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Guerra trouxe ganhos, mas expôs fragilidade de nosso sistema de produção

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Para o agronegócio brasileiro, a guerra elevou o patamar de custos e abriu novas janelas de oportunidades externas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia completa um ano na sexta-feira (24). Com grande influência sobre o agronegócio do Brasil nos primeiros meses, os efeitos do conflito já são menos acentuados, mas ainda trazem grandes indefinições para o setor.

Preços e fornecimento internacionais das commodities e dos insumos, principalmente de fertilizantes, podem sofrer novos efeitos por causa desse conflito que dura mais tempo do que se previa.

Para o agronegócio brasileiro, a guerra elevou o patamar de custos, abriu novas janelas de oportunidades externas, mas escancarou a fragilidade do sistema de produção nacional.

As incertezas ainda são grandes e exigem um processo de gestão muito mais desafiador para os produtores. É hora de um controle com mais cautela na expansão de áreas e de investimentos.

Novos efeitos colaterais dessa guerra seriam determinantes para a atividade, afirma Maciel Silva, diretor técnico adjunto da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Segundo ele, os contratos de longo prazo precisam ser muito bem avaliados, e a busca de inovação tecnológica e de eficiência produtiva tem de ser constante.

A Covid e a guerra mostraram que não é mais o balanço de oferta e demanda que baliza o sistema. Os preços do petróleo, do gás na Europa e do frete marítimo e outros fatores externos à atividade passam a ter grande importância, afirma o diretor da CNA.

No setor de grãos, Daniele Siqueira, analista da AgRural, diz que o pico de preços passou, mas ainda restam dúvidas sobre o potencial de produção da Ucrânia e sobre os acertos entre ucranianos e russos no acordo sobre o corredor de exportação. Tudo isso pode voltar a influenciar.

Na área de fertilizantes, analistas do Itaú BBA indicam alguns pontos importantes para a definição de preços no setor. Entre eles, Estados Unidos e Europa vão às compras, um eventual recrudescimento da guerra entre Rússia e Ucrânia, problemas geopolíticos envolvendo a China e o preço da energia.

Nessa guerra, ficou clara a dependência externa do Brasil de produtos importantes no sistema de produção, como os fertilizantes. Houve um acirramento, no entanto, das discussões internas sobre essa fragilidade, o que está forçando o país a procurar novas soluções, por meio do aumento da produção nacional de insumos e da busca de novas soluções tecnológicas, como o desenvolvimento mais rápido dos bioinsumos.

Do lados dos custos, o principal gargalo foi o dos fertilizantes. Os preços internacionais, que já vinham em alta devido às sanções impostas pela União Europeia à Belarus, dispararam após o início da guerra.

No ano passado, o Brasil reduziu em 8,4% o volume de fertilizantes importados, mas gastou 63% a mais do que em 2021. Altamente dependente do mercado externo, o país acelerou as compras logo após a guerra, segundo Mauro Osaki, pesquisador do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).

Nos meses de maio, junho e julho, as compras mensais superaram 4 milhões de toneladas. De janeiro a julho, o país já havia comprado 8,6 milhões de toneladas de cloreto de potássio. Nos sete primeiros meses do ano, as compras totais de fertilizantes já haviam somado 24 milhões de toneladas, 59% do total comprado durante 2022.

Preços elevados e redução no poder de compra fizeram o produtor colocar o pé no freio na aquisição desse insumo. Em janeiro de 2021, os agricultores de Sorriso (MT) já haviam adquirido 80% do fertilizante que iam utilizar, volume que foi de 65% no mesmo mês do ano seguinte. No mês passado, no entanto, as compras foram de apenas 18,5%, segundo Osaki.

Para o pesquisador, os preços do cloreto de potássio mostram os efeitos da guerra sobre o custo dos insumos.

Em janeiro de 2021, a tonelada de cloreto de potássio valia R$ 2.010 em Sorriso. No mesmo mês do ano seguinte, R$ 5.428. Em janeiro último, após ter atingido R$ 6.911 em abril de 2022, recuou para R$ 3.850.

Silva, da CNA, afirma que a guerra expôs ainda mais como os fertilizantes são o calcanhar de Aquiles do setor.

Isso levou o país a buscar novos fornecedores, como Canadá e Estados Unidos, e a pensar mais seriamente em uma política de estado para o setor.

As discussões aceleraram o Plano Nacional de Fertilizantes, com execução prevista para longo prazo. “Não vamos ficar autossuficientes nesse setor, mas teremos uma redução da dependência”, afirma ele.

Para Silva, o choque da guerra provocou também uma aceleração na busca de uma cadeia emergente de opções, principalmente no desenvolvimento de bioinsumos e outras alternativas. O ritmo da velocidade na procura por bioinsumos acelerou, afirma.

O Brasil foi afetado pelos custos dos fertilizantes, mas ganhou com a aceleração dos preços das commodities, principalmente as de maior importância na lista de produção da Ucrânia e da Rússia.

Milho e trigo estão nessa lista. Já a soja, produto que o Brasil tem a hegemonia mundial na produção e na exportação, foi afetada de forma indireta, segundo a analista da AgRural.

Ela mostra o quanto esses preços subiram com a guerra, acelerando a inflação dos alimentos pelo mundo. No início de janeiro de 2022, quando os sinais da possível invasão já influenciavam o mercado, o primeiro contrato do milho estava a US$ 5,89 por bushel (25,4 kg), em Chicago. Subiu para até US$ 8,27 no final de abril, recuando para US$ 6,76 na semana passada.

O Brasil, colhendo uma supersafra do cereal, conseguiu exportar o recorde de 43,2 milhões de toneladas no ano passado, bem acima dos 20,4 milhões de 2021.

Silva diz que a importância da Ucrânia nas exportações de milho e as dificuldades que a guerra trouxe para os ucranianos aceleraram as vendas brasileiras.

A China liberou as exportações do Brasil e já passou a ser um importante mercado. Em 2022, compraram 1,16 milhão de toneladas. Apenas em janeiro deste ano já foram 984 mil, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

Para Daniele, os preços elevados do milho afetaram o consumo mundial, que deverá cair para 1,16 bilhão de toneladas na safra 2022/23, o que não é normal. A redução foi de 40 milhões de toneladas.

O trigo foi um dos produtos mais afetados, devido à importância dos dois países no mercado internacional. Respondem por 28% das exportações mundiais.

O preço saltou de US$ 7,58 por bushel (27,2 kg), no começo de janeiro, para US$ 9,26, no dia da invasão, atingindo US$ 13,40 no início de março de 2022. Na semana passada, estava em US$ 7,65.

As dificuldades da Ucrânia para exportar e as sanções impostas à Rússia aceleraram a viabilidade da produção do trigo no Brasil, afirma Silva. O país conseguiu uma safra de 10,5 milhões de toneladas e exportou o recorde de 3,1 milhões.

Novas regiões produtoras no país e o desenvolvimento de novas variedades vão incentivar o plantio, segundo o diretor-adjunto da CNA.

A Ucrânia não tem grande importância na produção mundial de soja, mas a redução no fornecimento de óleo de girassol, que é líder, puxou as vendas de óleo de soja.

Os preços da oleaginosa, que começaram 2022 a US$ 13,44 por bushel (US$ 27,2 kg) em Chicago, subiram para US$ 16,62 no dia da invasão, atingindo US$ 17,84 em 9 de junho, o segundo maior valor do produto.

A máxima histórica tinha sido de US$ 17,95, atingida em setembro de 2012, devido a intensa seca nos países produtores, segundo a analista da AgRural.

Menor fornecimento de óleo de girassol pela Ucrânia, quebra de safra de canola no Canadá e na Europa, dificuldades de exportação pela Argentina e interrupção temporária do fornecimento de óleo de palma pela Indonésia elevaram os preços do óleo de soja no mundo. No Brasil, a alta acumulada nos últimos quatro anos foi de 164%.

A duração do conflito entre os dois países do Leste Europeu vai determinar a capacidade de plantio e de exportação da Ucrânia, importante no fornecimento de trigo, milho e óleo de girassol.

Já Rússia, pouco afetada na produção, sofre sanções de importadores, o que dificulta o escoamento de seus produtos (Folha de S.Paulo, 21/2/23)

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