos e Neoenergia.
Mesmo estando entre os 20 maiores projetos de grande escala, pelo projeto de Suape, o Brasil ainda tem tempo de se estruturar, se houver incentivo governamental, mas, de acordo com Bonaldo, um projeto de hidrogênio verde leva entre 4 a 5 anos. “Se demorar mais dois, três anos para se estruturar, quando a demanda mundial estiver em 90 milhões, daqui a sete anos, a gente vai ter apenas as cinco mil toneladas de Suape, nada representativo”, calcula (Estadão.com, 25/6/23)