Brasil busca proteger agrotóxicos e atrair recursos, mas rejeita meta global.
De quem é a responsabilidade pela conservação da biodiversidade global? Essa é a pergunta que trava as negociações da COP15 da Convenção de Diversidade Biológica da ONU, que começa nesta quarta-feira (7) e vai até o próximo dia 19, em Montreal, no Canadá. O objetivo é chegar a um novo acordo global que reúna os países em torno de uma meta de conservação.
A proposta mais popular leva o apelido de 30×30 e prevê conservar 30% da biodiversidade global até 2030. ONGs e movimentos sociais defendem uma parcela maior, que garanta a conservação de 50% dos ecossistemas.
Na segunda-feira (5), a meta mais ambiciosa foi defendida em uma carta assinada por dezenas de organizações brasileiras, incluindo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o MST (Movimento Sem Terra).
Embora ainda haja diversas propostas de números na mesa, o detalhe, no entanto que racha as posições dos países é a definição sobre a meta ser global ou nacional. O Brasil trabalha contra a meta global. Propõe, no lugar, que cada país se comprometa a conservar 30% do seu território, de modo que a meta se torne nacional.
A estratégia busca evitar que a responsabilidade por boa parte da biodiversidade global seja empurrada para dentro do território nacional, que é o mais biodiverso do mundo. China, África do Sul e outros países megabiodiversos e em desenvolvimento acompanham o Brasil nessa posição.
Alguns países desenvolvidos, no entanto, têm dito que não haverá acordo sem uma meta global. Para o bloco rico, a responsabilidade pela conservação é dos países detentores da biodiversidade.
Para que os territórios biodiversos não se tornem um ônus para o país detentor, que teria o uso do seu território restringido, a proposta defendida por países, cientistas e organizações ambientalistas é que o restante do mundo financie a conservação desses territórios.
Aqui entra outra divergência: países em desenvolvimento querem que isso aconteça através de um novo fundo, voltado à biodiversidade. A proposta, feita pelo Brasil no início do ano, ganhou força após a aprovação de um novo fundo climático na COP27, no mês passado.
Mas os países ricos evitam assumir esse compromisso e já adiantam que o financiamento deve vir de todas as fontes —públicas e privadas.
Outro caminho para valorizar economicamente a biodiversidade é a definição sobre incentivos econômicos para as atividades que contribuem com a conservação e a extinção dos subsídios às ações danosas para os biomas.
Nesse tema, o Brasil tenta emplacar o incentivo à bioeconomia (que envolve a exploração de espécies florestais não madeireiras, com a extração de cacau, castanha, açaí, entre outros), mas enfrenta resistência e desconfiança especialmente dos europeus. Isso porque o país também vai à COP15 para proteger o comércio agrícola, evitando, por exemplo, uma proposta da União Europeia que prevê cortar os subsídios aos agrotóxicos —algo que o Brasil busca proteger.
“O Brasil confia que variados setores de sua economia, inclusive o agronegócio, apresentam casos de sucesso de sustentabilidade, que contribuem para reafirmar o compromisso brasileiro com a promoção do desenvolvimento sustentável e a inclusão social, aliados ao fomento à inovação, à ciência e à tecnologia”, diz um ofício do Itamaraty enviado em resposta ao requerimento de informação pelo deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP) sobre as posições brasileiras na COP15.
A Folha teve acesso aos ofícios enviados pelos ministérios de Relações Exteriores, Economia, Agricultura e Justiça em resposta ao deputado. Já o Ministério do Meio Ambiente foi o único que não respondeu aos questionamentos e pediu mais prazo, embora tenha enviado negociadores para completar o time dos diplomatas na COP15.
Entre as negociações que mais engajam o Itamaraty e o setor privado brasileiro nesta COP, estão o pagamento por serviços ambientais e a repartição dos benefícios da utilização de recursos genéticos, que podem ser implementados a partir da negociação, nesta COP, do mecanismo de Informações de Sequenciamento Digitais (conhecido como DSI, na sigla em inglês).
Embora os países tenham apenas 12 dias de negociação pela frente, a expectativa de que atinjam um consenso que permita assinar um novo acordo global pela biodiversidade é baixa, já que eles chegam à COP15 com poucos avanços colhidos das duas reuniões preparatórias. O rascunho do acordo já passou por negociações em Genebra, em março, e em Nairóbi, no Quênia, em junho.
Além das questões centrais sobre a meta global e o financiamento, os países mantêm posições conflituosas em pelo menos outras seis metas, sobre restauração, áreas espaciais para conservação, poluição, clima, integração com outras áreas e financiamento (Folha de S.Paulo, 8/12/22)