A lição de casa apresentada pelas maiores multinacionais do agronegócio global, no início da COP27 (conferência da ONU sobre clima), para alinhar o setor à meta de conter o aquecimento global foi duramente criticada por organizações ambientalistas nesta terça-feira (8).
O documento, definido como um mapa do caminho para o alinhamento ao 1,5ºC (teto para o aquecimento global aceitável), foi apresentado na segunda-feira (7) como um resultado prometido na COP26, no ano passado, quando os maiores representantes do setor se comprometeram a traçar diretrizes estratégicas nessa direção.
O documento foi assinado por gigantes dos setores de carne, soja e óleo de palma. Entre elas, ADM, Amaggi, JBS, Cargill, Bunge, Marfrig e a chinesa COFCO. A iniciativa é organizada pela Tropical Forest Alliance e centrada no Fórum Econômico Mundial.
O plano, no entanto, foi considerado amplo, vago e distante do que seria o compromisso fundamental para que o setor deixe de ser um vetor das mudanças climáticas: o combate imediato ao desmatamento, na visão de ONGs e institutos de pesquisa da área climática.
“A ausência de uma data de corte clara e de metas para eliminar a conversão da cadeia produtiva da soja trava o setor em uma trajetória de altas emissões de carbono”, afirma Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.
“A ciência demonstra que o desmatamento e a conversão devem ser eliminados urgentemente das cadeias de suprimentos de commodities para diminuir suficientemente as emissões globais de gases-estufa e atingir a meta de 1,5ºC”, ele completa.
A Tropical Forest Alliance e empresas signatárias não retornaram aos contatos feitos por email pela reportagem para comentar as críticas.
Para o gerente de política e incidência do WWF, Jean-François Timmers, “esse mapa nos leva a um aumento de até 3ºC”. “O ‘mapa do caminho’ é uma rota para o inferno climático”, afirma.
Em nota, a Rainforest Foundation Norway afirmou que o plano é um “mapa do caminho” para continuar com o desmatamento, enviando uma mensagem a fornecedores para continuar e acelerar a supressão de vegetação. “Mapa do caminho para a catástrofe climática”, pontuou a nota, ecoando o tom irônico com que o anúncio foi recebido na COP27.
As críticas foram reunidas em um manifesto assinado por cem organizações da área ambiental, publicado nesta terça (8). O texto aponta a necessidade urgente de regulamentos fortes, vinculantes e abrangentes sobre produtos livres de desmatamento, enquanto chama os planos voluntários das empresas de “mudanças incrementais”.
O manifesto também expõe oito critérios que deveriam balizar os compromissos do agronegócio global. Além do combate ao desmatamento, a proposta destaca a necessidade de rastreamento de fornecedores diretos e indiretos, a abrangência do compromisso também para biomas não florestais (por exemplo, o cerrado e a caatinga), e a recusa de produtos vindos de áreas desmatadas a partir de 2020.
Critérios que ajudam a balizar a efetividade dos anúncios de compromissos, separando o que é ação significativa do chamado greenwashing (expressão em inglês que significa “maquiagem verde”) também foram lançados nesta terça na COP27 por um grupo de especialistas de alto nível nomeado pela ONU.
O grupo trabalhou ao longo do último ano em recomendações sobre como evitar o greenwashing. A missão foi dada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, diante da enxurrada de promessas vindas de empresas e governos de zerar suas emissões líquidas de gases-estufa até a metade do século.
Para que os compromissos possam ser levados a sério, segundo o grupo, eles precisam ter uma atribuição clara de responsabilidade a uma organização e devem ser suficientemente rápidos para limitar o aquecimento global em até 1,5ºC.
Os mecanismos de compensação de emissões (como o plantio de árvores para compensar a emissão de um voo de avião) devem ser deixados para os últimos anos do compromisso, de forma que não sirva como adiamento da implementação.
O grupo, composto por banqueiros, pesquisadores e ex-ministros, também recomenda que os compromissos anunciados contem com verificação de uma parte independente.
Um dos membros do grupo é o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. “O relatório fornece orientações claras sobre por que e como os atores devem publicar urgentemente planos de transição concretos, transparentes e baseados na ciência”, ele afirmou (Folha de S.Paulo, 9/11/22)