Editorial O Estado de S.Paulo
Nova política de preços é confusa e pouco transparente, mas permite ao governo fazer reajustes como quiser e abandonar diretrizes que salvaram companhia da ruína.
A Petrobras anunciou uma nova política de preços de combustíveis a ser praticada no mercado interno. Em um comunicado confuso e pouco explicativo, a companhia deixou uma gama de possibilidades em aberto, mas ficou bastante claro que as diretrizes adotadas há quase sete anos e que salvaram a empresa da ruína financeira foram definitivamente abandonadas.
O fato relevante divulgado pela Petrobras menciona referências genéricas, que priorizam, na definição da precificação, o custo alternativo do cliente e o valor marginal para a Petrobras. Segundo a companhia, isso significa contemplar as principais opções de suprimento do cliente, sejam de fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos, bem como o custo de oportunidade da companhia considerando alternativas como produção, importação e exportação do produto e/ou do petróleo.
A política é tão vaga que permite à Petrobras fazer reajustes da forma como quiser – ou melhor, da forma que o governo achar que deve. A única certeza, segundo comunicado distribuído pela companhia, é que “o anúncio encerra a subordinação obrigatória ao preço de paridade de importação, mantendo o alinhamento aos preços competitivos por polo de venda, tendo em vista a melhor alternativa acessível aos clientes”.
Adotada em outubro de 2016, durante o governo Michel Temer e a gestão de Pedro Parente, a política do Preço de Paridade de Importação (PPI) considerava o preço de aquisição dos combustíveis no exterior e o custo logístico para levar o combustível até o ponto de entrega. Ela incluía não apenas a variação do câmbio e do barril do petróleo no mercado, mas também frete marítimo e rodoviário e taxas portuárias, além da margem de lucro e de impostos.
Altamente endividada e acumulando perdas bilionárias geradas justamente pelo controle artificial dos preços dos combustíveis nos governos petistas, a Petrobras decidiu, em 2016, concentrar sua atuação no pré-sal. Consolidar essa política demandava investimentos vultosos, mas era preciso abandonar a participação dominante da Petrobras no segmento de derivados, que não trazia retorno para a companhia. Assim, a Petrobras adotou o PPI, abandonou uma prática predatória e parou de vender gasolina e diesel com prejuízo, viabilizando a atividade de importadores de combustíveis.
O PPI não foi uma escolha perversa, mas o reconhecimento de uma realidade inexorável que os governos petistas costumam ignorar ao discutir a temática dos combustíveis. O Brasil, embora seja um dos maiores produtores de petróleo e tenha conquistado o status de exportador líquido de óleo cru, não é autossuficiente em derivados e depende de importações para abastecer o mercado interno. O PPI tampouco foi uma atitude estúpida da Petrobras, mas uma forma de fomentar a livre concorrência, o consumidor, a empresa e, em última instância, o País. Ao concentrar atividades no pré-sal, uma atividade em que era líder mundial, a empresa reverteu anos de prejuízos, enquanto o setor de combustíveis rapidamente se adaptou a esse cenário, assim como o consumidor.
Hoje a Petrobras contribui com 4% do PIB, recolhe centenas de bilhões de reais em impostos, royalties e dividendos e gera milhares de empregos diretos e indiretos. É do interesse de toda a sociedade que a companhia seja lucrativa e faça investimentos rentáveis que a preparem para a transição energética, mas isso não parece compatível com uma política de preços que ignora os parâmetros internacionais para favorecer o consumo de combustíveis fósseis.
Preocupado em desfazer tudo que os governos anteriores fizeram, o governo Lula começa a flertar com políticas autodestrutivas que foram marca da administração Dilma Rousseff – como o retorno de subsídios para a produção de carros populares. Se essas medidas ultrapassadas já não deram certo antes, não haveriam de funcionar agora que o País deveria buscar se transformar em uma economia verde. Não há qualquer lógica que justifique esse resgate do passado, que levou o País a uma das maiores recessões de sua história, que não o puro revanchismo (O Estado de S.Paulo, 17/5/23)