Por Ronaldo Lemos
Vamos competir também em propriedade intelectual, patentes, cultivares, insumos?
Quais os elementos essenciais para um agronegócio competitivo e sustentável? Abundância de água, terra fértil, sol, ciência e tecnologia. De todos esses, o peso começa a crescer para os dois últimos.
O futuro do agronegócio não será de quem tem os melhores recursos naturais, mas sim de quem aplica melhor ciência e tecnologia. Competição por sementes, cultivares, know-how e implementos.
O Brasil sabe disso. Tanto é que a agricultura brasileira é das mais competitivas globalmente, especialmente em razão da Embrapa. No entanto, liderança é, por definição, um lugar instável.
Outros países estão constatando que, com ciência e tecnologia, é possível ganhar mais competitividade no agro, avançando sobre espaços que hoje são detidos pelo Brasil.
O país mais recente a transformar ciência e tecnologia no agro em prioridade nacional é um velho conhecido dos produtores brasileiros: a China. Nos últimos anos, o país decidiu que não quer mais depender de importações para garantir sua segurança alimentar.
O país abriga hoje 20% da população mundial, mas possui apenas 8% das terras aráveis do planeta. Por isso foi dada a largada para um esforço de aumento da produtividade por hectare. E também por reorganizar a forma como a produção agrícola acontece na China.
No entanto, o passo mais ambicioso do país relaciona-se diretamente à cadeia de suprimentos agrícolas global. Trata-se da aquisição da gigante global de tecnologia agrícola Syngenta. De origem Suíça, e até hoje com sua sede em Basileia, a empresa foi adquirida em 2017 por US$ 43 bilhões pela empresa ChemChina (atualmente Sinochem Holdings). Essa foi a maior aquisição internacional feita por uma empresa chinesa.
A Syngenta tem presença forte globalmente, inclusive no Brasil, no ramo de sementes, pesticidas, herbicidas e outros produtos e cultivares relacionados a lavouras de soja, milho e biocombustíveis.
Na China, a aquisição da empresa tem provocado uma verdadeira revolução agrícola. A empresa está desenvolvendo no país os chamados MAPs (sigla de Plataforma de Agricultura Moderna).
Mais de 500 MAPs foram implantados nas áreas rurais do país. Em cada um deles há sempre centros de pesquisa e aprendizado, onde se destaca a frase “In Science We Trust” (Na ciência nós confiamos).
Cada um deles tem uma estética parecida com a do Vale do Silício e ajuda produtores locais a desenvolver práticas mais “produtivas, eficientes e sustentáveis”. Vale lembrar também que a produção rural é apenas um dos segmentos do agronegócio.
Outro segmento fundamental, do qual o Brasil participa pouco, é o da propriedade intelectual, das patentes e dos cultivares. Nesse campo, a Syngenta é gigantesca. Antes da aquisição, a empresa já havia assimilado a Novartis e o braço agrícola da AstraZeneca.
Com isso, detém inúmeras patentes e cultivares, relacionados a milho, soja e alface, além de inúmeros produtos químicos. Até uma variedade de tomate típica da América do Sul a empresa chegou a patentear antes da aquisição, mas depois de muitos protestos a patente foi revogada.
Os produtores brasileiros são clientes da Syngenta com relação a vários produtos, muitos deles essenciais para as lavouras no país. E o Brasil? Apesar de sermos potência agrícola, dominamos só uma parte do setor.
Vamos competir também em propriedade intelectual, em patentes, cultivares, insumos e implementos? O futuro do setor depende da resposta a essa pergunta.
Já era – Pensar em agricultura apenas como exploração direta da natureza
Já é – Agricultura como atividade científica e tecnológica
Já vem – Competidores do Brasil com menos recursos naturais, mas mais tecnologia (Ronaldo Lemos é advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Folha de S.Paulo, 10/10/22)