Na última semana, os preços médios do combustível fóssil registraram sua primeira alta em mais de três meses.
Enquanto a Petrobras mantiver os preços da gasolina nas refinarias, a menor oferta de etanol será um fator com maior protagonismo a colaborar com preços mais altos do combustível fóssil, que conta com uma mistura de 27% de álcool anidro, disseram especialistas à Reuters.
A situação rara –uma vez que o valor da gasolina na bomba geralmente é mais influenciado pela Petrobras– ocorre em função de estoques baixos do biocombustível, em meio a uma safra de cana atrasada e forte direcionamento da matéria-prima para produção de açúcar, produto de exportação mais rentável que o etanol.
Na última semana, os preços médios da gasolina nos postos do Brasil registraram sua primeira alta em mais de três meses, segundo pesquisa da reguladora ANP, contando com o fator etanol, além de reajustes praticados em outubro pela importante refinaria privatizada na Bahia (da Acelen) e um movimento de revendedores em busca de margens, segundo especialistas e graduadas fontes próximas ao governo e da Petrobras.
“O etanol tem potencial para subir porque os estoques de anidro estão baixos… essa safra está sendo muito peculiar, a indústria perdeu dias de moagem em um número muito maior do que temos observado em anos anteriores”, afirmou o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, explicando os efeitos das chuvas para o processamento de cana e o mercado de combustíveis.
Mas ele ressalvou que, para a Datagro, a referência de preço da gasolina no Brasil é a cotação da Petrobras, que está há mais de 40 dias sem reajustar os preços do combustível em suas refinarias.
“Se algum agente, seja Acelen, ou importador que importa e vende gasolina A a níveis diferentes do preço de venda da Petrobras, pode acontecer… mas não é um fator que muda a realidade do preço de referência principal”, disse Nastari.
A Acelen, segunda maior refinaria do Brasil em capacidade de refino, tem seguido a paridade do valor de importação, enquanto a Petrobras mantém suas cotações antes da eleição que tem o presidente Jair Bolsonaro como candidato.
A expectativa é que os preços do etanol permaneçam com tendência altista nas próximas semanas, apontou o consultor sênior de petróleo gás e renováveis da StoneX, Smyllei Curcio.
Assim como Nastari, ele ainda citou que os produtores de etanol que têm fôlego financeiro estão segurando vendas para janeiro, quando impostos federais (PIS/Cofins) de combustíveis devem voltar, elevando a competitividade do biocombustível frente à gasolina e proporcionando melhores retornos.
“Outro motivo é que tem chovido bastante…, o que tem dado uma desacelerada na colheita”, pontuou Curcio.
O preço médio do etanol anidro nas usinas de São Paulo, principal mercado produtor e consumidor do país, subiu 5,6% no acumulado das duas primeiras semanas de outubro, segundo dados do Cepea/Esalq, enquanto o álcool hidratado (usado diretamente nos carros “flex”) avançou no mesmo período quase 10%.
“O que se desenha até o momento é um volume moído de cana menor na região centro-sul, 18 usinas já com a moagem encerrada, exportações fortes, estoques baixos e, ainda, perspectiva de valorização da gasolina por conta do comportamento do preço do petróleo nas últimas semanas”, disse o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em nota nesta semana.
Já o sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, também citou como causa do aumento da gasolina um movimento de tentativa de melhorar as margens pelo setor de postos combustíveis.
“Vale lembrar que o preço da gasolina é livre no Brasil, ou seja, significa dizer que os donos dos postos podem precificar o produto conforme sua necessidade. O principal fator, na minha opinião, é que em razão das quedas sucessivas no preço alguns postos tenham visto a possibilidade de aumentar suas margens sem prejudicar o consumo”, disse Rodrigues à Reuters.
Defasagem?
Segundo relatório publicado hoje (19) pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o preço médio da gasolina vendido pela Petrobras está 0,18 real (5%) abaixo do preço de importação.
A defasagem em relação ao mercado externo já dura duas semanas, mas, em meio às eleições presidenciais, não há expectativas de que a Petrobras possa mexer nos valores.
Um diretor da estatal disse recentemente que a empresa está “próxima ao valor de mercado” e “demora” mais para repassar a subida do petróleo para beneficiar a sociedade.
Os cálculos da Abicom, contudo, levam em consideração a conta de importação de players menores.
“Não é erro (da Abicom). Apenas tem outra conta. Eles não têm infra de transporte ou de armazenagem, dependem de lotes menores (mais caros), tem menor capital (maior risco). Logo, o preço mínimo pra eles trazerem é maior que o de atores maiores como as grandes distribuidoras ou grandes trading companies”, disse uma fonte próxima da Petrobras, que atribuiu ao etanol e à Acelen a alta na ponta da cadeia.
Mas o avanço dos preços do petróleo Brent no mercado externo, que na máxima de outubro chegou a subir 10% ante o fechamento de setembro, também está impactando nas bombas do país.
“A Acelen (dona da Refinaria de Mataripe), diferentemente da Petrobras, tem seguido a paridade de importação, então ela reajustou os preços dela nas últimas semanas. Só em outubro somou uma variação positiva na ordem de 40 centavos”, afirmou o sócio da Raion Consultoria Eduardo Melo.
Localizada na região metropolitana de Salvador (BA), a refinaria vendida pela Petrobras no ano passado tem capacidade para processar mais de 300 mil barris de petróleo por dia, o que corresponde a 14% da capacidade total de refino do Brasil e mais da metade do abastecimento do Nordeste brasileiro.
Neste mês, a refinaria elevou o preço da gasolina para as distribuidoras em 9,3% em 8 de outubro e em 3,3% em 15 de outubro. Nos postos da Bahia, os preços subiram 10,3% na semana passada, segundo a ANP, alta que abrange também o impacto do etanol anidro (Reuters, 19/10/22)