Governos têm buscado incentivar a produção de carros elétricos e limitar a dos movidos por combustíveis fósseis.
Apesar de ter sido eleito com a promessa de que a agenda verde teria uma posição transversal nas avenidas de crescimento do Brasil, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apelado a soluções antigas para dar combustível ao Produto Interno Bruto (PIB) doméstico. O programa para estímulo à venda de automóveis, anunciado nesta segunda-feira, 5, é um exemplo disso, e vai na contramão do que se busca hoje na Europa e nos Estados Unidos, que têm colocado caminhões de dinheiro na pauta sustentável e que contribua para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, principais causadores das mudanças climáticas.
Além de destinar bilhões de dólares para turbinar a indústria de baixo carbono por meio da lei ‘Inflation Reduction Act’, o governo de Joe Biden quer dificultar a produção de veículos a gasolina nos EUA. Em abril, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) anunciou regras mais duras para padrões de poluição de carros e caminhões no país e para acelerar a transição para veículos limpos, uma das principais agendas do democrata para combater a crise climática.
Dentre os objetivos traçados pelos EUA, a expectativa é de que até 2032 dois terços dos automóveis vendidos no país rodem tendo a energia elétrica como combustível. Para vans, a meta é de que a ‘cota limpa’ represente quase metade das vendas até lá. Somadas, as novas regras, que devem ser concluídas até o fim deste ano, devem evitar quase 10 bilhões de toneladas de emissões de CO2, mais do que os EUA emitiram em 2022, segundo a EPA.
“A administração Biden já deixou claro que a nossa intenção aqui é promover exatamente esses outros carros que vão reduzir as emissões de carbono”, diz o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos para países de língua portuguesa, Christopher Johnson, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
No front econômico e político brasileiro, o incentivo aos carros populares desperta críticas. De acordo com o diretor de Pesquisa Macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o tema é complexo, mas é necessário avançar na agenda de uma transição energética. “Subsidiar automóvel e gasolina não parece uma agenda verde, né?”, diz ele. Apesar disso, o economista pondera que o petróleo é uma riqueza do Brasil, que ainda não pode se dar ao luxo de desprezá-la.
Enquanto isso, nos EUA, desde que Biden assumiu o comando da Casa Branca, o número de veículos elétricos no país triplicou. Por sua vez, a quantidade de modelos disponíveis dobrou. Os EUA contam hoje com mais de 130 mil carregadores públicos em todo o país, rede que é 40% maior que a existente em 2020, segundo a EPA.
Antes dos EUA, a Europa saiu na frente e determinou o fim dos carros movidos a combustíveis fósseis na próxima década. Em fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou o acordo estabelecido no passado e que estabeleceu a meta de derrubar os gases de efeito estufa para cerca de metade até 2030 e bater os 100% até 2035.
Embora evite criticar o Brasil, os EUA elogiam os avanços da União Europeia em direção à uma pauta mais verde. “É muito importante para os Estados Unidos chegar a esses objetivos fechados no Acordo do Clima de Paris e na COP-27. Vamos continuar avançando e ficamos felizes com outros grupos e países, como os da União Europeia, que também estão investindo em ações para agilizar a transição energética”, diz Johnson, do Departamento de Estado dos EUA.
Ramos, do Goldman, destaca o trunfo da agenda verde para reinserir o Brasil na comunidade internacional, um dos principais objetivos de Lula em seu terceiro mandato. “Tudo o que o governo fizer nessa direção é acertado, mas certamente não me parece que subsidiar automóveis a gasolina vá nesse sentido”, reforça ele, que também não vê sentido na volta dos carros populares, uma vez que a indústria automobilística não está em crise. “O nível de estoques e de vendas está superior ao pré-pandemia. Então, também não parece que seja uma indústria que esteja passando por uma crise estrutural violentíssima que necessite de um subsídio público”, diz o economista.
Impulso vem da lei
Nos EUA, o projeto de lei que prevê destinar US$ 369 bilhões à segurança energética e combate às mudanças climáticas na maior economia do mundo, assinado por Biden em agosto do ano passado, tem causado impactos positivos dentro e fora do país. Ações de empresas que lidam com lixo nos Estados Unidos, como Waste Management e Republic Services, estão com altas recordes desde então, mostrou matéria recente do americano ‘The Wall Street Journal’.
Além delas, a brasileira Ambipar Response capitaneou a primeira abertura de capital na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) neste ano, de olho exatamente no potencial do segmento de gestão de crises ambientais em meio à agenda de Biden. “O espaço aqui nos Estados Unidos é muito grande”, disse o dono e presidente do Conselho de Administração do grupo Ambipar, Tércio Borlenghi Júnior, ao Estadão/Broadcast, na ocasião.
A lei capitaneada pela gestão democrata é uma referência para investimentos na América Latina, segundo o diretor de exploração e produção da Petrobras, Joelson Mendes. “Infraestruturas como a ‘Inflation Reduction Act’ podem ser um benchmark na discussão de modelos para estimular investimentos responsáveis no setor de óleo e gás”, disse ele, em palestra na Offshore Technology Conference (OTC), maior evento da indústria de exploração de petróleo e gás no mar, que acontece em Houston (EUA), no mês passado (Estadão, 6/6/23)