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Por Beatriz Pacheco

País assume protagonismo no cenário energético global pelo potencial de exportação de hidrogênio verde, promessa para a descarbonização das economias, e aposta da união europeia para a transição na sua matriz.

O ano é 2022. Com as baixas temperaturas, em países europeus menos desenvolvidos, marcados pela desigualdade que destoa do retrato burguês no velho continente, cada vez mais famílias queimam lixo para enfrentar o frio.

O xadrez geopolítico na Europa obrigou até as grandes potências a incrementar as reservas de energia gerada à base de combustíveis fósseis ou nuclear, o que encarece a matriz e dificulta o controle da inflação. Nessas economias, pouco acostumadas à turbulência, o cenário é de caos. Ainda é outono no Hemisfério Norte, mas o calendário para a implementação de soluções não é generoso, tampouco flexível: faltam menos de dois meses para o inverno europeu, quando o clima é mais rigoroso, e o período de luz natural cai para cinco horas no dia.

A 10 mil quilômetros, na capital paulista, o calor da primavera ao sul dos trópicos afasta mais ainda essa realidade. No entanto, para os líderes do setor energético que se reuniram no Brazil Windpower, principal convenção do mercado eólico no país, a Europa não parecia assim tão longe quanto a distância entre os dois pontos.

O Brasil pode exercer um papel crucial no embate da União Europeia (UE) com a Rússia, sem sequer precisar rever sua posição de neutralidade em relação ao conflito no leste europeu. Está sob os holofotes globais por ser uma potência exportadora de energia, afirma o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Nivalde de Castro. A abundância de matéria-prima renovável e a cadeia energética maduratornam o mercado estratégico para a produção do hidrogênio verde, promessa para a descarbonização das economias.

Internamente, o setor também se prepara para mudanças. Com a redução das barreiras para o ingresso de consumidores no mercado livre, ambiente em que a energia elétrica é negociada diretamente com fornecedores – dinâmica semelhante à do setor de telecomunicações –, o horizonte é de incremento da demanda por energias renováveis.

De acordo com o plano de expansão energética do Ministério de Minas e Energia, a capacidade instalada do mercado de energia livre e distribuída (de geração local ou descentralizada) deve chegar a 55 gigawatts (GW) até 2031, salto de 120%. O volume representa 20% da matriz projetada para o ano.

POTENCIAL VERDE

Espécie de “petróleo do futuro”, o hidrogênio verde é uma oferta energética que ainda não está consolidada no mundo. Mas, por ser um vetor para grandes volumes de energia e o único elemento capaz de substituir combustíveis fósseis nos processos fabris, foi escolhido pela UE como meio para alcançar a neutralidade da emissão de carbono até 2050 e fazer a transição para uma economia verde.

O hidrogênio só é considerado verde se tobtido em processos sem emissão de carbono, nas usinas de energia eólica, solar e de biomassa. Como o bloco europeu não tem condições de produzir esse tipo de hidrogênio para atender à própria demanda, está formando um mercado internacional de energia no qual países com áreas disponíveis, sol e vento são potenciais parceiros.

A corrida por esse mercado, que deve ultrapassar US$ 2,5 trilhões até 2050, é para abocanhar uma fatia generosa dos 20% do consumo global de energia que estarão concentrados no hidrogênio, conforme projeção do Hydrogen Council. Os investidores querem montar esse cavalo selado e elegeram o Brasil para explorar a próxima fronteira do mercado de energia. Os aportes já anunciados em projetos de hidrogênio verde no país somam mais de US$ 27 bilhões, 10% do total global.

Com previsão de início das operações a partir de 2025, nos contratos, concentrados em portos na região Nordeste, fala-se de geração de 1,4 mil empregos diretos e na produção de 16,1 milhões de toneladas de hidrogênio verde por ano e de 2,8 milhões de toneladas de amônia verde, que atenderiam principalmente ao mercado externo.

“Há perspectiva de cinco anos para geração de hidrogênio verde no Porto de Pecém, no Ceará, que é o projeto mais avançado no território nacional. Já os outros dependem de uma concentração de forças. Ainda não atingimos o ponto de não retorno, então os projetos podem enfrentar entraves”, avalia Hermano Pinto Junior, diretor do núcleo de energia e infraestrutura da Informa Markets. Todavia, o ponto central, lembra Nivalde de Castro, é que a Europa avance nos leilões de hidrogênio verde. Até lá, o país tem muita estrada (ou água) pela frente.

DESAFIO VERDE

O Brasil já é um país de energia limpa, o que o coloca em vantagem na corrida. A matriz nacional tem 80% de toda sua fonte vinda de energia renovável, contra 14% no mundo. “Temos um dos melhores ambientes de geração de energia renovável no mundo, com matérias-primas baratas para a produção de hidrogênio verde”, avalia Lucas Araripe, diretor de novos negócios da Casa dos Ventos, empresa de energias renováveis. A companhia estuda áreas nos portos para começar projetos de licenciamento e preparação para produzir hidrogênio e amônia para exportação e para o mercado doméstico.

O combustível responde por até 75% dos custos de produção do hidrogênio, mas a energia renovável do Brasil está em patamares de preços mais baixos no mercado internacional, o que garante a produção de energia verde competitiva. Com oferta alavancada e incentivos fiscais, desde 2018 a energia eólica brasileira é a mais barata. Já o preço da energia solar nacional teve uma queda de 95% (de US$ 359/MWh para US$ 17/MWh) entre 2009 e 2020, que se deu em parte pelo barateamento dos painéis fotovoltaicos.

A questão hoje é a regulamentação das usinas eólicas no mar (offshores), que devem viabilizar a exportação da energia verde. “A biomassa tem potencial de geração maior e mais eficiente de hidrogênio verde pela disponibilidade do elemento na cadeia química, mas essa produção está condicionada à questão logística. Nesse sentido, a produção offshore é mais interessante por estar junto aos portos”, explica Hermano.

O Brasil provou à Europa ser um parceiro economicamente mais vantajoso que países do Mediterrâneo, como Marrocos e Tunísia. O custo de produção energética nesses países é mais elevado, assim como a gestão de tráfego marítimo. Do nordeste brasileiro, são seis dias de navio até a Europa.

Faltam, no entanto, respostas para como exportar a energia. As alternativas disponíveis na indústria hoje são liquefazer o hidrogênio, um processo complexo, ou transformá-lo em amônia. O caminho mais provável, acreditam os especialistas, é o da geração de produtos verdes a partir dessa energia. De toda forma, ainda não há um desenho desse mercado: se os países exportadores produzirão a energia verde para que a produção aconteça fora ou se haverá um deslocamento da cadeia de suprimentos global para aproximar a produção eletrointensivas às fontes de energia.

“Avançamos com investimentos tímidos e atraso nas fontes de baixo impacto ambiental`, pegando carona na onda internacional. É o que acontece hoje com as eólicas offshore”, avalia André Flávio, diretor-executivo do setor de energia da EY. Neste ano, o Brasil caiu quatro posições (para 13º) no ranking global da consultoria que mede a atratividade dos países em energia renovável. Mesmo com desafios internos,

a retração se deu pelo cenário externo. “Com a corrida na Europa pela substituição de combustível fóssil, o investimento migrou para os mercados locais, já que não tivemos acelerador de renováveis nesse período.” A tendência, acredita, é que o país volte a avançar no índice, como fez nos últimos 20 anos. Por ora, a única certeza é a de que o Brasil não será um ponto isolado nesse mercado.

RAIO-X DA MATRIZ BRASILEIRA

O governo vem diminuindo barreiras para o mercado livre, em que a energia é hoje mais barata em relação ao mercado cativo. Em 2023, o piso cairá para 500 kW de consumo. A perspectiva de inclusão do consumidor varejista, no entanto, é para depois de 2024. Mas Castro e a equipe do Gesel acompanham o desenrolar do cenário com atenção. “O governo está estimulando a transição, mas talvez não esteja medindo a velocidade adequada para que não haja desequilíbrio. Há de se lembrar que a crise do apagão de 2001 foi em parte isto: privatização acelerada, liberalização do mercado e suspensão de investimentos do Estado”, avalia.

Nesse processo, as distribuidoras já não têm contratado muita energia no mercado regulado. Prova disso são os resultados do último leilão (A-5), para o qual se apresentaram apenas duas distribuidoras, e o certame A-6, cancelado pela ausência de demanda no mercado regulado.

André Flávio, da EY, enxerga que a entrada de novos consumidores no mercado livre deve fazer os preços se estabilizarem em um patamar superior. “Temos pesquisado o que vai pesar nessa escolha: a fonte verde ou a mais barata? Os estudos mostram que o consumidor tende a seguir com a mais barata”, revela. Ele vê uma curva ascendente para a matriz verde, mesmo que não haja adoção massiva no mercado livre.

Na última década, a oferta das fontes eólica e solar registraram mais crescimento no país, de 92% e 15,5%, respectivamente, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por isso hoje ocupam a segunda e a terceira posições na matriz energética, nessa ordem. Em 2023, 90% do aumento previsto da geração de energia no país virão dessas fontes.

No entanto, a fonte solar deve arrancar até 2031 e tomar o segundo lugar em capacidade instalada, com 16% da matriz. Eólica cairia para a quarta posição, com 11%, mas a projeção do governo não considera offshores. Por isso, o cenário futuro da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) é mais otimista: salto de 68% nos próximos anos, para mais de 37 GW até 2026.

Para a biomassa, a UTE Cidade do Livro estabeleceu um marco ao vencer o primeiro leilão de reserva de capacidade com um projeto verde. Voltada ao desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento nacional, focada em impacto social, a usina terá capacidade de geração de 80 MW (sendo 10 MW para consumo próprio). A IBS Energy, autora da proposta, já tem planos para uma segunda unidade nesses mesmos moldes, mas questiona a priorização de políticas públicas para matrizes eólica e solar, beneficiadas por programas de incentivos nos últimos 10 anos. A margem para expansão da capacidade instalada do biogás, para

a Associação Brasileira de Biogás (ABiogás), é da ordem de 40 vezes o parque atual.

Sobre os leilões, o diretor de operações Murillo Galli defende: “caímos num limbo em que não existem políticas públicas para a energia gerada da biomassa. O preço da biomassa é mais alto que eólica e solar, mas fica competitivo no cenário do gás, em que perde em escala. Ainda assim, existem questões qualitativas e de segurança que não estão sendo consideradas nesses projetos” (Forbes, 15/1/23)

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