Editorial Folha de S.Paulo
Restrição da UE a produtos de desmate mostra futuro difícil para agro predatório.
O Parlamento Europeu aprovou norma que proíbe a venda de commodities oriundas de desmatamento nos 27 países da União Europeia (UE). A restrição não se aplica só a madeira, mas a uma lista de produtos primários que inclui carne, soja, café, cacau e óleo de palma. Ademais, entram produtos derivados desses insumos, como couro, chocolate e móveis.
O continente recebe cerca de 60% das exportações de farelo de soja do Brasil. Também compra grande quantidade de soja e milho em grãos, além de metade do café vendido ao exterior. Não é mercado que se possa desmerecer.
A Associação Brasileira do Agronegócio emitiu protesto débil contra a medida. Alegou que a UE atropelou a legislação nacional, cujo Código Florestal admite desmatamento legal, em percentuais variáveis conforme o tipo de bioma (20% da propriedade na floresta amazônica, por exemplo).
Grandes empresas compradoras e exportadoras de grãos, contudo, aderiram já em 2008 à chamada moratória da soja, rejeitando produto colhido em áreas de derrubada recente na Amazônia. Várias se preparam para eliminar o desmate em suas cadeias produtivas até o fim desta década.
A norma europeia, contudo, não é panaceia. Afinal, o Brasil está cada vez mais dependente da China. Nos últimos dez anos, as exportações agrícolas para lá somaram US$ 302 bilhões —ante US$ 44,5 bilhões dos dez anos anteriores. Em 2022, 63% da soja e 43% da carne exportados pelo Brasil foram comprados pelo gigante asiático.
Não há chance de retrocesso, embora tal miragem tenha sido vendida pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e comprada, sem lastro, pela banda atrasada do campo. Os quatro anos de vistas turvadas pela ideologia acabaram, e a conta chegou.
O setor agrícola responde por três quartos das nossas emissões de gases do efeito estufa —por meio de desmatamento, produção de metano na digestão bovina, uso de fertilizantes nitrogenados e combustíveis fósseis.
O país tem contribuição significativa a dar para combater a mudança do clima. É o que o mundo espera, e o certo a fazer.
No front doméstico, a pressão voltou com a troca de governo. Marina Silva volta ao Ministério do Meio Ambiente e reativa o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que derrubou as taxas de devastação após 2004 (Folha de S.Paulo, 5/5/23)