Por Iara Lemos
Tereza Cristina desbanca Kátia Abreu, que perdeu o trono depois de 15 anos de mandato, e se torna a voz mais poderosa do setor na Casa.
A voz do agronegócio brasileiro no Senado ganhou um novo rosto depois da eleição do domingo 2. Com 15 anos consecutivos de mandato, Kátia Abreu (PP-TO) deixa o posto no fim deste ano, destronada de forma esmagadora nas urnas.
Ainda que a posse dos novos parlamentares só ocorra em fevereiro do próximo ano, o resultado da eleição já transferiu o título de rainha do agro para Tereza Cristina (PP-MS). Embora as duas mulheres não disputassem votos entre si, a ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro (PL) chega ao Senado para seu primeiro mandato com o apoio dos ruralistas, que manifestavam insatisfação crescente com o reinado de Kátia Abreu.
Na eleição do último domingo, Kátia conquistou apenas 18% dos votos válidos do eleitorado (145.104), ante os 50,42% da adversária eleita (395.408), Professora Dorinha (MDB). Da última eleição em que havia concorrido ao Senado, em 2014, até este ano, Kátia Abreu perdeu 45% dos votos conquistados. A derrota nas urnas foi construída ao longo dos últimos anos pela própria senadora e era tida como esperada dentro do setor que lidera o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Só neste ano, o agronegócio deve representar quase 30% do PIB do país.
As estimativas de desenvolvimento no setor ficam entre 5% e 7%, de acordo com dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), entidade que foi presidida duas vezes pela senadora derrotada. No Tocantins, terra de Kátia Abreu, o agronegócio é o motor da economia do Estado. Só lá, a produção de grãos saltou de 2,3 milhões de toneladas para 6 milhões de toneladas em dez anos, segundo dados do próprio governo do Estado — um crescimento de mais de 120% na área produzida.
A guinada de Kátia Abreu rumo ao abismo
Os dados positivos do campo se mostraram completamente deslocados do caminho traçado pela senadora, na análise de integrantes do setor. Enquanto o agronegócio crescia no país e no Tocantins, Kátia Abreu se afastava das bandeiras defendidas pelo setor de forma tão radical que passou a apoiar um modelo político fadado ao fracasso. Virou ministra da Agricultura de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, e protagonizou cenas icônicas do Senado, mostrando sua nova roupagem aos líderes do setor do agronegócio.
A mais insólita das atitudes foi quando roubou uma pasta com documentos do Senado durante a escolha para a presidência da Casa, em 2019. Kátia era contra a eleição de David Alcolumbre (União-AP), que chegava ao posto como candidato de Jair Bolsonaro.
A pasta foi devolvida pela própria senadora apenas dois anos depois. Colegas de Senado reclamavam da falta de diálogo com a parlamentar, o que também ocorreu com o setor do agronegócio. Das crises representativas com o agro, destacam-se os debates em torno da demarcação de terras indígenas. Kátia chegou a ir de encontro ao posicionamento dos ruralistas, que em 2014 planejaram um protesto em defesa do marco temporal para demarcação de terras indígenas. O protesto previa, entre outros atos, o bloqueio de estradas, o que foi criticado pela senadora.
“Durante muito tempo, a Kátia Abreu defendeu o agro e falou o que a gente precisava, mas ela fez a opção política como senadora”, afirma Normando Corral, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). “E ali teve uma ruptura com o agro. O pessoal não via mais nela uma porta-voz que nos representasse. No momento, que ela optou por ser ministra da Dilma e rompeu conosco.”
Os caminhos escolhidos por Kátia Abreu ampliaram ainda mais as rupturas políticas entre ela e o setor do agro neste ano. Mesmo integrando as fileiras do PP, partido aliado de Jair Bolsonaro, Kátia Abreu ergueu a bandeira vermelha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tornando-se uma das mais atuantes na campanha do ex-presidente pela disputa à Presidência da República. Foi a pá de terra que faltava para enterrar de vez a relação amistosa que ainda restava entre Kátia Abreu e seus parceiros do agronegócio.
Mesmo integrando as fileiras do PP, partido aliado de Jair Bolsonaro, Kátia Abreu ergueu a bandeira vermelha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tornando-se uma das mais atuantes na campanha do ex-presidente
A posição política da senadora resultou na exasperação de seus colegas, que passaram a trabalhar intensamente pela sua derrota, apoiado pelo setor que crescia nos campos trazendo uma nova motivação à economia brasileira.
“O que levou Kátia Abreu à derrota eleitoral foi a incoerência dela mesma”, afirma o deputado federal reeleito Alceu Moreira (MDB-RS). “Passou quase o tempo todo ligada ao agronegócio e depois se aproximou da Dilma Rousseff e de um projeto falido. Mostra que ela não era dedicada ao setor e ao que nós sempre defendemos”.
Uma representante de estirpe para o agro
Moreira, que é um dos líderes da Frente Parlamentar Agropecuária do Congresso Nacional, foi um dos políticos que atuaram diretamente pela indicação de Tereza Cristina para concorrer ao Senado por Mato Grosso do Sul. O nome da ex-ministra foi defendido pela bancada com o presidente Jair Bolsonaro, que acatou e trabalhou pedindo votos para a eleição de Tereza Cristina.
Derrubar Kátia Abreu era uma das metas dos aliados de Bolsonaro. “A Tereza tem conhecimento do agro e do mercado internacional. Ela vai falar com propriedade, é articulada, faz política com suavidade, com respeito e vai fazer uma boa relação, de postura com o mercado”, avalia Moreira.
A ideia da Frente Parlamentar era voltar a ter uma representante no Senado Federal, afinada com as ideias do grupo, cujas articulações estão entre as mais influentes do Congresso Nacional. Só na Câmara dos Deputados, a expectativa é que a bancada ruralista tenha 255 integrantes na próxima legislatura. A taxa de reeleição entre os deputados que integram o grupo parlamentar do agro ficou em 65%. Foram 133 deputados reeleitos, dos 202 que disputavam um novo mandato.
Entre os vitoriosos está o atual presidente da bancada ruralista, Sérgio Souza (MDB-PR). Mesmo optando por não externar posicionamentos em relação à postura política tomada por Kátia Abreu, Souza acredita que Tereza Cristina fará um mandato de mais diálogo entre os colegas do Congresso. Isso era, aliás, uma das principais reclamações dos parlamentares contra a senadora do Tocantins. “A Tereza é competente, foi uma excelente ministra e não há dúvida que vai fazer um excelente trabalho.”
Nova rainha do agronegócio no Senado, Tereza Cristina chega cotada para assumir a presidência da Comissão de Agricultura da Casa. Antes mesmo da posse, seus colegas de Parlamento começaram a trabalhar na busca de votos para a indicação. Já Kátia Abreu precisa primeiro torcer para que Lula vença a eleição. Depois, que a escolha para voltar ao Ministério da Agricultura. O caminho é longo (Revista do Oeste, 7/10/22)