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Investimento agro troca desmatamento por carbono para atrair milionários

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Negócio lucrativo da recuperação de pastagens aposta em certificação verde.

O fogaréu na floresta ocupou seguidas vezes espaço na imprensa mundial ao passo que o desmatamento no Brasil avançou à taxa de 20% ao ano desde 2019. Se de um lado as labaredas consomem o patrimônio natural do país, de outro, as imagens esfumaçadas chamuscam a reputação do agronegócio doméstico, atividade que movimenta quase um quarto do PIB brasileiro.

Com o discurso de combate à crise do clima ganhando espaço entre investidores, livrar-se da fama de vilão ambiental desponta como uma necessidade para o setor.

Cientes do risco financeiro que o dano de imagem representa, gestores de ativos ligados ao agro buscam certificações internacionais para atestar boas práticas no manejo do solo. No meio do caminho, alguns estão encontrando oportunidades que vão além da exportação de grãos e carne. Eles miram o bilionário negócio de créditos de carbono.

Com tecnologia, empresários e cientistas querem provar que o já lucrativo negócio de recuperação de pastagens degradadas para plantio também pode ser um aliado no combate ao aquecimento global.

Enquanto agrupa investidores qualificados (que têm ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras) para o seu terceiro fundo focado em comprar terras degradadas para recuperá-las e vendê-las com preço bem mais alto, a AGBI Ativos Reais deu um passo para o reconhecimento dos seus esforços na busca pela sustentabilidade.

Com base em práticas já adotadas em seus investimentos anteriores, a gestora anunciou recentemente ter obtido para seu novo fundo a certificação “verde” pela NINT, empresa especializada em negócios com baixo impacto climático.

A certificação é baseada nos padrões da União Europeia para finanças sustentáveis SRFD (Sustainability Related Financial Disclosure) e em critérios de mitigação e adaptação de risco climático do Climate Bonds Initiative, programa internacional de títulos sustentáveis.

Mario Lewandowski, diretor de novos negócios da AGBI, conta que a inédita certificação nesses moldes para um Fiagro (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais) surgiu como uma necessidade para garantir aos investidores que a produção nas terras sob gestão do fundo poderá superar a desconfiança e as barreiras protecionistas de caráter ambiental no exterior.

“Para desmistificar o investimento em agro no Brasil para os estrangeiros, a gente tinha que falar a língua deles”, afirma Lewandowski.

O processo de certificação, que considerou critérios como preservação da mata nativa em proporção igual ou superior ao exigido pela legislação e a capacidade da área (a preservada e a recuperada para o plantio) evitar a disseminação e retirar gás carbônico do ar, conduzem agora a AGBI para uma nova frente de negócio. A empresa quer agregar o potencial ganho com créditos de carbono às áreas sob sua gestão.

No projeto que serviu de base para a certificação, caso tivesse sido aplicada, a geração de R$ 30 milhões em créditos compensaria o investimento para a aquisição da área, vendida por quase R$ 180 milhões após ter sido recuperada, segundo Lewandowski.

Fazenda Aurora, em Comodoro (MT), teve pastagem degradada convertida em área de plantação após investimento de fundo gerido pela AGBI – Divulgação

A certificação verde para fundos de investimentos agroindustriais ainda é novidade no mercado financeiro doméstico, mas as técnicas de plantio que abrem caminho para isso são conhecidas por produtores brasileiros há cerca de 30 anos.

A mais difundida é a combinação da rotação periódica de culturas em uma mesma área cultivada com a técnica do plantio direto, sistema criado no Brasil que permite semear sem a necessidade de revirar grandes quantidades de terra, como é feito no processo tradicional de aração do solo, explica o pesquisador Ladislau Martin Neto, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Durante o plantio com o método tradicional, a abertura de sulcos na terra é responsável pela liberação de gás carbônico armazenado no solo. É uma técnica necessária para estimular os processos químicos e biológicos que permitem a oxigenação do terreno, sobretudo em regiões de clima temperado, onde o solo passa parte do ano congelado.

Condições climáticas favoráveis permitem, porém, que muitas das culturas importantes para o Brasil sejam plantadas de forma menos invasiva. A abertura de estreitas cavidades (cerca de 15 centímetros) com maior espaçamento entre as linhas traçadas no chão (entre 30 centímetros e 1 metro, por exemplo) é suficiente para a semeadura.

O plantio direto e rotação de culturas complementares também mantém nutrientes e microrganismos no solo e aumentam a produtividade. Soja e milho são têm a preferência dos produtores devido à sua relevância no comércio mundial.

Esse mecanismo evita que o gás carbônico absorvido pelas plantas e fixado no solo por elas seja liberado em maior quantidade durante o plantio ou mesmo por reduzir a erosão do solo.

A medição de quanto carbono a área recuperada é capaz de fixar é feita por um sistema chamado Libs (espectroscopia de emissão óptica com plasma induzido por laser), que dispara um laser em amostras do solo para analisar a sua composição.

Dos cerca de 250 milhões de hectares agrícolas no país (cerca de 30% do território nacional), aproximadamente 40 milhões utilizam o plantio direto com técnicas conservacionistas, segundo o pesquisador da Embrapa.

Quando consideradas outras técnicas de manejo que mantém a cobertura do solo, a quantidade de áreas com potencial para fixar mais carbono do que emitir sobe para cerca de 100 milhões de hectares, estima o pesquisador.

Ele afirma que o tamanho das áreas onde esses manejos já são aplicados deveria colocar o Brasil na condição de protagonista global da agricultura de baixo impacto climático.

“E se o Brasil é isso tudo mesmo, por que não há mais visibilidade? Porque com essa história do desmatamento nós estamos trazendo um problema [aumento das emissões] que entra na conta do país”, diz Neto.

Práticas agrícolas menos agressivas ao ambiente não são, porém, sinônimo de conservação ambiental, afirma o conservacionista Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem),

Borges diz que, sobretudo nas áreas de cerrado, onde o agronegócio é praticado em larga escala, o respeito à legislação que exige a manutenção de 35% do bioma deve ser a prioridade para qualquer negócio que almeje um rótulo de busca pela sustentabilidade.

“O cerrado continua sendo destruído porque não tem política pública de proteção desse bioma. O que existe é uma iniciativa que quer ganhar dinheiro com carbono, louvável e que deve ser estimulada, mas que não é sinônimo de conservação”, afirma.

Lewandowski, da AGBI, concorda sobre a necessidade de conservação. Ele afirma que a última área vendida pelo fundo realizou o plantio apenas em pastagens, preservando 50% da área de cerrado (a legislação exige 35%), sem a necessidade de desmatar. “O risco de imagem ao desmatar é muito grande para o negócio”, disse (Folha de S.Paulo, 14/11/22)

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