Por Fernando Antônio Ribeiro Soares
A transição energética para enfrentar as mudanças climáticas é fundamental. Mas é necessário minimizar esses custos para os países menos abastados.
O mundo na atualidade tem se voltado para as discussões climáticas. O elevado consumo – sim, padrões de consumo também importam – associado à geração de Gases de Efeito Estufa (GEEs) está no centro destes eventos que, por seu turno, têm a capacidade de alterar significativamente as condições de vida em nosso planeta: 1) a alteração dos padrões climáticos; 2) o degelo das calotas polares e a elevação dos níveis dos oceanos; 3) as inundações; 4) a desertificação e seus efeitos sobre a produção de alimentos e o custo de vida, entre outros.
Os eventos climáticos não serão neutros. Gerarão impactos econômicos com os seus não menos preocupantes impactos sociais – sim, there’s no such thing as a free-lunch (não existe almoço grátis). Também é importante lembrar que não há como produzir algo do nada. Colocando de outra maneira: é impossível produzir bem-estar com a escassez de recursos, inclusive com a escassez gerada pelas mudanças climáticas.
Neste cenário, governos estão empreendendo uma agenda de negociações. Não só governos, mas também o empresariado, organizações não governamentais, investidores e consumidores, com impactos e novas condições e exigências de mercado. É importante reafirmar que a transição energética é um imperativo, porém ela tem custos (no free-lunch). Porém, tais custos são muito diferenciados entre os países. No limite, este processo, caso não seja calibrado, apesar de estritamente necessário, pode produzir uma piora na distribuição de renda global.
Vamos aos detalhes. Os países desenvolvidos estão mais preparados para enfrentar os desafios da agenda climática. O catching-up destas economias já foi obtido, ou seja, elas já se encontram num nível de acumulação de capital por trabalhador e, portanto, de produtividade que lhes permite estar num equilíbrio com elevado nível de bem-estar. Com isso, o aprofundamento produtivo desses países poderia ser diferenciado, focado na reposição e nas inovações tecnológicas. Qual a conclusão? A necessidade de menor acumulação de capital permite uma matriz menos poluente. E, além disso, em razão do elevado nível de bem-estar já alcançado, concessões a serem feitas para a transição energética seriam menos onerosas do ponto de vista social. Os países desenvolvidos podem direcionar a produção para o longo prazo e para as inovações tecnológicas, que tendem a ser menos poluentes quando comparadas com a acumulação de capital e a exploração de recursos naturais e da terra.
Os países em desenvolvimento, por outro lado, ainda precisam empreender uma longa jornada de acumulação de capital e de aumento da produtividade – isso sem falar do necessário avanço educacional e tecnológico. Pode-se enfatizar que tais países estão distantes de um equilíbrio com adequado nível de bem-estar. E melhorar o padrão de vida, caso não haja suficiente investimento na área ambiental, produzirá maiores níveis de GEEs. Os países em desenvolvimento, portanto, tendem a ser mais poluentes – por exemplo, em termos per capita – quando comparados aos países desenvolvidos. Também colabora para isso a baixa capacidade de investimento em tecnologias limpas, tanto em termos de desenvolvimento como em termos de aquisição.
Considerando essa diferenciação entre países, em especial em relação aos padrões de vida, seria justo que ambos empreendessem os mesmos esforços na transição energética e numa matriz limpa de energia?
Em decorrência desses desníveis de desenvolvimento econômico, não seria fair impor aos países em desenvolvimento, inclusive ao Brasil, um ajuste climático igual ao dos desenvolvidos. O custo relativo para os primeiros seria muito mais alto, e isso seria percebido por populações que ainda são carentes de um número elevado de serviços básicos. Além disso, não seria demais demandar que os países desenvolvidos apoiassem, financiassem, ao menos em parte, a transição energética nos países em desenvolvimento. O único que não pode ser sacrificado nesta questão é o clima. De outra forma, a transição energética para o enfrentamento das mudanças climáticas é fundamental! É, contudo, necessário minimizar esses custos para os países menos abastados.
Não estou, aqui, requentando uma discussão acerca do “imperialismo” ou de um “conflito de classes” entre os Hemisférios Norte e Sul. Basicamente, estou tentando demonstrar que o estágio de desenvolvimento entre os países é diferente e importa. Nem todos atingiram o caminho de crescimento equilibrado que permita maiores níveis de consumo e de satisfação de vida. Os países em desenvolvimento ainda precisam enfrentar uma longa jornada de acumulação de capital (infraestrutura, serviços, indústrias, etc.) e de aumento da produtividade de forma a melhorar as condições de vida da população. A mudança nas emissões de GEEs é custosa, cara. Nada seria mais justo que calibrar as contribuições para a descarbonização observando os efeitos e os custos sobre a qualidade de vida de cada país (O Estado de S.Paulo, 12/3/23)