A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defende tratamento diferenciado para o agronegócio na reforma tributária. Juntamente com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a entidade pede que o setor tenha alíquota diferenciada se for adotado o modelo de tributação única, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro, o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi, alega que o tratamento específico não visa privilegiar o agro em detrimento dos demais setores e sim manter a competitividade externa do setor.
“Queremos o tratamento adequado e diferenciado do setor porque o mundo faz dessa forma. Países que adotam o IVA possuem alíquotas diferenciadas para o setor agropecuário e para os alimentos e para setores mais sensíveis, como medicamentos e insumos de primeira necessidade”, explicou Lucchi.
“É um setor estratégico para a segurança alimentar. Caso não tenhamos a tributação adequada, podemos ter dependência externa por alimentos”, acrescentou.
A CNA estima que, caso as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110 sejam utilizados da forma como estão os textos atuais para a base da reforma, o setor agropecuário poderá ter um aumento de 573% na carga tributária. “Ambos os textos, da forma em que estão, prejudicam o setor e precisam de ajustes estruturantes. De nossa parte, não há preferência por um dos textos. O que queremos é que os pontos que defendemos sejam inclusos na reforma”, disse Lucchi.
O principal pedido da entidade é de que seja aplicada uma alíquota diferenciada, dentro do próprio IVA, com menor tributação sobre a agropecuária e alimentos, diferentemente de produtos supérfluos. As propostas atuais propõem alíquota única superior a 25%. A CNA calcula que a inflação poderá aumentar entre 1% e 1,8% em um ano se a proposta seguir como está.
“O consumidor está apto a aumentar o seu custo em um ano em que a economia terá baixo crescimento, a massa de consumo e o poder de compra diminuem? Vemos um movimento natural: quem come carne bovina comerá carne suína; quem come carne de frango comerá ovo. Temos preocupação que o IVA não vá para o consumidor e onere a produção, que terá de absorver parte do custo do aumento da tributação”, alertou o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon.
De acordo com a CNA, dos 50 países que utilizam o IVA, 47 possuem tributação diferenciada para a agropecuária e outros setores sensíveis.
“A nossa preocupação não é competir com serviço, indústria ou transportes e sim com o agro de fora. Porque, se entrar alta carga tributária no custo de produção, perderemos competitividade com o resto do mundo. À exceção da Argentina, o mundo não tributa alimentos. Se assim for, corremos o risco de importar uma série de alimentos por perda de competitividade”, acrescentou.
“Não é que queremos benesses e sim que seja aplicado um tratamento diferenciado, com menor alíquota sobre alimentos e insumos e o produtor não ser contribuinte. A maior parte dos países fazem assim, conforme um estudo da OCDE.”
Esse risco, de acordo com os técnicos da CNA, aumenta à medida que for efetivado o acordo entre Mercosul e União Europeia, onde há isenção do IVA e subsídio à produção. “Como o produtor gaúcho, por exemplo, de queijo, embutidos e vinho vai competir com o produto europeu, que viria com menor custo de produção e sem carga tributária? Regionalmente, a reforma, desta forma, seria um desastre para algumas cadeias e vai inviabilizar alguns mercados agropecuários”, pontuou Conchon.
A entidade elaborou um documento com nove pontos de preocupação, que foi entregue ao grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara dos Deputados.
São eles: alíquota única; produtor rural como contribuinte; extinção do crédito presumido; alíquota única para insumos agropecuários; oneração da cesta básica; insegurança do ressarcimento rápido e eficaz dos créditos; ajuste no adequado tratamento ao ato cooperativo; incidência do imposto seletivo sobre a cadeia produtiva de alimentos e tributação dos biocombustíveis.
Sobre os sete primeiros, a CNA sugere ajuste por meio de lei complementar e, para os dois últimos, a revisão poderia ocorrer por meio de emenda à Constituição.
Na última segunda-feira (6), a diretoria da CNA, juntamente com o Instituto Pensar Agropecuária (IPA), se reuniu com a equipe técnica do grupo de trabalho sobre a reforma tributária na Câmara, que tem como relator o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), para detalhamento dos nove pontos.
De acordo com Lucchi e Conchon, a equipe técnica sinalizou que nem a PEC 45, nem a PEC 110 tendem a prosseguir, havendo a possibilidade de o governo apresentar um novo relatório. “Haverá alteração. A nossa percepção é de que deve surgir um terceiro relatório que una as duas propostas atuais”, observou Conchon.
Ainda não há sinalizações do grupo de trabalho sobre as demandas do agro, mas já ocorreram acenos políticos de abertura para contemplação das propostas setoriais e entendimento dos impactos das propostas.
De acordo com eles, o setor está sendo o primeiro segmento econômico a ser ouvido, podendo haver rodadas técnicas para discussões com outras cadeias produtivas. “Ribeiro se colocou à disposição para ouvir o setor. Do ponto de vista técnico, temos espaço para dialogar e temos que aguardar o texto. Na questão política, os parlamentares da FPA estarão em campo para defender os pleitos do setor”, observou Lucchi.
Lucchi alega que deve haver cautela no entendimento de que a reforma baseada no IVA levaria ao aumento do consumo, apesar da alta da carga tributária sobre os produtos.
“Não é uma equação linear. Muitas vezes, quando se aumenta o custo de produção, se inibe o consumo, principalmente em produtos de valor agregado, como lácteos, frutas e carnes. Além disso, mesmo que a economia cresça, o salário dos consumidores não aumentará na mesma proporção”, justificou.
“Portanto, haverá impacto no consumo e algumas cadeias sofrerão bastante”, alertou o diretor técnico da CNA.
Um dos pontos básicos que a CNA defende é que o produtor rural pessoa física não seja considerado contribuinte direto do IVA. A entidade argumenta que mais de 98% dos produtores rurais brasileiros atuam como pessoa física e, por isso, sugere que a tributação do IVA incida sobre os produtos (exceto os da cesta básica e os insumos) e não necessariamente no contribuinte.
De acordo com a CNA, esse entendimento é adotado também na maior parte dos países que possuem o IVA. “Isso não quer dizer que ele não pagará imposto, mas não o direto”, afirmou Conchon.
A entidade sugere que o produtor tenha a opção de adotar o modelo do IVA, como ocorre na Europa. “Pelos textos atuais, produtores teriam que ter toda a contabilidade e isso aumenta muito a burocracia. Ele vai gastar mais com contador do que gasta com agrônomo, por exemplo”, apontou.
A CNA chama a atenção que, dos 5,1 milhões de estabelecimentos agropecuários do País, dados do censo do IBGE de 2017, 90% estão nas classes C/D/E, sendo 2,482 milhões das classes D/E e 1,985 milhão na classe C.
“Esse produtor, muito provavelmente, não está apto a ter contabilidade própria. Mesmo que ele receba o cashback depois, não faz sentido pagar para depois de um tempo receber o valor de volta”, apontou o coordenador do Núcleo Econômico da CNA.
Outra preocupação da confederação é quanto à manutenção da desoneração dos produtos da cesta básica. Uma das propostas de reforma, a PEC 45, propõe o fim da isenção dos impostos (PIS/Cofins e IPI) sobre a cesta básica. Caso essa proposta avance, a CNA prevê que o preço da cesta básica deva subir 22,7% (base São Paulo).
“É um custo de vida a mais que afetará toda a sociedade, não somente o produtor rural ou a agroindústria. É mais interessante, do ponto de vista de arrecadação do governo, reavaliar os produtos da cesta do que reonerar a cesta e trazer custo maior para esse alimento, podendo o importado ficar mais barato do que o nacional”, pontuou Lucchi.
A confederação alega que a maioria dos países adota alíquota reduzida sobre os alimentos, a fim de ampliar o acesso da população e reduzir o custo de vida e que tributar os produtos da cesta poderia afetar o consumo de alguns produtos. A entidade questiona ainda a discussão de tributação sobre a cesta básica justamente em meio ao aumento da insegurança alimentar no Brasil. “Defendemos a alíquota mínima sobre alimentos da cesta básica, porque isso afeta o poder de compra do consumidor”, afirmou.
O setor produtivo teme também uma possível taxação sobre as exportações. O tema voltou à tona após a MP dos Combustíveis onerar a exportação de petróleo cru, produto primário como as commodities agrícolas. Na avaliação do setor, a oneração do óleo cru abre o precedente quanto às taxas sobre vendas externas de commodities.
“Desde o início das discussões, a equipe da reforma diz que não haverá tributação sobre exportação. Era um assunto que estava teoricamente apaziguado, mas voltou à discussão e temos exemplos que mostram que isso inviabiliza a produção, vide a Argentina”, afirmou Lucchi.
A CNA defende que seja considerado o desenvolvimento regional e da agroindústria envolvidos na exportação de commodities agrícolas, diferentemente das commodities minerais.
A revisão da Lei Kandir, que isenta o ICMS das exportações de produtos primários, citada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é outro ponto que deixa alerta o setor produtivo. Recentemente, Lira disse que a Lei Kandir deverá ser revisitada na discussão da reforma, mas não detalhou o que seria a eventual atualização.
“Em tese, era uma questão pacificada após o acordo do Supremo Tribunal Federal de repasse do crédito da União aos Estados. Ainda há que ser melhorado o crédito de direito das tradings, em torno de R$ 4,4 bilhões anuais. Com o novo modelo de 25%, vai para R$ 23 bilhões”, pontuou Conchon. Em relação ao crédito presumido, a confederação recomendou ao grupo de trabalho da reforma que as propostas acelerem a devolução dos créditos acumulados aos contribuintes em menos de 60 dias. O assunto compete diretamente às agroindústrias e tradings exportadoras. A confederação critica que os textos em discussão não tratam da questão (Broadcast, 11/3/23)