Cientista brasileira Thelma Krug, que pode se tornar a primeira mulher no cargo, destaca necessidade de medidas rápidas.
O Brasil apresenta nesta segunda (10) a candidatura da cientista Thelma Krug à presidência do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU), para o ciclo de 2023 a 2028.
Se eleita, Krug, que já é uma das vice-presidentes do órgão, será a primeira mulher e a primeira representante da América Latina no cargo mais alto da instituição. As eleições ocorrerão em sessão plenária em julho.
A matemática, com atuação no IPCC desde 2002, afirma que, além dos aprendizados sobre a evolução da ciência do clima —que hoje aponta como inequívoca a associação da ação humana ao aquecimento global—, foram o comprometimento dos milhares de autores do painel e o estímulo do neto, Luca, de 10 anos, que a levaram se candidatar a essa função.
Do último relatório do IPCC, lançado no final de março, ela destaca a necessidade de transformações em todos os setores da sociedade. As ações atuais, sublinham os cientistas que o assinam, não correspondem à urgência necessária para frear o aumento de temperatura do planeta.
“Rápidas, profundas e sustentadas reduções de emissões [de gases de efeito estufa] são necessárias para limitar o aquecimento a 1,5°C ou mesmo abaixo de 2°C”, diz Krug, que ressalta que as escolhas que fizermos nesta década terão um impacto direto para um futuro sustentável.
“O custo da ação vai ser bem menor do que o custo da inação, quando o planeta todo estiver sofrendo com esses impactos do clima com um aquecimento maior.”
Com o aumento do volume e da velocidade da produção científica sobre mudanças climáticas, ela defende que o painel produza relatórios menores e mais frequentes. Krug adianta que no próximo ciclo do painel será elaborado um documento especial sobre cidades.
“As cidades contribuem para aproximadamente 90% das emissões se nós considerarmos todo o escopo”, explica ela, que trabalhou por 37 anos no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até 2019.
Krug decidiu se aposentar do instituto na época de acusações do então presidente Jair Bolsonaro (PL) de que os dados de desmatamento contabilizados pelo órgão seriam manipulados.
Como ser portadora de alertas tão sérios do IPCC sem levar o mundo ao cinismo e à inação? Os relatórios do IPCC já há muito tempo indicam a situação sobre a mudança do clima e, mais recentemente, essa inequívoca associação entre a ação humana e o aquecimento na atmosfera se tornou um fato.
A partir de 2018, o IPCC indicou a necessidade de transformações em todos os setores da sociedade, e a gente não viu uma resposta equivalente. Eu não diria que é inação, mas eu diria que a ação não corresponde à urgência que a ciência mostra, se quisermos ter um futuro sustentável.
Passados cinco anos, o que a gente vê é que esse desafio tornou-se ainda maior. Essa maior frequência de eventos extremos mostra que os custos já são grandes e serão muito maiores no futuro.
O custo da ação vai ser bem menor do que o custo da inação, quando o planeta todo estiver sofrendo com esses impactos do clima com um aquecimento maior.
O último relatório do IPCC diz que ainda temos tempo de conter os piores impactos da crise climática, se grandes e rápidas reduções de emissões de gases de efeito estufa forem feitas. Como isso pode ser realizado? O IPCC indica —e eu me fixo um pouco na parte de 1,5°C, porque 1,5°C [de aumento na temperatura] já vai ser insustentável para muitos países insulares— que as emissões têm de ser cortadas pela metade até 2030.
Não é que seja o final do mundo. Mas, se isso não acontecer, as coisas vão se tornando cada vez mais difíceis.
O relatório do IPCC não é fatalista, de forma alguma. Ele indica no seu relatório de mitigação que já existem opções de mitigação que nos levariam a reduzir pela metade [as emissões] em 2030.
Poderia comentar essas opções de mitigação? Você tem opções para todos os setores. No setor de energia, a gente fala muito da questão de descarbonização. Hoje há essa eletrificação dos automóveis, que é questionável, mas em muitos lugares poderia funcionar bem.
Se olharmos os preços da energia solar, eram muito altos, mas hoje são mais acessíveis para uma implementação mais larga. A expansão indica avanços que não estão acontecendo só no Brasil, mas em outras partes do mundo.
Outros exemplos também estão ocorrendo, principalmente na questão do uso da terra na agricultura, ou seja, principalmente, a redução do desmatamento, que é indicada como uma das formas de grandes reduções de emissões, e o Brasil é um exemplo disso.
Além de toda a parte de planejamento urbano. No próximo ciclo do IPCC, vamos ter um relatório especial sobre a mudança do clima em cidades. As cidades contribuem para aproximadamente 90% das emissões se nós considerarmos todo o escopo das cidades.
Qual deveria ser o papel do IPCC nos próximos anos, considerando o robusto consenso científico existente sobre a crise do clima, a inação política e a revisão do Acordo de Paris em 2025? O IPCC, através de modelos cada vez mais robustos, faz essa avaliação da literatura [científica] em todo o mundo. E a velocidade de publicações científicas na temática de mudança do clima tem sido enorme.
Talvez o painel decida refletir sobre a importância e necessidade de uma frequência maior de relatórios menores, que permitam que a gente esteja sempre atualizado.
Quais foram os seus principais aprendizados na vice-presidência do IPCC e por que lançar agora a sua candidatura à presidência do painel? A submissão do meu nome como candidata à presidência do IPCC é prerrogativa do ponto focal do Brasil, que nesse caso é do Ministério das Relações Exteriores.
O Ministério das Relações Exteriores fez consultas com outros ministérios, e a indicação do meu nome foi bem recebida por todos, junto com a minha contribuição ao IPCC por 22 anos.
Durante esse período, houve um aprendizado enorme: não só de entender a evolução da ciência, mas também de ter um conjunto de autores que, de uma maneira voluntária, se dedicam a produzir essa ciência, porque acreditam que vai gerar ação.
Essa dedicação, essa vontade de fazer a diferença desses cientistas, dedicando tempo a isso de uma maneira muito profunda, me fizeram perguntar: será que eu também posso fazer uma diferença nesse papel [na presidência do IPCC]? Nós temos muito bons candidatos, eu sou uma delas.
Uma análise recente do portal Carbon Brief revelou que a proporção de mulheres e de autores do sul global no IPCC aumentou nas últimas décadas, mas ainda há muito a ser feito pela diversidade. Como o IPCC vem implementando a política de equidade de gênero, estabelecida em 2020, e quais são as suas propostas nesse sentido? Quando a gente fala da questão de gênero, acho que ela é um pouquinho mais complexa. Porque a gente normalmente trabalha com esse binário, feminino e masculino, mas hoje existe uma diversidade bem maior a ser analisada.
Eu particularmente penso que não é você aumentar o número de mulheres, aumentar a diversidade. Acho que a questão maior é se essas pessoas que estão lá, em maior número, estão sendo respeitadas. Elas estão sendo incluídas como tais, elas têm a percepção de pertencimento?
O painel autorizou que fosse contratada uma empresa que vai fazer uma pesquisa junto a todos que participaram de 2015 a 2023, para buscar entender se se sentiram parte desse conjunto de autores de uma maneira equitativa, se oportunidades foram dadas a todos que estão envolvidos. Acho que os resultados vão ser muito importantes para entender as ações necessárias.
Em uma entrevista recente à Agência Pública, a senhora afirmou que a vulnerabilidade da produção agropecuária no Brasil aos impactos das mudanças climáticas merece atenção especial. O que deveria ser feito nos próximos anos? Essa afirmação foi baseada nas projeções feitas para a região Centro-Oeste, que já está sendo impactada pela mudança do clima. Ou seja, com o aumento atual, essa região já está sendo impactada e, para 1,5°C [de aquecimento], esses riscos de impactos aumentam por conta de maiores secas.
A gente espera que planos de ação antecipem o que o futuro pode ser e, fazendo isso, eles não estão dizendo que não existe mais solução, mas, se chegarmos lá, como estaremos preparados. A própria Embrapa estava desenvolvendo espécies mais resilientes ao calor, à falta de água.
O que deveria ser priorizado pelo país para reconquistar credibilidade na cena climática internacional? E o que deveria ser negociado em termos de cooperação e financiamento, além de recursos para o Fundo Amazônia? O nosso grande gargalo continua sendo a questão do desmatamento, que foi um dos elementos que fizeram com que o Brasil perdesse muito da sua credibilidade.
Acho que o Fundo Amazônia não é suficiente. Ele tem sido importantíssimo, mas financeiramente é insuficiente. Esse fundo ele compensa, vamos assim dizer, as reduções de emissões quando estas são demonstradas, e nós não estamos num estágio onde isso seja sustentável.
Apesar da importância do fundo, a gente precisa de mais investimentos de outros países, que possibilitem com que essa cooperação possa vir sem vínculos iniciais, para dar ao Brasil condição de iniciar esse processo de reversão.
RAIO-X
Thelma Krug, 72
Graduada em matemática pela Roosevelt University (EUA), com doutorado em estatística espacial pela University of Sheffield (Inglaterra), foi pesquisadora no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por 37 anos. Foi ainda secretária nacional adjunta no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e diretora de políticas de combate ao desmatamento no Ministério do Meio Ambiente. No IPCC, copresidiu a força-tarefa sobre inventários nacionais de gases de efeito estufa de 2002 a 2015 e ocupa, desde 2015, uma das três vice-presidências do painel (Folha de S.Paulo, 10/4/23)