Inflação é efeito principalmente de uma falta de oferta, defende o economista.
Para o economista Nouriel Roubini, um dos poucos a prever a crise financeira de 2008, o volume de estímulos fiscais adotados nos últimos anos pelos governos e os choques nas cadeias globais de suprimento indicam cada vez mais para um cenário de estagflação (inflação alta e estagnação econômica combinadas) nas economias dos Estados Unidos e da Europa nos próximos meses.
Em entrevista ao podcast Odd Lots, da Bloomberg, Roubini afirmou que a crise financeira que espera à frente, resultado de inflação e juros em alta e queda no crescimento econômico, deverá ser pior do que a observada nos Estados Unidos nos anos de 1970.
Segundo o especialista, que ganhou o apelido de “Doctor Doom” (Doutor Apocalipse) após ter previsto o estouro da bolha imobiliária de 2008, ao contrário de boa parte do mercado, a pressão inflacionária generalizada em escala global se deve mais a uma falta de oferta do que a uma demanda sobreaquecida.
A Guerra da Ucrânia e a política de Covid zero na China, ao lado de movimentos como a “grande renúncia“, com uma onda de pedidos de demissão na esteira da retomada das atividades, vão impedir uma queda consistente e rápida da inflação, ao mesmo tempo que a alta dos juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) irá provocar uma desaceleração abrupta no ritmo da atividade econômica na região.
Fatores de caráter mais estrutural, como o aumento do protecionismo, a desglobalização e os rearranjos nas cadeias globais, também contribuem para um cenário de inflação persistentemente acima do patamar-alvo de 2% ao ano do Fed, disse Roubini.
“Vamos começar a ver uma desaceleração da economia, só que a inflação não vai ceder tão rápido por causa do choque de oferta”, afirmou.
Ele lembrou que os choques globais de petróleo dos anos 1970 não levaram apenas a uma inflação nos Estados Unidos, mas resultaram também em uma estagnação econômica no país.
Para o economista, a diferença para o mesmo quadro de estagflação que se desenha agora é o aumento expressivo no nível de endividamento do setor público e privado desde então, especialmente após anos sob uma política fiscal e monetária extremamente estimulativa.
Com o necessário processo de aumento dos juros para conter a inflação, esse endividamento pode começar a se tornar um problema para muitas empresas e até países, com o risco de levar a uma crise de crédito, afirmou o economista.
Com essa combinação de fatores negativos para a economia global, acreditar que a crise que se avizinha será rápida e suave é uma “ilusão”, segundo Roubini, que citou títulos indexados à inflação e de curto prazo entre as alternativas aos investidores.
Conhecido pela visão contrária em relação ao bitcoin, afirmou que a criptomoeda mais popular do mercado é apenas mais uma “shitcoin” (moedas porcaria, numa tradução livre).
O economista disse também que o cenário global projetado para os próximos meses pode representar uma “tempestade perfeita” para mercados emergentes em situação mais frágil economicamente, com a alta dos juros e o enfraquecimento das moedas ante o dólar trazendo desafios econômicos para os países da região (Folha de S.Paulo, 23/10/22)