Por Nik Martin
Fenômeno climático já voltou e ameaça o planeta com inundações e secas. Suas temporadas anteriores geraram trilhões de dólares de prejuízo à economia global.
Na semana passada, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês) disse que as condições do El Niño já estão presentes após quatro anos e devem “se fortalecer gradualmente” nos próximos seis a nove meses, trazendo um novo período de clima extremo para grande parte do planeta.
As Nações Unidas também alertaram no mês passado sobre a chegada do El Niño. Os alertas se multiplicam. “Há uma probabilidade bastante alta (de outro forte período de El Niño)”, disse Harald Kunstmann, professor do Instituto Alemão de Meteorologia e Pesquisa Climática (IMK-IFU), com sede no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe. “Se isso acontecer, podemos esperar os mesmos extremos climáticos e anomalias que geralmente estão associados a esse fenômeno”.
O El Niño é marcado por temperaturas da superfície do mar mais quentes do que a média no Oceano Pacífico central e oriental, perto do equador. O fenômeno causa inundações nas Américas, tempestades tropicais no Pacífico e secas em muitas outras partes do mundo, incluindo o sul da África.
Esses efeitos causam graves perturbações na pesca, agricultura e outros setores da economia e também são conhecidos por exacerbar os efeitos das mudanças climáticas. Em 2016, o El Niño contribuiu para o ano mais quente já registrado, e os cientistas estão preocupados que isso possa causar novos recordes de temperatura global.
No início deste mês, pesquisadores da unidade de observação da Terra Copernicus observaram que as temperaturas do ar na superfície global aumentaram 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais pela primeira vez. Este é o limite que os líderes mundiais concordaram em impor ao aquecimento global na cúpula do clima de Paris em 2015. “É muito incomum chegar perto do limite de temperatura de 1,5 grau Celsius em junho”, disse Kunstmann à DW. “Portanto, é provável que em breve ultrapassemos esse limite, não apenas por algumas semanas, mas por um período de tempo mais longo.”
Trilhões de dólares em prejuízos
Os impactos econômicos das temporadas anteriores do El Niño muitas vezes continuaram mesmo depois que as condições climáticas mais extremas passaram. Depois do El Niño de 1982-1983, os efeitos financeiros foram sentidos por mais meia década, totalizando cerca de 4,1 trilhões de dólares, segundo o Dartmouth College, nos Estados Unidos. Em um artigo para a revista americana Science, os pesquisadores disseram que, após a temporada de El Niño de 1997-1998, os danos ao crescimento econômico global foram de 5,7 trilhões de dólares.
Os especialistas de Dartmouth descobriram que os eventos do El Niño de 1982-1983 e 1997-1998 reduziram o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA em cerca de 3% em 1988 e 2003.
Países como Peru e Indonésia, onde a agricultura representa até 15% do PIB, sofreram uma queda de 10% em 2003. Assim, os pesquisadores de Dartmouth estimaram que os efeitos econômicos negativos da última temporada do El Niño podem chegar a 3 trilhões de dólares até 2029.
Alta da inflação de alimentos e energia
Um modelo da Bloomberg Economics divulgado esta semana constatou que os períodos anteriores do El Niño adicionaram quase 4 pontos percentuais aos preços das commodities não energéticas e 3,5 pontos percentuais aos preços do petróleo, enfraquecendo a segurança alimentar global.
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Temendo que a última fase do El Niño possa ser a mais quente e cara já registrada, os analistas acreditam que ela também tem o potencial de prolongar a alta inflação dos alimentos.
É possível que haja passado o pico dos aumentos de preços posteriores à pandemia de covid-19, mas pode levar vários anos até que seja possível retornar à meta de inflação de 2% estabelecida pelos bancos centrais dos EUA e da Europa.
Os crescentes alertas sobre El Niño já contribuíram para que os preços do café, açúcar e cacau subissem acentuadamente nas últimas semanas, segundo o Deutsche Bank, o maior credor privado da Alemanha. E outros alimentos básicos devem seguir essa tendência, pois as colheitas são afetadas por eventos climáticos severos.
O aumento dos preços “pode ter um efeito particularmente negativo nos mercados emergentes, onde os alimentos normalmente representam pelo menos um terço dos gastos do consumidor. Sua posição geográfica também os deixa mais expostos às mudanças climáticas, como inundações, que são mais prováveis com o El Niño”, alertaram os analistas do Deutsche Bank (DW, 18/6/23)