Editorial O Estado de S.Paulo
Apesar dos retrocessos de Bolsonaro, o País ainda possui rico patrimônio ambiental. Para aproveitar esse potencial, o governo do PT precisa abandonar suas próprias pautas retrógradas.
O governo formalizou a candidatura de Belém do Pará para sediar a Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU em 2025, a COP-30. Também deu prioridade à reativação do Fundo Amazônia e à busca de novas fontes internacionais de financiamento ambiental. A primeira manifestação de repercussão internacional do presidente Lula da Silva, logo após as eleições, foi um discurso que cativou a plateia da COP-27. Até que ponto esses gestos concretizarão ganhos práticos, o futuro dirá. Desde já, simbolizam uma importante intenção de reconstruir as políticas ambientais.
Diferentemente de tantas bandeiras agitadas por Jair Bolsonaro em sua campanha de 2018 – como o liberalismo econômico ou o combate ao fisiologismo político, que foram amplamente esquecidas ao longo do mandato –, na questão ambiental não houve laivo de estelionato eleitoral. O antiambientalismo foi e continua sendo artigo de destaque no ideário bolsonarista.
Um dos primeiros atos de Bolsonaro foi cancelar o compromisso do Brasil de sediar a COP-25, em 2019. Depois, paralisou o Fundo Amazônia. E assim a “boiada” de que falava seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – por sinal, acusado de favorecer madeireiros ilegais –, foi passando. O governo Bolsonaro, justamente o que se apresentava como paladino “da lei e da ordem”, manipulou dados de monitoramento, desmantelou instituições de fiscalização e instâncias de governança e participação social e afrouxou a autuação e penalização de infratores ambientais. Os recordes de desmatamento, garimpo predatório ou agressões a indígenas colecionados durante o governo foram resultados calculados e obtidos. Mais do que em qualquer outra área, na ambiental o último governo consagrou seu “orgulho de ser pária”.
No entanto, apesar de todo o descalabro bolsonarista, o País não se tornou um pária ambiental. Mesmo com todos os retrocessos dos últimos quatro anos, o Brasil está longe de ser a realidade que Bolsonaro projetou para o mundo. O País tem uma legislação ambiental avançada, índices de preservação elevados, uma matriz energética das mais limpas e um agronegócio dos mais produtivos e sustentáveis.
Referência internacional, o Código Florestal de 2012 estabeleceu metas e instrumentos de preservação ambiciosos e inovadores. Cerca de 80% da energia elétrica é gerada por fontes renováveis. Com décadas de investimento em tecnologia e produtividade, o agro brasileiro responde por 1 em cada 5 pratos de comida no mundo, mesmo utilizando só 8% do território nacional para cultivo e 18% para pastagem. Cerca de 66% das terras brasileiras são cobertas por vegetação nativa – incluindo 14% de reservas indígenas –, enquanto a média na Europa e EUA é de 30%. Vale lembrar que, em consequência das exigências legais, 30% do território nacional é preservado intacto pelos próprios agricultores, às suas expensas.
Nada disso autoriza, no entanto, a complacência. Os crimes ambientais seguem em alta, a reconstrução do aparato de fiscalização é tarefa árdua, e o Brasil ainda tem um imenso potencial inexplorado, em boa parte pela ineficiência do Estado – por exemplo, na infraestrutura precária, o grande gargalo da agropecuária, e em regulações retrógradas, que poluem o ambiente de negócios, ou insípidas, que atrasam a monetização de serviços ambientais.
O próprio PT tem um passivo ambiental do qual precisa se desvencilhar. É retrógrada sua postura em marcos de sustentabilidade, como o do saneamento e das regularizações fundiárias, além de sua conhecida hostilidade ideológica ao agronegócio.
A falsa dicotomia entre economia e meio ambiente, entre produção e preservação, promovida por tantos ideólogos à direita e à esquerda, com sinais invertidos, é fatal para o desenvolvimento sustentável. Apesar de todos os percalços e retrocessos, a história do Brasil mostra que esse desenvolvimento é possível e, se o País souber separar o joio do trigo, tem todas as condições de oferecer um exemplo de sustentabilidade ao mundo, conjugando prosperidade social com preservação ambiental (O Estado de S.Paulo, 18/1/23)